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Jornalismo investigativo avança entre rigor e experimentação

Os ganhadores do Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo, organizado pelo IPYS, durante o ato de entrega por ocasião da Conferência Global de Jornalismo Investigativo, realizada no Rio de Janeiro entre 12 e 15 de outubro de 2013. Foto: Cortesia IPYS
Os ganhadores do Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo, organizado pelo IPYS, durante o ato de entrega por ocasião da Conferência Global de Jornalismo Investigativo, realizada no Rio de Janeiro entre 12 e 15 de outubro de 2013. Foto: Cortesia IPYS

 

Lima, Peru, 29/1/2014 – O jornalismo investigativo de mídia convencional e digital vive tempos de prêmios e inusitado impacto social na América Latina. Significa que existe um auge deste gênero, favorecido pela internet? Três destaques do fenômeno exploraram para a IPS algumas respostas.

Em um prédio silencioso, uma equipe de cinco jornalistas, um engenheiro de sistemas e um desenvolvedor web estão afastados da redação principal para trabalharem sem interrupção. A jornalista que dirige o grupo olha fixamente para o monitor de 23 polegadas de seu computador, enquanto move com firmeza o mouse com a mão direita engessada. Parecer ter se acostumado a dominar a dificuldade.

Trata-se de Giannina Segnini, chefe da Unidade de Investigação e Inteligência de Dados do jornal La Nación, da Costa Rica, que em novembro recebeu o prêmio Gabriel García Márquez de excelência jornalística, concedido pela Fundação para o Novo Jornalismo Iberoamericano, com sede na cidade colombiana de Cartagena.

Segnini denunciou vários casos de corrupção e irregularidades que levaram à prisão ex-presidentes de seu país. Nos últimos anos, potencializou suas investigações com bases de dados e um trabalho em equipe, com profissionais de outras disciplinas, em busca da verdade.

“Há um período de transição tecnológica que abre oportunidades para os que querem aproveitá-la. Não creio que exista um auge do jornalismo investigativo, mas um momento histórico para fazer bom jornalismo experimentando em múltiplas plataformas”, opinou Segnini, em seu escritório em San José. Há quatro meses, ela e sua equipe começaram a mergulhar, contra o tempo, em mares de dados públicos dos candidatos às eleições gerais de 2 de fevereiro na Costa Rica.

Usaram 32 fontes diferentes de dados públicos (demandas judiciais, sanções, negócios privados, contratações com o Estado, entre outros) que cruzaram com uma lista de 340 candidatos com possibilidades de serem eleitos para a Presidência, vice-presidências ou Assembleia Legislativa. A série de reportagens começou a ser publicada na terceira semana de janeiro sob o título Novotoaciegas, com uma aplicação para que cada leitor possa buscar os antecedentes do candidato de seu interesse na edição digital.

O experiente jornalista peruano Gustavo Gorriti – que recebeu diversos prêmios, entre eles o María Moors Cabot, da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, em 1992 – reconheceu as possibilidades abertas pela internet e pela tecnologia. Ele ponderou que o que existe atualmente é uma tremenda aposta de alguns jornalistas comprometidos nos meios tradicionais e “esforços titânicos de sobrevivência dos novos meios digitais” que investigam. Contudo, destacou que o jornalismo investigativo ainda tem “uma grande dívida”.

“Falta qualidade e quantidade”, apontou Gorriti. Há temas pendentes a serem investigados como “a corrupção corporativa, o peso dos oligopólios nas economias e o custo que os cidadãos têm de pagar por isso”. Ele não é o único que pensa assim. “Há muito de jornalismo de filtragem. Algumas unidades de investigação têm um golpe informativo filtrado por um interesse”, disse Segnini.

Precisamente por essa necessidade de melhorar os padrões de qualidade deste ofício, Gorriti e outros jornalistas latino-americanos migraram para a plataforma digital, em meio à crise que enfrentam alguns meios impressos pelo avanço da internet e pela falta de rigor.

