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Homossexuais indianos diante de uma nova batalha

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Kolkata, Índia, 19/12/2013 – Os direitos humanos deram um passo atrás na Índia, com a decisão da Suprema Corte de ratificar que a homossexualidade é um crime, ao revogar sentença de um tribunal inferior que despenalizava as relações entre pessoas do mesmo sexo, afirmam ativistas em todo o país.

O Alto Tribunal de Nova Délhi suspendeu em 2009 a aplicação do Artigo 377 do Código Penal, que pune com prisão gays e lésbicas e que entrou em vigor em 1860, sob o mandato colonial britânico, quando imperavam os valores vitorianos. A lei do século 19 condena a homossexualidade por considerar que com ela se incorre em “atos antinaturais”.

A sentença do Alto Tribunal acolheu a petição apresentada em 2001 pela Fundação Naz, uma organização não governamental de Nova Délhi, que alegou a inconstitucionalidade do Artigo, com a alegação de que penaliza os atos homossexuais inclusive entre dois adultos que os praticam com mútuo consentimento.

Líderes religiosos conservadores hindus, muçulmanos e cristãos recorreram da decisão do Alto Tribunal de Nova Délhi perante a Suprema Corte, que no dia 11 anulou o veredito que deixava sem efeito o castigo de até dez anos de prisão para os homossexuais. A Suprema Corte argumentou que a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) no país “é minúscula”.

O novelista Vikram Seth, autor de A Suitabel Boy (Um rapaz adequado) e abertamente homossexual, disse em entrevista ao canal de notícias NDTV: “Ontem eu não era um criminoso, mas hoje sou”. Seth qualificou de “barbárie” a sentença do máximo tribunal do país.

Muitos especialistas e ativistas na Índia acreditam que a restituição da vigência do Artigo 377 é um passo para voltar a criminalizar a comunidade LGBT e constitui uma violação dos direitos humanos. “Mostra uma mentalidade medieval”, disse Indira Jaising, procuradora-geral associada, para quem a Índia perdeu uma oportunidade de corrigir um erro de séculos.

O inesperado veredito inicialmente surpreendeu os ativistas, mas, vários dias depois, parecem refeitos e se preparando para uma nova batalha. Tripti Chandon, do Coletivo de Advogados de Nova Délhi, disse à IPS que há uma “leve chance” de reverter a sentença, mediante uma petição de revisão. “Faremos isso”, assegurou Chandon, que representou a Fundação Naz no processo para descriminalizar a homossexualidade.

Habitualmente, são os mesmos juízes que reexaminam uma petição. Mas neste caso, um dos magistrados que deram a sentença este mês, se aposentou no dia do pronunciamento.

O crime de “ato antinatural” também pode afetar os heterossexuais, porque inclui o sexo oral. Chandon citou o caso do professor S. Ramchandra Siras, da Universidade Muçulmana de Aligarh, perto de Nova Délhi, que foi filmado por intrusos com uma câmera oculta quando estava com seu companheiro. A Universidade o suspendeu com base na “evidência” de sua “baixeza” moral.

“Então, agora aprovamos os voyeurs no domínio privado?”, questionou Chandon. “Felizmente, isso foi em 2010, quando vigorava o veredito do Alto Tribunal de Nova Délhi, e os advogados defenderam o caso com êxito no Alto Tribunal de Allahabad sob a premissa de que seu cliente não podia ser punido”, recordou.

“A universidade restituiu seu cargo. O castigo deveria ter sido para os que se intrometeram em uma casa particular para filmar ilegalmente”, queixou-se Chandon. O professor, que havia expressado o seu desejo de trabalhar para a comunidade gay, morreu pouco depois em circunstâncias “misteriosas”.

Malobika, integrante fundadora da Sappho for Equality, uma organização para o empodramento das lésbicas na cidade de Kolkata, disse à IPS que “o veredito da Suprema Corte é um retrocesso não só para o movimento LGBT, mas também para a democracia”. Acrescentou que “nos últimos quatro anos aumentamos lentamente a confiança na inclusão, e as pessoas mostraram com mais coragem sua sexualidade em nossa sociedade. Mas, agora passarão à clandestinidade por medo do assédio”.

Segundo Malobika, sem apoio legal, o assédio policial e a pressão social aumentarão. Os que se manifestarem abertamente como gays terão dificuldade para encontrar emprego, afirmou. Para as lésbicas a situação também será mais complicada, pela mentalidade conservadora da sociedade, acrescentou, ressaltando que “basicamente, pelo Artigo 377 somos criminosos”.

Pawan Dhall, membro fundador da Varta, uma organização de voluntários sobre educação sexual e de gênero em Kolkata, disse à IPS que “o veredito terá longo alcance e um impacto adverso sobre a saúde pública”. Atualmente, a ênfase do programa sobre HIV/aids em todo o mundo se faz na comunidade de homens que têm sexo com homens, junto com os trabalhadores sexuais”.

O medo é que os homens que fazem sexo com outros homens “possam preferir se tornar invisíveis” na hora de buscar tratamento médico. Dilip Mathai, vice-presidente da Sociedade da Aids na Índia, disse em uma entrevista ao The Times of India que “o ato homossexual não desaparecerá, mas a comunidade que busca ajuda diminuirá drasticamente”.

A sentença da Suprema Corte citou dados de 2006 fornecidos pelo Ministério da Saúde e do Bem-Estar Familiar, segundo os quais dos 2,5 milhões de homens que têm sexo com homens no país, 10% correm risco de se infectarem com o HIV. A Suprem Corte determinou que mudar o Código cabe ao parlamento e não aos tribunais.

Os ativistas não têm muitas esperanças de que o Poder Legislativo assuma a questão antes das eleições gerais de maio do ano que vem. Acreditam que o medo de uma ofensiva conservadora durante a campanha seja obstáculo para qualquer ação positiva. Porém, vários representantes do governante Partido do Congresso disseram que se deveria entrar com uma petição de revisão com um número ampliado de magistrados. Os representantes de outros partidos políticos também se mostraram indignados diante da sentença.

Por outro lado, os ativistas dizem que continuarão a luta pelo reconhecimento. “A Suprema Corte revogou um veredito, não um movimento. Superaremos o obstáculo em uma ou outra oportunidade”, afirmou Malobika. Envolverde/IPS