Pesquisadores brasileiros descobriram que o hormônio denominado ouabaína ativa substâncias que apresentam um efeito neuroprotetor no sistema nervoso central (SNC). A descoberta poderá levar a produção de fármacos para tratamento de doenças neurodegenerativas, como mal de Parkinson e Alzheimer. A ouabaína é uma substância extraída da planta Strophantus gratus e também encontrada no organismo humano.
“Nosso grupo é pioneiro em mostrar a ação da ouabaína em atividades protetoras dos neurônios cerebrais”, explica o professor Cristoforo Scavone, que orientou o estudo desenvolvido pela pesquisadora Elisa Mitiko Kawamoto no Laboratório de Neurofarmacologia Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
Além de Scavone, o trabalho recebeu colaboração dos pesquisadores do ICB, Luiz G. de Britto, Luciana Venturini, Carolina Munhoz, José Cipolla Neto e Rui Curi; além da professora Maria Christina Avellar, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do professor Luis Eduardo Quintas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A ouabaína é uma substância extraída da planta Strophantus gratus e seu congênere, digoxina, atualmente é utilizada para tratar a insuficiência e a arritmia cardíaca, pois promove aumento da força de contração cardíaca e normalização do ritmo. “Cientistas dos Estados Unidos e do Japão constataram que a ouabaína também é produzida no organismo humano, em pequena quantidade, e encontraram vestígios do hormônio no sistema nervoso central. Posteriormente, constatou-se que o hormônio também é produzido nas glândulas suprarrenais”, conta Scavone.
Os pesquisadores desenvolveram dois estudos que mostram a atividade protetora da ouabaína. Em um deles, realizado em ratos, os cientistas injetaram o hormônio na região do hipocampo do cérebro (região ligada à perda da memória) e perceberam que havia um aumento de uma proteína que tem capacidade de modelar a expressão de genes importantes para a proteção dos neurônios.
Neste estudo, as concentrações da ouabaína usadas foram baixas, dentro do nível fisiológico, ao contrário das utilizadas para a produção de fármacos cardiotônicos, que são mais altas. Essa baixa concentração do hormônio foi capaz de modular a ação dos receptores de glutamato, um aminoácido excitatório presente no organismo e fundamental para a atividade do sistema nervoso central.
Glutamato em excesso
Mas o glutamato acaba provocando a morte de neurônios quando encontrado em quantidade excessiva no organismo. Por isso, o excesso do aminoácido está associado a doenças neurodegenerativas como o mal de Parkinson e o Alzheimer.
No Parkinson, ocorrem problemas com os neurônios ligados a produção de dopamina, afetando a parte motora. No Alzheimer, a morte e degeneração dos neurônios causa danos ao sistema límbico (área do cérebro responsável pelas emoções) ou motor. A pesquisa mostrou que a ouabaína modula ação dos receptores de glutamato, levando a produção de genes importantes para a sinalização protetora, que atuariam evitando a morte desses neurônios.
Um outro trabalho foi realizado pela pesquisadora Larissa de Sá Lima, mestre em Farmacologia e técnica de nível superior da USP do mesmo laboratório, em cultura de células primárias mista de neurônio e glia de ratos. A glia é um conjunto de células que envolvem os neurônios. Os resultados obtidos foram semelhantes, indicando que a ouabaína modula genes ligados a resposta inflamatório e dos fatores neurotróficos (proteínas que favorecem a sobrevivência dos neurônios).
Tratamentos inovadores
Segundo o professor, o tratamento clássico das doenças neurodegenerativas é baseado em fármacos que atuam apenas como paliativos. Com a descoberta do grupo de pesquisadores liderados por Scavone surge uma nova possibilidade de desenvolver fármacos que bloqueiam os processos ligados à morte neuronal, o que poderá impedir a progressão dessas doenças. “Os tratamentos convencionais apresentam bons resultados em alguns pacientes. Já outros não respondem bem ao tratamento. Sabemos que as doenças neurodegenerativas são multifatoriais”, comenta Scavone, sinalizando aí a possibilidade de surgimento de um modo inovador para tratamento de doenças neurodegenerativas.
A ouabaína é um esteróide cardiotônico (ECTs) endógeno. O professor Luiz Quintas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estuda o efeito de outros ECTs: as bufadienolidos (como a marinobufagina e a telocinobufagina) em processos oncogênicos. Segundo ele, “Um dado interessante sobre os ECTs é que eles geralmente apresentam efeitos diferentes em células normais quando comparados a células tumorais, pois podem ser inativos ou mesmo proliferativos naquelas enquanto causam a morte desta”.
* Publicado originalmente no site Agência USP.