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Estados Unidos modificam sua política externa de ajuda alimentar

Crowley Logistics em Miami, na Flórida, é uma das três instalações de envio e logística que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) tem neste país. Em caso de necessidade de ajuda humanitária de emergência, pode enviar provisões ao Aeroporto Internacional de Miami no prazo de duas horas. Foto: USDA Photo por Lance Cheung
Crowley Logistics em Miami, na Flórida, é uma das três instalações de envio e logística que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) tem neste país. Em caso de necessidade de ajuda humanitária de emergência, pode enviar provisões ao Aeroporto Internacional de Miami no prazo de duas horas. Foto: USDA Photo por Lance Cheung

 

Washington, Estados Unidos, 3/2/2014 – Os Estados Unidos estão prestes a reformar seu sistema de prestação de assistência humanitária no exterior, em vigor há meio século e que seus críticos consideram obsoleto, ineficiente e até prejudicial para as economias dos países em desenvolvimento.

Especialistas em desenvolvimento e encarregados de entregar a ajuda lutam há anos por uma reforma, mas alertam que tais mudanças, aprovadas pela Câmara de Representantes no dia 29 de janeiro e que serão confirmadas de forma definitiva nos próximos dias, são modestas. De todo modo, muitos elogiam as reformas como um primeiro passo importante após o debate público sem precedentes do último ano.

“Este acordo demonstra que há fogo real por trás da cortina de fumaça sobre este assunto. Vimos muita gente falar, mas agora vemos uma verdadeira vontade de avançar”, disse à IPS Eric Muñoz, assessor de políticas da Oxfam América. “Estamos muito contentes com o projeto de lei, embora reconhecendo que ainda resta muito por ser feito. No momento sabemos que essas mudanças ajudarão para que mais ajuda chegue às pessoas em crise e que passam fome, sem que custem um centavo a mais para os contribuintes”, acrescentou.

As mudanças são o resultado de um acordo quinquenal de financiamento, conhecido como o projeto de lei agrícola, que cobre quase todos os aspectos da agricultura dos Estados Unidos, bem com a ajuda alimentar, tanto nacional como internacional. Washington continua sendo o maior fornecedor mundial de ajuda alimentar, respondendo por quase metade da distribuição em situações de emergência e de longo prazo em todo o planeta.

Apesar disso, ao contrário da maioria dos demais grandes doadores, os Estados Unidos exigem há décadas que uma parte substancial da ajuda seja produzida em seu território e enviada ao estrangeiro principalmente em navios com bandeira norte-americana. Estes requisitos conhecidos como “monetização” são lucrativos para agricultores e transportadores norte-americanos, e converteram estes setores em poderosos inimigos de qualquer mudança no sistema.

Muitos países doadores adotam sistemas de assistência alimentar em grande parte dependente da compra de produtos perto das zonas afetadas pela crise. Isto permite maximizar o dinheiro empregado na ajuda e ter mais impacto nas pessoas, pois oferece uma ferramenta para fortalecer as economias locais em circunstâncias difíceis.

Um estudo sem precedentes do Escritório de Responsabilidade do Governo, órgão de controle oficial, considera que “a ineficácia do processo de monetização reduziu em US$ 219 milhões os fundos disponíveis do governo norte-americano para projetos de desenvolvimento em um período de três anos”. É o que afirmavam há anos as pessoas encarregadas de entregar a ajuda.

“Sabemos por nossa própria experiência em países como Níger, Haiti e Quirguistão que a contratação local e regional da assistência alimentar não só economiza dinheiro dos contribuintes como também proporciona alimentos para os que necessitam desesperadamente, semanas e até meses antes, caso saíssem dos Estados Unidos”, afirmou Andrea Koppel, vice-presidente de relações internacionais da organização humanitária Mercy Corps.

“O projeto de lei agrícola aumenta drasticamente os mecanismos governamentais flexíveis para entregar ajuda alimentar às pessoas em alguns dos países mais frágeis do mundo”, acrescentou Koppel. Nos últimos cinco anos, os Estados Unidos colocaram em prática um programa-piloto para estudar a eficácia da redução de suas práticas de monetização. O novo projeto de lei fará com que o programa seja permanente o que, por sua vez, aumentará seu orçamento para cerca de US$ 80 milhões ao ano, que serão usados para contratação local e regional dos alimentos.

Essa reforma ajudará a Usaid, principal órgão oficial de ajuda externa, a prestar assistência alimentar a cerca de mais 1,8 milhão de pessoas, sem nenhum dinheiro adicional. A nova lei também proporcionará US$ 350 milhões para programas de longo prazo nas áreas afetadas pela insegurança alimentar crônica. Em combinação com a mudança na prioridade da monetização, poderia ser uma reforma importante, ao habilitar mais dinheiro vivo para planos de desenvolvimento.

“A Câmara de Representantes está dando grandes passos para reformar nosso antiquado programa de ajuda alimentar, para garantir que não só estejamos ajudando as comunidades de todo o mundo em suas necessidades alimentares imediatas mas também apoiando os produtores locais para que possam se alimentar por si mesmos nos próximos anos”, disse Ruth Messinger, presidente da American Jewish World Service, organização de luta contra a pobreza.

Embora a ineficácia da ajuda alimentar dos Estados Unidos seja conhecida há anos, só recentemente foi possível superar a resistência política à mudança. O governo de George W. Bush (2001-2009) sugeriu reduzir a monetização em 25% em 2008, mas a ideia não prosperou no Congresso. No orçamento apresentado em 2013 o presidente Barack Obama propôs uma reforma radical que reduziria a monetização em 45%.

Também teria derivado a supervisão da ajuda alimentar de Washington de um comitê legislativo centrado na agricultura para um de ajuda externa, o que geraria mudanças implícitas nas prioridades. Embora a lei de destinação orçamentária aprovada em dezembro não tenha adotado as propostas de Obama, incluiu US$ 35 milhões adicionais para que a Usaid tenha maior flexibilidade para lidar com a monetização ou aumentar sua capacidade de resposta às crises alimentares. Muitos viram nessa medida um importante indício de que o Congresso está disposto a continuar discutindo mais mudanças.

O congressista Eliot Engel, do governante Partido Democrata, apoia as mudanças graduais incluídas na nova proposta. “Estou animado pelas modestas reformas incluídas nesse acordo sobre os programas internacionais de ajuda alimentar”, afirmou na semana passada. “Este é um importante ponto de partida para proporcionar à Usaid a flexibilidade e os recursos adicionais para combater com maior eficácia a insegurança alimentar em todo o mundo”, acrescentou.

Está previsto que o Senado vote a lei agrícola esta semana, e que, em seguida, Obama a promulgue. Os ativistas dizem que agora concentrarão sua atenção nas reformas que poderiam ser obtidas fora do processo de lei agrícola quinquenal. Darão especial atenção ao orçamento do presidente para 2015, previsto para a primavera boreal. “Não podemos esperar cinco anos para ter novamente esta conversão”, disse Muñoz. “Vamos continuar impulsionando a mudança. Há um claro sinal de que esta conversão sobre a reforma está progredindo, mas temos que garantir que o avanço seja sustentado e que melhore”, acrescentou. Envolverde/IPS