Arquivo

Estados Unidos aderem à onda de transparência em indústrias extrativistas

Mineradores artesanais trabalham nas minas aluviais de diamantes perto de Koidu, no leste de Serra Leoa. Os chamados “diamantes de sangue” ajudaram a financiar guerras civis nesse país e na Libéria. Foto: Tommy Trenchard/IPS
Mineradores artesanais trabalham nas minas aluviais de diamantes perto de Koidu, no leste de Serra Leoa. Os chamados “diamantes de sangue” ajudaram a financiar guerras civis nesse país e na Libéria. Foto: Tommy Trenchard/IPS

Washington, Estados Unidos, 27/3/2014 – Em um consenso incomum, o governo, o setor privado e a sociedade civil dos Estados Unidos comemoram a adesão inicial deste país a uma importante iniciativa mundial pela transparência e responsabilidade das indústrias extrativistas. A Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativistas (Eiti) aceitou, na semana passada, o pedido dos Estados Unidos para se integrar ao grupo como “país candidato”. Desse modo, os Estados Unidos se converteram no primeiro membro do Grupo dos Oito (G-8) países mais poderosos a se integrar formalmente à Eiti.

A iniciativa agora está formada por 26 Estados que aderem plenamente aos seus padrões, enquanto outros 18 possuem status de candidatos. A Eiti, que há uma década tem sua sede em Oslo, promove uma série de padrões mundiais para os setores petroleiro, gasífero e minerador que buscam reduzir a corrupção e promover a boa governança. Seus proponentes afirmam que a participação de Washington deixa em destaque uma tendência mundial cada vez mais firme para a transparência, particularmente nas indústrias extrativistas.

Isso é apenas outra parte da tendência à transparência, um reconhecimento de que essa informação é importante não só para os investidores, mas também para os países onde opera a indústria e para as comunidades que compartilham seu ambiente com minas e perfurações”, destacou Paul Bugala, que integra o painel que redigiu a candidatura dos Estados Unidos à Eiti e analista da Calvert Investments, uma firma socialmente responsável.

Chegou ao fim a época em que era fácil ter acesso aos recursos. Agora os operadores têm que entrar mais na terra e correm mais riscos. Se os investidores não têm informação sobre os pagamentos que são realizados no projeto, se está andando às cegas”, explicou Bugala à IPS. A Eiti oferece voz igual a delegados de governos, da indústria e da sociedade civil, e a candidatura dos Estados Unidos foi impulsionada e aprovada por uma ampla representação de cada um desses setores.

A indústria do petróleo e do gás trabalha com organizações da sociedade civil e governos há uma década por meio da Eiti, para promover a transparência de pagamentos em vários países”, afirmou, na semana passada, a uma revista de comércio, Stephen Comstock, do American Petroleum Institute (API), um grupo de pressão industrial. “A expansão desse esforço para os Estados Unidos dará aos cidadãos do país uma nova perspectiva sobre os significativos ganhos e o impacto econômico da exploração e da produção”, destacou.

Basicamente, os padrões da Eiti estabelecem que governos e empresas devem informar periodicamente as participações e os ganhos derivados da extração de recursos naturais. A ideia é que esses informes paralelos permitam uma fácil compreensão do dinheiro que se pode estar devendo às comunidades locais, e onde pode ter origem qualquer discrepância.

Em sua solicitação, os Estados Unidos propõem ir além e incluir também fontes renováveis de energia e minerais adicionais. Em 2013, Washington arrecadou US$ 14 bilhões de empresas envolvidas na extração de recursos naturais, a segunda maior fonte de renda do país. Contudo, os críticos afirmam que os mecanismos de responsabilidade interna são muito obscuros.

O tipo de informação que está disponível para o público é acumulativa, rastreável apenas por ano, Estado e algumas matérias-primas”, explicou à IPS Mia Steinle, coordenadora da sociedade civil da Eiti para os Estados Unidos e pesquisadora no Project on Government Oversight (Pogo), uma organização de vigilância.

As comunidades carboníferas, por exemplo, não podem saber se efetivamente estão recebendo o dinheiro que o governo federal deve pagar. Mas se a comunidade tiver informação em nível de projeto quando uma indústria quer trabalhar com ela, seus membros podem tomar uma decisão considerando se o projeto anterior valeu a pena ou não”, acrescentou Steinle.

Empoderar o público com esses dados é, naturalmente, de particular importância nos países em desenvolvimento, onde os contratos extrativistas costumam ser assinados entre empresas poderosas e governos que muitas vezes ignoram os interesses locais. A Eiti poderia se ver fortalecida com legislações ainda pendentes de aprovação nos Estados Unidos e na União Europeia. Diante da pressão do bloco europeu, a britânica Tullow Oil se converteu, no dia 24, na primeira perfuradora a apresentar relatórios de pagamentos em nível de projeto em cada país onde opera.

A decisão da Tullow mostra que as empresas petroleiras mundiais podem revelar esse tipo de informação com um baixo custo e sem medo de danos competitivos”, opinou Ian Gary, gerente de políticas na filial norte-americana da organização Oxfam. Isso demonstra que “algumas empresas petroleiras e mineradoras decidem seguir, em lugar de combater, a tendência mundial para a transparência”, acrescentou.

Enquanto a UE avança para a implantação no próximo ano de sua Diretriz de Responsabilidade, um conjunto de requisitos de transparência, uma regulamentação semelhante nos Estados Unidos continua parada em meio a litígios legais. A iniciativa de transparência norte-americana, conhecida com Seção 1504, se converteu em lei em 2010, mas desde então sua implantação está atrasada por pressão da indústria.

No ano passado, uma disposição baseada na Seção 1504 exigiu que sejam revelados todos os pagamentos feitos a governos estrangeiros por empresas extrativistas registradas nos Estados Unidos, mas foi revogada nos tribunais. Agora os ativistas esperam que a candidatura dos Estados Unidos à Eiti estimule o principal regulador, a Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio (SEC), em seu trabalho de voltar a redigir a regulamentação.

O novo padrão da Eiti exige que a empresa e o projeto informem plenamente ao público. Isto é o que a SEC propôs em sua regulamentação de 2012”, detalhou à IPS Jana Morgan, coordenadora da organização Publish What You Pay USA (publique o que paga). Chama a atenção que a Seção 1504 foi impugnada nos tribunais pelo American Petroleum Institute, grupo que ajudou a redigir a postulação dos Estados Unidos à Eiti.

Steinle pontuou que os debates da Eiti entre representantes da sociedade civil, da indústria e do governo foram surpreendentemente positivos. “É muito útil e poderoso para esses três setores estarem frente a frente nesse tipo de discussão. Derrubamos muitas muralhas, simplesmente juntando pessoas que normalmente nunca falariam entre si”, afirmou. “Enquanto outros países se comprometem com a Eiti ou com iniciativas semelhantes, é muito importante que agora os Estados Unidos estejam seguindo esses bons exemplos internacionais. É de se esperar que isso ajude a criar um exemplo para aqueles países que ainda não estão a bordo”, acrescentou.

Agora os Estados Unidos terão três anos para fazer com que seus relatórios se alinhem ao padrão da Eiti. Funcionários norte-americanos dizem que pretendem apresentar seu primeiro informe em 2015. Envolverde/IPS