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Guerra contra as drogas continua perdendo batalhas

Menos de 8% dos consumidores de drogas em todo o mundo têm acesso a planos de seringas limpas. Foto: Fahimn Siddiqi/IPS
Menos de 8% dos consumidores de drogas em todo o mundo têm acesso a planos de seringas limpas. Foto: Fahimn Siddiqi/IPS

 

Nações Unidas, 2/3/2015 – Enquanto cresce o coro de vozes a favor da despenalização das drogas, um novo estudo conclui que o consumo mundial de drogas ilícitas não teve uma queda significativa desde que a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou três convenções importantes na matéria, sendo que a primeira delas entrou em vigor há mais de 50 anos.

“As drogas ilícitas agora são mais puras, mais baratas e mais consumidas do que nunca”, diz o informe Baixas de Guerra: Como a Guerra Contra as Drogas Prejudica os Mais Pobres do Planeta, divulgado no dia 26 de fevereiro, pela organização britânica Health Poverty Action.

O estudo também inclui uma pesquisa de opinião, segundo a qual mais de 80% dos britânicos acreditam que a guerra contra as drogas não pode ser ganha, e que mais da metade está a favor da legalização ou despenalização de ao menos algumas drogas ilícitas.

Entre os tratados internacionais vigentes contra o narcotráfico se encontra a Convenção Única de 1961 sobre Entorpecentes, o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, e a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988.

Mas, nas últimas décadas, vários países despenalizaram algumas drogas, de forma total ou parcial, ou aprovaram leis permissivas sobre as mesmas, incluído o uso medicinal da maconha. Entre esses países o documento cita Belize, Chile, Colômbia, Espanha, Holanda, Jamaica, México, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai, além do território de Porto Rico e alguns Estados dos Estados Unidos.

Segundo o informe, os governos de México, Colômbia e Guatemala pretendem que haja um debate aberto, baseado nas evidências, sobre a reforma da política de drogas da ONU. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Onusida (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids) não só compartilham este ponto de vista com defendem a despenalização do consumo de drogas”, acrescenta o documento.

“O problema é que a ONU faz muito das coisas ruins e não faz o suficiente das corretas”, respondeu Catherine Martin, da Health Poverty Action, quando a IPS lhe perguntou se o fórum mundial fazia o suficiente para combater as drogas. Calcula-se que a cada ano sejam gastos US$ 100 bilhões em todo o mundo para aplicar as leis contra as drogas, impulsionadas pelas convenções da ONU, ressaltou.

“Porém, esse enfoque não reduziu o consumo de drogas nem conseguiu controlar o narcotráfico. Por outro lado, as drogas mantêm os cartéis rentáveis e poderosos, alimentam a corrupção, fomentam os conflitos violentos e a violação dos direitos humanos, e castigam de maneira desproporcional os pequenos produtores e os consumidores”, disse Martin.

O documento afirma que as organizações britânicas que promovem o desenvolvimento mantêm silêncio sobre esse assunto, ao contrário de suas contrapartes do Sul em desenvolvimento, que pedem reformas a respeito junto com o magnata Richard Branson, do Grupo Virgin, ex-presidentes, economistas ganhadores do prêmio Nobel e o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

A Health Poverty Action exorta o setor de desenvolvimento britânico a exigir medidas em favor dos pobres, na medida em que os países se preparam para a sessão especial sobre drogas que a Assembleia Geral da ONU realizará no ano que vem.

Segundo o informe, muitos pequenos agricultores do Sul em desenvolvimento cultivam e vendem drogas porque é sua única fonte de renda. As políticas punitivas penalizam os agricultores que não têm acesso à terra, recursos e infraestrutura suficientes que necessitariam para poderem viver de outros cultivos, afirma a organização britânica.

Os cultivos alternativos ou os programas de desenvolvimento não costumam prosperar porque respondem a preocupações em matéria de segurança e ignoram as necessidades das comunidades pobres, afirma o documento. A militarização da guerra contra as drogas foi usada para justificar o assassinato, a prisão em massa e violações sistemáticas dos direitos humanos, assegura a Health Poverty Action.

O informe diz que a penalização não diminuiu o consumo, mas propaga enfermidades, dissuade as pessoas de buscar tratamento médico e conduz a políticas que excluem milhões de pessoas do alívio da dor. Menos de 8% dos consumidores de drogas participam de algum programa de seringas limpas ou da terapia de substituição de opiáceos, e menos de 4% das pessoas que vivem com o vírus HIV têm acesso ao tratamento.

Na África ocidental, as pessoas com câncer ou aids sofrem uma grave restrição no acesso aos medicamentos para aliviar a dor, com o possível e temido desvio para os mercados ilícitos, segundo o estudo. Metade da população mundial com câncer e 90% dos pacientes de aids vivem em países de renda baixa e média, mas estes só consomem 6% da morfina utilizada para controlar a dor.

A Health Poverty Action ressalta que a guerra contra as drogas penaliza os pobres, dos quais as mulheres são as mais afetadas, mediante o encarceramento desproporcional e a perda de meios de subsistência. A erradicação dos cultivos de drogas destrói o ambiente e obriga os produtores a irem para a clandestinidade, frequentemente em zonas de ecossistemas frágeis, acrescenta a organização.

A ONU deve se dedicar a promover políticas favoráveis aos pobres, baseadas na evidência, que tratem as drogas ilícitas como um problema de saúde e não como um assunto de segurança, recomendou Martin. Essas políticas devem proteger os direitos humanos e acabar com o dano que as políticas atuais causam aos pobres e marginalizados, afirmou.

“A reforma da política de drogas deve apoiar e financiar as medidas de redução de danos e garantir o acesso aos medicamentos essenciais para os cinco bilhões de pessoas em todo o mundo que vivem em países onde leis muito rígidas limitam o acesso a medicamentos para a dor”, ressaltou Martin. Envolverde/IPS