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A economia do Quênia cresce, mas os pobres não percebem

David Kamau em sua fazenda no condado de Nyeri, na antiga província Central do Quênia. Foto: Miriam Gathigah/IPS
David Kamau em sua fazenda no condado de Nyeri, na antiga província Central do Quênia. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 19/12/2014 – David Kamau é um pequeno agricultor de milho em Nyeri, na província Central do Quênia, a 153 quilômetros da capital, Nairóbi. Recentemente diversificou seu cultivo e incorporou a cenoura, mas ainda não teve lucro. Kamau explicou que os insumos custam muito e que, continuando essa tendência, deverá dividir e vender seus cinco hectares.

Isto acontece com muitos dos pequenos agricultores neste país da África oriental, onde a agricultura representa cerca de 25% do produto interno bruto (PIB). Embora respondam por aproximadamente 75% do total da produção agrícola, apenas recuperam seus custos. “Uma saca de 150 quilos de cenoura vale US$ 17, quando antes era US$ 22. Mas, na medida em que os preços sobem, também sobe o custo dos insumos”, disse Kamau.

O Ministério da Agricultura calcula que cinco milhões dos oito milhões de famílias do país dependem diretamente da agricultura para sua subsistência. Porém, os agricultores não têm uma rentabilidade adequada porque o setor está subfinanciado, disse Jason Braganza, analista econômico residente em Nairóbi.

Este ano, o Estado destinou 2,4% de seu orçamento ao setor agrícola, 0,6% menos do que o destinado no biênio anterior. A quantia é muito inferior à estipulada pela União Africana em 2003, em sua Declaração de Maputo sobre Agricultura e Segurança Alimentar, que a fixou em um mínimo de 10%.

O resultado é que “os agricultores abandonam gradualmente as propriedades e tentam outras iniciativas econômicas. Quênia Central costumava ser um celeiro, mas os complexos residenciais e comerciais estão substituindo as terras de cultivo”, queixou-se Kamau.

A agricultura não é o único setor com problemas econômicos neste país. As pequenas empresas carecem de serviços essenciais de apoio empresarial. Dois terços dos 45 milhões de quenianos não têm acesso a serviços financeiros básicos, com é o caso das contas bancárias.

“O crescimento de bairros pobres, urbanos e rurais, é indício de que há mais gente passando dificuldades”, apontou Dina Mukami, do movimento social Bunge la Mwananchi (Parlamento do Povo). Esta organização estuda processar o governo pelos números divulgados na publicação oficial Atlas Socioeconômico do Quênia, divulgada em novembro, que expõe a profunda disparidade nos níveis de renda em todo o país. “O Atlas é uma ferramenta poderosa, mas falta saber se o governo usará a informação para melhorar o nível de vida” da população, acrescentou.

Felix Omondi, oriundo de Kibera, uma divisão de Nairóbi considerada o maior bairro pobre da África e integrante da organização social Revolução Unga, acredita que o Atlas gerou coisas boas. O ativista disse à IPS que o Estado está aplicando um programa para melhorar os bairros pobres. “É uma das formas que o governo utiliza o Atlas para melhorar a vida das pessoas”, afirmou.

Nos últimos três meses, o governo trabalhou com moradores dos bairros pobres para estabelecer projetos de geração de renda e prestar serviços básicos, como banheiros, iluminação e drenagem. Pelo menos três mil jovens de Kibera se beneficiarão com esses projetos. Omondi, um dos beneficiários, contou que está encarregado de um dos moinhos de “posho” (farinha de milho) que o governo instalou para gerar renda.

Mas no outono boreal soube-se que após uma revisão estatística a economia do Quênia havia crescido 25%, por essa razão agora é oficialmente um “país de renda média”. A expansão da classe média é um motor importante desse crescimento, mas quais as características que tem esse setor da população? A renda nacional bruta por habitante é de US$ 1.160 por habitante, enquanto o umbral de “rendas médias” do Banco Mundial é de US$ 1.036.

Os últimos indicadores de distribuição da renda no Quênia, de 2005, revelam que 45,9% da população estava na linha de pobreza nacional, e que a renda em poder dos 10% mais altos correspondia a 38%. Mas essa informação oficial sem atualizar exclui a economia informal, pontuou África Ariño, professora de gestão estratégica na Iese Business School, da Universidade de Navarra, na Espanha.

“Um taxista ganha 15 mil KES por mês (US$ 178) e paga 3.500 KES (cerca de 25% de sua renda) para alugar um quarto onde vive com a mulher e seus dois filhos”, disse Ariño. “Não tem cozinha nem banheiro; são instalações compartilhadas com outros no mesmo prédio. Sua renda é, mais ou menos, o salário médio de um motorista, segundo a Pesquisa Econômica do Quênia de 2014. “Ele pertence à classe média?”, questionou a especialista.

Segundo Braganza, um dos principais obstáculos no Quênia é que, embora o crescimento econômico do país seja real e sustentável, a estrutura da economia segue inalterada. Os recursos não se deslocaram para os setores mais produtivos da economia, o que aumentaria a produtividade e o emprego remunerado.

Para que as pessoas percebam o efeito de “gotejamento” do crescimento econômico, também deve haver uma transformação estrutural, ressaltou Braganza. “É necessário maior investimento nos setores mais produtivos, bem como investimento em setores emergentes. Isso contribuirá com a redução do desemprego e da pobreza”, enfatizou o analista. Envolverde/IPS