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Gambianas reclamam seu lugar na política

Isatou Touray, diretora-executiva do Comitê de Gâmbia sobre Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde das Mulheres e das Crianças, que lançou esta semana uma campanha por maior participação das gambianas na política. Foto: Saikou Jammeh/IPS
Isatou Touray, diretora-executiva do Comitê de Gâmbia sobre Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde das Mulheres e das Crianças, que lançou esta semana uma campanha por maior participação das gambianas na política. Foto: Saikou Jammeh/IPS

 

Banjul, Gâmbia, 1/4/2014 – Já começou a contagem regressiva para as eleições gerais de Gâmbia em 2016, e com ela uma vigorosa iniciativa para garantir uma justa representação feminina em todo o espectro político. O não governamental Comitê de Gâmbia sobre Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde das Mulheres e das Crianças (Gamcotrap) lançou, na semana passada, uma campanha por reformas que garantam uma efetiva participação das gambianas em todos os postos de liderança.

“O que estamos dizendo é que queremos ir buscar nossa água e bebê-la com os homens do mesmo poço”, disse à IPS a diretora-executiva do Gamcotrap, Isatou Touray. A organização recebeu apoio do National Endowment for Democracy, grupo norte-americano sem fins lucrativos que promove a liberdade no mundo.

“O que estamos fazendo nada tem a ver com política partidária”, explicou Touray. “Não se trata de tirar poder dos homens. É sobre desenvolvimento e políticas de gênero. Quando falamos de política de gênero estamos falando de mulheres de diferentes partidos políticos que se reúnem para discutir seus temas e promovê-los sob uma mesma bandeira”, acrescentou.

Os resultados preliminares de um censo realizado no ano passado neste pequeno país da África ocidental indicam que as mulheres são mais de 51% dos quase 1,8 milhão de habitantes. Além disso, até 2011 eram 58% dos habilitados a votar. Porém, sua fortaleza numérica não se reflete em postos no governo ou de liderança em nível nacional ou local.

A notória exceção é Isatou Njie Saidy, que ocupa a vice-presidência desde 1997. “Dos 53 membros da Assembleia Nacional (legislativo), só temos quatro mulheres eleitas e uma suplente designada. Isso representa 9%”, disse à IPS a ativista política e de gênero Amie Sillah. “Além disso, dos 1.873 chefes de aldeias, apenas cinco são mulheres. Não há nenhuma governadora nem chefe de distrito”, lamentou.

As estruturas partidárias, no melhor dos casos, relegam as mulheres à perpétua suplência dos homens. Em sua maioria, elas só ocupam postos de liderança nos setores femininos de seus partidos e investem seu tempo em campanhas destinadas a reunir votos e doações para seus colegas homens.

“Ainda que a mulher seja designada presidente de um comitê partidário, cumpre-se o provérbio: ‘Eles te nomeiam cabeça, mas tiram sua língua’, porque a mulher não pode falar. Os homens só dão um poder nominal. Em resumo, você faz campanha pelo que eles querem”, explicou Sillah. A Constituição garante às mulheres o direito de participar da política e proíbe toda discriminação de gênero.

Nos últimos quatro anos foram aprovadas pelo menos três leis importantes sobre questões de gênero: A Lei de Mulheres, de 2010, a Lei Contra a Violência Doméstica e a Lei contra Crimes Sexuais, ambas de 2013. Mas as gambianas continuam sendo marginalizadas politicamente. Ativistas explicaram que a elite política masculina dominante suavizou o texto dessas leis. “A maioria dos temas (importantes para as mulheres) não se converteram em leis. E se o fazem, são eliminadas cláusulas essenciais”, afirmou Touray.

“Tiraram todas as coisas boas, todas as disposições cruciais da Lei de Mulheres referentes ao casamento, à herança. Além disso, se negaram a aprovar a provisão sobre mutilação genital feminina. Retiraram isso e se trata de direitos de saúde reprodutiva das mulheres”, afirmou Sillah. Esta ativista propôs adotar políticas de ação afirmativa, como um sistema de cotas para a Assembleia Nacional que garanta 30% das cadeiras para as mulheres. “É hora de as mulheres estarem onde são feitas as leis”, afirmou.

Haddy Nyang-Jagne é uma das quatro gambianas que integram a Assembleia Nacional. Esta legisladora, da governante Aliança para a Reorientação Patriótica e a Reconstrução (APRC), acredita que o governo faz muito para promover a participação feminina na política. Além disso, ressaltou que as principais barreiras que as mulheres enfrentam para ter acesso a postos de poder são basicamente culturais.

“O governo criou um ambiente favorável e sensível às mulheres, mas elas têm medo porque as pessoas falam mal delas”, afirmou Nyang-Jagne, que está em seu segundo mandato. “São barreiras religiosas e culturais. Algumas pessoas dirão que nossa religião, o Islã, não aceita que as mulheres tomem parte na vida política, mas sabemos que essa afirmação é infundada”, acrescentou.

Entretanto, mulheres da oposição afirmam que o espaço democrático em Gâmbia se tornou notoriamente reduzido, e que as detenções de críticos do governo são a norma. Mariama B. Secka, secretário-geral da ala feminina do opositor Partido Democrático Unido, explicou que é difícil enfrentar o governo neste país.

Gâmbia tem um partido dominante desde 1996, quando o líder do exército e agora presidente, Yahya Jammeh, formou a APRC, depois de ter dado um golpe de Estado em 1994. “Fui convidada a um fórum da Federação de Mulheres. Quando me apresentei como integrante de um partido da oposição, fui vaiada e assediada. Não é nada fácil. Precisamos de igualdade de condições”, destacou à IPS.

E quem tem a capacidade de mudar isso é o majoritário eleitorado feminino. “Notamos que nem mesmo as mulheres com mais instrução votam. É que querem permanecer em suas zonas de conforto. Enquanto as mulheres educadas não forem às ruas, não poderemos conseguir o que queremos”, afirmou Touray.

Porém, ela se mostra otimista, e não descarta que se apresente uma candidata para a eleição presidencial de 2016. “Claro, por que não? É possível”, afirmou. “A política é para todos. As mulheres estão dizendo que temos o direito de estar ali, e queremos postos eletivos em lugar de designações”, enfatizou. Envolverde/IPS