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Entre crise europeia e mudanças na América Latina

Assunção, Paraguai, 31/10/2011 – A discussão sobre a crise econômica e a financeira na Europa e seus possíveis impactos na América Latina somou-se aos debates da XXI Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, que terminou no dia 29, na capital do Paraguai. A participação da sociedade é essencial para a gestão pública e a governabilidade democrática, diz a Declaração de Assunção, divulgada ao final do encontro, que contou com apenas nove chefes de Estado e de governo dos 22 países-membros. Os demais foram representados por vice-presidentes e chanceleres.

Os 15 documentos aprovados, entre os quais comunicados e moções pedindo o fim do bloqueio a Cuba e negociações entre Argentina e Grã-Bretanha sobre as Ilhas Malvinas, além dos 58 pontos da Declaração final, mostram a variedade de assuntos tratados na Cúpula, cujo tema central foi a “Transformação do Estado e Desenvolvimento”. Outros temas que figuram nos documentos divulgados são a quinua, a coca originária e ancestral, o Ano Internacional dos Afrodescendentes, o terrorismo, as migrações e a questão das jazidas de petróleo de Yasuni, no Equador.

Ainda assim “aconteceram os debates mais ricos dos últimos anos”, segundo o primeiro-ministro da Espanha, José Luiz Zapatero, que se despediu do fórum ibero-americano, do qual participou oito vezes, já que em breve deixará a chefia do governo espanhol. A crise em alguns países europeus é grave e ameaça a economia mundial, que já não tem fronteiras, o que exige respostas internacionais, alertou Zapatero, um dos que mais discutiu sobre a conjuntura econômica, que encontra uma Europa enfraquecida e uma América Latina com “crescimento horizontal favorável”.

Os países emergentes e alguns industrializados, como a Alemanha, têm um papel fundamental no sentido de evitar o agravamento da crise, pois dispõem de capacidade fiscal para estimular o crescimento, disse Zapatero. O grande desafio econômico atual é “recuperar a confiança” diante de uma “perigosa tendência ao pessimismo” que o mundo vive desde 2008, afirmou o secretário-geral ibero-americano, Enrique Iglesias, ao abrir a Cúpula na noite do dia 28. “O desemprego é o pior inimigo da democracia”, alertou, referindo-se à perda de postos de trabalho.

A América Latina pode sofrer o duro impacto da crise, principalmente devido à queda da demanda chinesa, se os países ricos ficarem paralisados ou em recessão, alertou Pamela Cox, representante do Banco Mundial para a América Latina. Sua intervenção provocou uma indignada reação do presidente do Equador, Rafael Correa, que se retirou do plenário em protesto contra a participação do Banco Mundial na Cúpula, que incorporou vários organismos internacionais em seus debates.

Correa acusou Cox de ter negado de forma injustificada um empréstimo ao seu país em 2005, quando ele era ministro da Economia. O Banco Mundial praticou “chantagem” contra o Equador, e enquanto instrumento do neoliberalismo não deveria participar deste fórum, afirmou o mandatário. O anfitrião do encontro, o presidente paraguaio, Fernando Lugo, tentou, sem sucesso, reter seu colega, argumentando que a Cúpula Ibero-Americana é “ampla e aberta”, bem como uma oportunidade para ouvir posições divergentes de forma crítica.

Correa também protestou contra Angel Gurría, secretário-geral da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que recomendou aos países emergentes “não cederem ao protecionismo” nem à “lassitude fiscal”. A OCDE “dita cátedra”, mas ouve pouco os latino-americanos. Além disso, seus países-membros foram os primeiros a recorrer ao protecionismo, acusou Correa. Tampouco Luis Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, escapou das críticas, acusado de neoliberal pelo presidente equatoriano.

“Se queremos desenvolvimento é preciso superar o neocolonialismo e o eurocentrismo”, afirmou Correa, em um discurso no qual defendeu a substituição do “Estado burguês por um popular” que respeite a diversidade. Equador e Bolívia aprovaram na década passada Constituições nas quais se definem como Estados Plurinacionais.

O tema central da cúpula gerou intervenções que coincidiram quanto à necessidade de mudanças, mas com evidentes diferenças no caminho a seguir. Os Estados latino-americanos, construídos para contemplar “apenas 30% da população”, enfrentam o desafio da “inclusão social”, de atender toda a sociedade e chegar a todos os lugares para “formalizar economias informais ou ilegais”, disse Ollanta Humala, que assumiu a presidência do Peru em 28 de julho.

Por sua vez, o conservador presidente do Chile, Sebastián Piñera, preferiu destacar o papel das tecnologias de informação e comunicação na modernização e transparência do Estado, e destacar a “identidade eletrônica” que implanta em seu país. “Compatibilizar liberdade, igualdade e eficácia, o que o socialismo real não conseguiu, é o desafio da reengenharia do Estado”, afirmou. A decisão da Secretaria-Geral Ibero-Americana (SGIB), manifestada por Enrique Iglesias, de “ir à rua” e dialogar com a opinião pública, levou à realização de vários eventos paralelos.

O Encontro Empresarial destacou a preocupação de se contrapor à avalanche de importações da China, que ameaçam a indústria e o emprego na América Latina. Integrar mercados e cadeias produtivas foi uma das alternativas apoiadas neste encontro. A infraestrutura deficiente, apenas melhor do que a da África quando são feitas comparações entre regiões, exige elevar os investimentos a US$ 250 bilhões anuais, destacaram empresários.

Representantes de governos locais, parlamentares, educadores, religiosos e líderes sociais participaram de outros fóruns às vésperas da Cúpula. O chanceler do Haiti, Laurent Lamothe, pediu a incorporação de seu país ao sistema ibero-americano, apesar de sua língua nacional ser o francês, em uma enfraquecida Cúpula pela falta de inúmeros mandatários.

As ausências mais destacadas foram as das presidentas do Brasil, Dilma Rousseff, e da Argentina, Cristina Fernández, e do presidente do Uruguai, José Mujica, tendo em conta que junto com o Paraguai formam o Mercosul. A XXII Cúpula Ibero-Americana acontecerá no próximo ano na cidade espanhola de Cádiz, e a seguinte será no Panamá. Envolverde/IPS