Cairo, Egito, 6/5/2011 – Os partidos palestinos Hamas e Fatah assinaram, no dia 4, um acordo de reconciliação na capital egípcia, assentando as bases para a formação de um governo de unidade nacional. Este passo reflete a variável equação política do Oriente Médio, em meio à onda de levantes populares árabes.
“As revoluções que brotam em toda a região – especialmente a queda do regime de Hosni Mubarak no Egito – alteram o equilíbrio estratégico, sobretudo no conflito árabe-israelense”, disse à IPS o diretor-adjunto do Centro Nacional para os Estudos do Oriente Médio, Mohammad Megahid al-Zayat, com sede no Cairo.
No dia 27 de abril, Fatah e Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) anunciaram inesperadamente um acordo para formação de um governo de unidade nacional integrado por tecnocratas independentes. Segundo o pacto, resultado de semanas de conversações secretas na capital egípcia, esse novo governo funcionaria até a realização de eleições parlamentares e presidenciais, no prazo de um ano.
Um comunicado divulgado pelo serviço de inteligência do Egito, que atuou como mediador, diz que as negociações geraram “pleno entendimento sobre todos os pontos de discussão, inclusive um acordo interino com tarefas específicas e a determinação de uma data para as eleições”. No dia 4, Hamas e Fatah, junto com outros 11 grupos palestinos menores, aprovaram o acordo no Cairo.
Uma cerimônia formal está prevista para hoje, e a ela assistirão o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) e líder do Fatah, Mahmoud Abbas, e o chefe do escritório político do Hamas, Khaled Meshaal. Foram criados dois comitês conjuntos para debater a integração das forças de segurança das duas partes, reestruturar a Organização para a Libertação da Palestina para dar lugar ao Hamas, e estabelecer um sistema e um calendário para as eleições. O acordo também prevê a troca de prisioneiros entre os dois lados.
Hamas e Fatah viveram como duros rivais desde 2006, quando o primeiro teve uma esmagadora vitória nas eleições legislativas palestinas com sua plataforma de resistência armada contra Israel. A animosidade mútua chegou a um ponto de ebulição no ano seguinte, quando o Hamas tomou o controle da Faixa de Gaza, antes nas mãos da ANP, liderada pelo Fatah. Desde então, o Hamas governa Gaza, enquanto a ANP tem jurisdição na Cisjordânia, os dois territórios palestinos ocupados por Israel.
A ANP tem apoio dos Estados Unidos e mantém estreitos vínculos com Israel em matéria de segurança e inteligência. Ao contrário do Hamas, está comprometida com o reinício de um desacreditado acordo de paz. A rodada mais recente de conversações entre ANP e Israel fracassou em setembro de 2010, após a negativa israelense de suspender a construção de colônias judias em terras palestinas.
Para complicar mais as coisas, nos últimos quatro anos, Israel e Egito, com a bênção da ANP, mantiveram fechadas suas fronteiras com a Faixa de Gaza. O sítio isolou Gaza do resto do mundo, privando seus 1,8 milhão de habitantes de alimentos, combustível, insumos médicos e material de construção.
Segundo analistas egípcios, o sucesso no Cairo é consequência da derrubada, em 11 de fevereiro, do presidente egípcio Hosni Mubarak. Desde então, o destino do país está nas mãos do Conselho Supremo das Forças Armadas, que prometeu realizar eleições nacionais democráticas no final deste ano. “A saída de Mubarak eliminou da equação o principal aliado regional do Fatah, o incentivando a se reconciliar com o Hamas”, disse Al-Zayat. “Já o Hamas aderiu ao acordo porque sabe que o Conselho Supremo será um mediador muito mais equitativo do que o regime de Mubarak”, acrescentou.
Os esforços de mediação entre as facções palestinas promovidos por Mubarak eram favoráveis ao Fatah e “fracassaram, em boa parte, porque estavam inclinados a serem contra o Hamas, em linha com as diretrizes dos Estados Unidos e de Israel”, disse à IPS o professor de Ciência Política da Universidade do Cairo, Tarek Fahmi. O regime de Mubarak havia pressionado o Hamas para que abandonasse a resistência armada e reconhecesse Israel como parte de um acordo de reconciliação com o Fatah. Contudo, o pacto firmado não contém nenhuma dessas condições.
Abbas assegurou, na semana passada, que o pacto não afetaria o congelado diálogo com Israel. Entretanto, o Hamas reiterou sua negativa de reconhecer o Estado judeu e se reserva o direito de exercer a resistência armada contra a ocupação israelense. O governo de Israel – que com Washington e a União Europeia qualifica o Hamas como “organização terrorista” – se apressou em deixar patente sua oposição à reconciliação palestina.
“A ANP deve escolher se quer a paz com Israel ou a paz com o Hamas, não é possível a paz com ambos”, disse o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na semana passada. Ao mesmo tempo, o Departamento de Estado norte-americano declarou que qualquer futuro governo palestino deve se comprometer a abandonar a violência, respeitar os acordos existentes e reconhecer Israel.
No entanto, o governo egípcio de transição parece imperturbável diante de tais advertências. “À nova direção no Cairo pouco importa o que Israel e seus aliados pensam sobre como se relaciona com o Hamas”, disse à imprensa estatal egípcia o ex-conselheiro político do governo do Hamas em Gaza, Ahmed Youssef. No dia 28 de abril, o chanceler nomeado pelo Conselho Supremo, Nabil al-Arabi, anunciou que o Egito abriria “nos próximos dez dias”, de forma definitiva, sua fronteira com a Faixa de Gaza.
Esta decisão é um sinal a mais do realinhamento do Egito pós-revolucionário com relação ao Hamas. “Desde a revolução, mudou a postura do Cairo sobre a questão palestina e o Hamas, em particular”, disse à IPS o dirigente Saad al-Husseini, da egípcia Irmandade Palestina, que tem afinidade ideológica com o grupo palestino. “A promessa de reabrir a fronteira mostra que, ao contrário de Mubarak, o governo de transição não vê o Hamas como inimigo”, acrescentou.
“Com a saída de Hosni Mubarak e dos que o cercavam, a política externa do Egito finalmente trabalha pelos interesses do país, da causa palestina e do mundo árabe”, afirmou al-Husseini. “É o regresso ao seu estado natural”, ressaltou. Envolverde/IPS