Acho que a maioria das pessoas conhece a cena clássica de Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos (1936), na linha de produção da fábrica, onde diversas peripécias ocorrem enquanto ele tenta se adequar ao tempo da esteira. O filme é emblemático por muitos motivos, e acredito que nos convida a diversas reflexões, especialmente, sobre algumas sensações.
Um dos pontos é que o personagem não se entende como gente e se transforma mais em máquina que qualquer outra coisa, inclusive levando alguns tiques para sua vida cotidiana. Faz o que faz não porque entende o que faz, mas por simples repetição. Não enxerga o seu papel, portanto não se reconhece no resultado, não se vê no todo.
E quantos de nossos funcionários e colaboradores assim o são? Até mesmo os líderes. Quem se reconhece no todo? Será que não temos gestores trabalhando contra nossas organizações, criando pessoas alienadas?
Guy Debord, escritor e pensador francês que viveu no século passado, escreve em sua obra mais conhecida, A Sociedade do Espetáculo, que “o homem alienado daquilo que produz, mesmo criando os detalhes do seu mundo, está separado dele”.
Parece um pensamento óbvio. Todos precisam conhecer o funcionamento do geral, se você não tiver uma visão mais holística da empresa, do seu trabalho, estará alienado.
Não digo que é preciso conhecer o trabalho minucioso de todas as áreas, o que seria impossível, mas já calhei de conversar com funcionários que não sabiam nem mesmo existir determinados departamentos dentro de sua empresa. Outros não sabem nem mesmo quem é o dono da organização onde trabalham ou o nome do colega ao lado, quem dirá os objetivos perseguidos. Integrar não faz mal a ninguém, pelo contrário.
A afirmação de Debord nos parece óbvia, mas algumas pesquisas mostram que não. Uma delas, realizada em 12 países, incluindo o Brasil, em 2008, pela Proudfoot Consulting (atualmente Alexander Proudfoot Company), mostrou que entre os cinco principais problemas das corporações, apontados por mais de 1.200 executivos ao redor do mundo, as falhas de comunicação interna aparecem em segundo lugar, perdendo apenas para a falta de qualificação profissional.
No Brasil, as falhas na comunicação pulam para o primeiro posto, abarcando 47% dos entrevistados do país, o que significa quase o dobro da média global (25%).
Dentre os motivos elencados, podemos ressaltar o fato de alguns gestores guardarem informações estratégicas para si ao invés de transmiti-las aos seus funcionários. Falta transparência, o que faz com que eles percam a motivação e não saibam os objetivos da empresa (perdendo até mesmo o sentido de seu próprio trabalho). Os próprios gestores contribuem para a alienação, quando seu papel deveria ser exatamente o oposto.
Quando o problema é identificado, ações devem ser tomadas, com estratégias mais ativas do RH (Recursos Humanos) e, especialmente, investindo em comunicação interna. Aliás, investir em comunicação e pensar à frente é uma boa maneira de evitar que o problema desponte.
Muitos funcionários não se interessam, não procuram aprender, conhecer, mas o esforço não deve ser menor por isso, o que também ajudará a identificar perfis não compatíveis com a organização. Os gestores, assim, precisam assumir responsabilidades, quem não instrui, não integra.
Deixar que os colaboradores entrem (ou fiquem) num estado de alienação é emburrecer e negar uma maior produtividade. Talvez este seja o tempo pós-moderno, no qual, desejando uma coisa, levamos nossa situação ao seu oposto.
Quando pensamos em Chaplin, lembramos de um gênio, um homem à frente de seu tempo e com grande talento, uma pessoa que todos gostariam de ter por perto. Entretanto, muitas corporações lutam e lutam e, ao invés de gênios, formam o personagem alienado do nosso querido Charles.
Renan De Simone, sócio da Moraes Mahlmeister Comunicação, é jornalista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Apesar de falador assumido, profissionalmente dedica-se à arte de ouvir e traduzir expectativas e objetivos de lideranças e autoridades.
*Artigo publicado originalmente na Ideia Sustentável.