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Eleições municipais refletem crise partidária do Brasil

Rio de Janeiro, Brasil, 27/9/2012 – O tradicional logotipo e a sigla dos partidos políticos quase despareceram da propaganda de rua para as eleições do dia 7. Parece ser uma mostra da extinção do protagonismo partidário como representação da cidadania. O candidato a vereador Nelson do Barracão (Nelson, da loja de materiais de construção), por exemplo, apelou para a visibilidade de seu trabalho para que os eleitores de seu município, Duque de Caxias, possam melhor identificá-lo na hora de digitar seu número na urna eletrônica. O logotipo do Partido Democrático Trabalhista (PDT), ao qual pertence, quase não se nota no cartaz.

Também Neguinho da Bananada (Neguinho, do doce de banana), do Partido Verde (PV) e candidato no município de São João do Meriti, destaca para sua promoção o fato de ser um conhecido vendedor ambulante na região. “Voto em um candidato, não em um partido”, disse à IPS a consultora comercial Alexandra Cristina. “O que vale é a pessoa, seu caráter, o que tem a oferecer ao país”, afirmou. “Voto em programa e candidato”, disse, por sua vez, a enfermeira Natália Vieira ao ser consultada pela IPS. “A gente só confia quando conhece a história do candidato”, explicou.

Inclusive, o nome do partido é borrado, quando não desaparece, nas campanhas dos candidatos a prefeito nos mais de cinco mil municípios do Brasil. “Fica claro que os partidos não existem no Brasil”, interpretou, mais drasticamente, o escritor e analista político Eric Nepomuceno em entrevista à IPS. Ele tem duas explicações para isso: por um lado, a permanente troca de partido pelos candidatos, que ilustra em uma metáfora futebolística.

“Antes, os jogadores ficavam toda sua vida esportiva em uma mesma equipe e, em geral, eram torcedores do clube. Hoje, em apenas cinco anos, vestem a camisa do Flamengo, depois do Fluminense, adiante do Vasco da Gama ou do Botafogo”, citou Nepomuceno, como exemplo, os principais times do Rio de Janeiro. “Ou seja, esse mercantilismo do futebol tem seu reflexo imediato no mercantilismo da política, com tudo que esta palavra inclui”, ressaltou.

Por outro lado, atribui o fato às características locais das eleições municipais brasileiras, nas quais “as pessoas votam mais por um síndico”, enquanto uma “pequena parcela do eleitorado vota por razões ideológicas”. “O nome do partido já não tem nenhuma importância”, lamentou Nepomuceno.

Este fenômeno também ocorre em eleições protagonizadas por partidos tradicionais na história da democracia brasileira, como o Partido dos Trabalhadores (PT), da presidente Dilma Rousseff e de seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), situados por analistas como de centro-esquerda e centro, respectivamente. Também disputam na arena política outros partidos históricos, como o centrista Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o direitista Democratas (DEM) e outros situados nos matizes da esquerda no leque eleitoral, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL). Nas últimas décadas somaram-se partidos representados por pastores de igrejas neopentecostais em nome do recente eleitorado que procede de seus fiéis.

Fernando Gusmão, candidato a vereador no Rio de Janeiro, não esconde a estrela vermelha do PT em sua propaganda. “Mantenho o emblema porque fazemos as coisas com base no partido e em sua plataforma política e ideológica”, disse à IPS. Porém, concorda que o Brasil vive “uma baixa da política”, com “eleitores que já não votam por partidos, mas por pessoas. A referência do sujeito já não é o partido, não é sua identidade ideológica, não é uma bandeira”, acrescentou.

Hélio José Pereira (Helinho), que disputa uma cadeira de vereador em Duque de Caxias pelo PV, em uma aliança encabeçada pelo PMDB, e que mantém o emblema de seu partido, atribui a atual falta de protagonismo dos partidos ao caráter “local” das eleições municipais. “Nos últimos anos, o eleitor vem se identificando mais com o candidato do que com o partido, porque, quando ocupa algum cargo, suas ações sociais fortalecem seu nome”, explicou à IPS.

O emaranhado de alianças partidárias também contribui para a desfiguração política. Como destacou Nepomuceno, somente a aliança nacional de apoio ao governo reúne PT, “um simulacro do PDT”, que era um partido importante de esquerda e hoje não sabe “o que é”, o Partido Comunista do Brasil, “cujo presidente é católico, apostólico, romano, os evangélicos e o PMDB, que nunca foi um partido, mas uma configuração de interesses regionais. De qual partido, de quais alianças estamos falando?”, questionou Helinho.

O analista Williams Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considerou que a distinção entre esquerda e direita continua na política brasileira, embora não se manifeste “sob a forma de ideologias estruturadas em totalidades”. Ele explicou à IPS que, “como todos devem coexistir no sistema capitalista de produção, as distinções se manifestam em relação a questões que são praticamente imperceptíveis para a maioria do eleitorado”. O analista acrescentou que “os candidatos não querem se arriscar definindo uma identidade partidária porque, embora possa trazer-lhes alguns votos, acreditam que haveria mais a perder”.

As eleições municipais são consideradas importantes para definir o mapa de fortalezas políticas e alianças com vistas às eleições presidenciais de outubro de 2014.

O sociólogo Giuseppe Coco, da URFJ, afirmou que o Brasil passa por “uma crise de ideologias e representação”, mas esclareceu à IPS que isso não implica extinção dos partidos, nem neste e nem nos países vizinhos. Coco afirmou que, apesar de vários “novos governos” sul-americanos terem se construído com uma ideologia “orientada de alguma maneira à esquerda”, isto é, com “uma ruptura, ainda que moderada, com o neoliberalismo, não são fruto da hegemonia de nenhum modelo ideológico”.

Nesse aspecto, Coco diferenciou governos “com uma grande base popular”, como os de Hugo Chávez, na Venezuela, Cristina Fernández, na Argentina, e Evo Morales, na Bolívia, do de Lula. Enquanto os primeiros construíram seus apoios antes de tudo a partir de suas lideranças pessoais, o Brasil “mostra uma trajetória diferente porque atrás de Lula havia um partido de esquerda forte e estruturado, como é o PT”, que depois permitiu a continuidade de Dilma na Presidência.

Segundo Coco, embora no Brasil “a crise de representação” ocorra menos do que em outros lugares no desaparecimento dos partidos, as lideranças oriundas da luta contra a ditadura e dos processos de democratização “começam a mostrar sinais de esgotamento e já estamos assistindo batalhas políticas e eleitorais de um novo tipo”. Por um lado, isto tem como consequência uma piora do processo representativo, “sequestrado por projetos pessoais”, visíveis em figuras que transitam de um partido a outro para afirmar seu caminho rumo ao poder, indicou Coco. Nessa direção mencionou o prefeito do Rio e candidato à reeleição, Eduardo Paes.

Por outro lado, a crise estaria dando lugar a “fenômenos novos”, como o de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, que demonstrou uma inédita força política nas eleições gerais de 2010, como candidata presidencial pelo PV. O mesmo ocorre, segundo o sociólogo, com o atual candidato à prefeitura do Rio pelo PSOL, Marcelo Freixo, que construiu sua candidatura a partir de lemas como a luta contra as máfias no poder, e está captando votos alheios para a ideologia de seu partido. Envolverde/IPS