Em 2010, Gorriti criou o portal de jornalismo de investigação IDL-Reporteros, que faz parte de uma aliança com outros meios digitais independentes de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Guatemala, México e Nicarágua. Vários deles receberam prêmios e publicaram séries investigativas de grande impacto em seus países.

Esses meios se mantêm principalmente pela cooperação internacional. Seguem o modelo do portal ProPublica, que Paul Steiger criou nos Estados Unidos em plena crise financeira, quando vários meios de comunicação desse país começaram a reduzir as unidades investigativas.

“Mesmo com todos esses esforços importantes, estamos longe de cumprir a missão de gerar reformas legais e culturais para que haja uma sociedade muito mais justa onde se possa combater a corrupção e os abusos. Isto não é uma utopia, já ocorreu em outras épocas da história”, enfatizou Gorriti, na sede de seu portal na capital peruana.

O jornalista acrescentou que o principal desafio desses novos meios é sobreviver financeiramente, para depois crescer e chegar a uma audiência maior. “Dedicar imensas energias, deixar a vida nisto, para ter um jornalismo de fachada? Não é a ideia. No longo prazo o jornalismo investigativo deve chegar de maneira direta a mais pessoas”, afirmou Gorriti.

No entanto, além dos desafios, há notícias que causam esperança. O Brasil mostra importantes avanços por duas razões, “pelo número de boas investigações feitas e porque uma porcentagem importante procede dos meios tradicionais de alguns Estados. Há uma descentralização”, ressaltou Gorriti.

Mauri König, jornalista brasileiro da Gazeta do Povo, do Estado do Paraná, e ganhador do prêmio María Moors Cabot em 2013, garantiu que “nunca antes houve tantas reportagens investigativas no Brasil com o financiamento dos jornais que agora estão em crise”. Isso permite que grupos de jornalistas com grande iniciativa e perseverança desenvolvam reportagens investigativas durante meses, e inclusive anos, com o financiamento das empresas onde trabalham.

König liderou essas equipes mais de uma vez. A mais recente foi quando demonstrou o desvio de dinheiro destinado ao funcionamento das delegacias no Paraná. A investigação ficou em segundo lugar no Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo 2013, organizado pelo Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS), promotor do jornalismo independente na região, com apoio da organização Transparência Internacional.

Gorriti integrou o júri que também deu o terceiro lugar a um trabalho de Segnini, em um dos prêmios entregues durante a Conferência Global de Jornalismo Investigativo, realizada no Rio de Janeiro, em outubro. Em 2011, a Gazeta do Povo ficou em primeiro lugar nesse concurso, com uma investigação dirigida pelo jornalista James Alberti, que demorou dois anos nesse trabalho e demonstrou a existência de um esquema milionário de desvio de recursos públicos na Assembleia Legislativa do Paraná.

O jornal Folha de S. Paulo, um dos meios de comunicação mais influentes da América Latina, continua apostando no jornalismo investigativo apesar de já não vender o milhão de exemplares diários como há alguns anos. König destacou que, apesar da crise de leitores, a Folha enviou em 2013 uma equipe de jornalistas para fazer um trabalho de multimídia de quase um ano sobre a polêmica represa de Belo Monte, no Pará. Esse nível de investimento não se compara com o que acontece em outros países da região.

Para Segnini, o caminho é os próprios jornalistas experimentarem novos modelos de negócios para tornar sustentável a investigação, porque são eles que conhecem os limites éticos. “Precisamente onde vejo mais fome e vontade de experimentar é na América Latina, mais do que em qualquer outra parte do mundo”, opinou. “Tem de haver alguma forma para isso ser sustentável. Me nego a crer que tenha que se viver da caridade. Alguém tem de pagar pela democracia”, argumentou a jornalista.

Por sua vez, Gorriti acredita que alguns dos melhores profissionais encontrarão a fórmula para manter vivo o jornalismo de investigação. E por isso considera importante a promoção de encontros entre os que se dedicam a buscar fundos para novos empreendimentos e os que sabem como fazer jornalismo. “Temos que aprender uns com outros”, afirmou. Envolverde/IPS