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Jornalistas do Azerbaijão entre a ética e a moradia gratuita

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Foto: Reprodução/ http://www.shutterstock.com/

 

Baku, Azerbaijão, 30/10/2013 – Durante muito tempo os jornalistas críticos do governo do Azerbaijão sofriam golpes e ameaças, e alguns eram assassinados. Agora, parece que o poder mudou de estratégia e lhes oferece dádivas. O governo do presidente Ilham Aliyev tem antecedentes funestos em termos de liberdade de imprensa. Nos últimos anos se dedicou a perseguir jornalistas que denunciavam irregularidades oficiais ou que irritavam figuras dos altos escalões.

Porém, com a proximidade das eleições realizadas no começo de outubro, as autoridades decidiram por oferecer alguns incentivos, com a esperança de sufocar a cobertura informativa crítica. No final de julho, o governo inaugurou um prédio de apartamentos com unidades de um, dois e três dormitórios, para serem ocupados exclusivamente por jornalistas e suas famílias. O edifício de 17 andares, cuja construção ficou em US$ 6,37 milhões, está localizado em um subúrbio de Baku, chamado Bibi Heybat.

Muitos dos beneficiados trabalham em meios de comunicação favoráveis ao governo. Mas uns poucos novos inquilinos trabalham para outros de capitais independentes e orientados à oposição. Aliyev espera que a inauguração do prédio ajude a melhorar a imagem de seu governo. O fato de “jornalistas de vários veículos e pessoas com diferentes pontos de vista terem recebido apartamentos mostra a ausência de toda discriminação política no Azerbaijão”, declarou o presidente.

Alguns jornalistas afirmam que a oferta de moradia gratuita é um suborno mal disfarçado do governo, criado para influenciar nas reportagens. “As autoridades finalmente converteram o direito fundamental à liberdade de expressão no direito de não ter de pagar aluguel de um apartamento”, brincou o ex-editor Shahveled Chobanoglu em um artigo publicado no Contact.az.

Dois funcionários do jornal Azadliq (Liberdade), o mais crítico do governo e associado ao opositor Partido da Frente Popular da República Azerbaijã, se inscreveram e receberam apartamentos gratuitos no prédio de Bibi Heybat. Vários jornalistas de outros jornais da oposição, como o Yeni Musavat (vinculado ao Partido Musavat) e o o Bizim Yol (Nosso Caminho), também são inquilinos.

O editor-chefe do Azadliq, Rahim Hajiyev, afirmou à EurasiaNet.org que, apesar de suas fortes objeções, não foi contra quando dois empregados “realmente necessitados” o informaram que iam se inscrever para conseguir os apartamentos. “Me perguntaram e não pude dizer não, porque o jornal não tem como atender suas necessidades econômicas”, explicou. Porém, não se sente cômodo com a decisão.

“Concordo: é uma prática ruim aceitar dádivas e apartamentos do governo. Não posso dizer que agimos corretamente”, disse Hajiyev. O jornal também recebe dinheiro do governamental Fundo de Apoio à Mídia. “Trabalhamos em condições muito difíceis, privados de todo apoio de doadores estrangeiros e de ganhos com publicidade, e temos que sobreviver”, acrescentou.

Tanto Hajiyev quanto os jornalistas da oposição que vivem no edifício insistiram que aceitar um apartamento financiado pelo governo não influirá em seu trabalho. A agência de notícias Turan foi o único meio de comunicação de capitais privados e favorável à oposição que se negou – apesar de vários supostos convites do governo – a fornecer apartamentos para seus funcionários.

Um repórter da Turan, Huquq Salmanov, sugeriu que, na realidade, o governo queria comprometer a integridade jornalística da mídia de oposição. Quando Salmanov, cuja família sofre severas penúrias econômicas, se candidatou a um apartamento a título pessoal, os funcionários lhe disseram que só poderia obtê-lo “na condição de correspondente da Turan”. Segundo o jornalista, “eles queriam ter a Turan na lista de beneficiários. Eu não quis entrar e não aceitei”.

O diretor do Fundo de Apoio à Mídia, Vugar Aliyev, não aceitou dar declarações à EurasiaNet.org. Salmanov está longe de ser o único jornalista que luta para chegar ao fim do mês no Azerbaijão. Os salários de repórteres de jornais, audiovisuais ou de internet equivalem a apenas US$ 574, enquanto o aluguel de um apartamento no centro de Baku facilmente é o dobro desse valor. O alto custo de vida na capital foi o que levou a maioria, se não a totalidade dos jornalistas críticos, a se inscreverem para um apartamento no prédio de Bibi Heybat.

“Não é possível ter uma vida decente com nossos salários quando se precisa alugar um lugar para viver”, afirmou um desses jornalistas, casado e pai de dois filhos. Ele não vê nenhum conflito de interesses em suas ações. “O edifício não foi construído com o dinheiro pessoal de Aliyev. Eu recebi o apartamento do Estado e, portanto, não sinto nenhuma obrigação” com o governo de Aliyev, acrescentou. No geral, a disputa pelos apartamentos expôs a visão deficiente que têm os jornalistas do Azerbaijão sobre o que constitui um conflito de interesses.

Outra jornalista de oposição, Aygun Muradkhanly, correspondente do Yeni Musavat, acredita que o governo tem a obrigação de ajudar financeiramente os repórteres. Quando tiraram seu nome da lista de beneficiários, poucos dias antes da inauguração do prédio, ela apelou ao presidente Aliyev. “Tenho 22 anos de experiência e moro de aluguel em um apartamento há 14. Eu também merecia um”, disse à EurasiaNet.org.

Sua reclamação reflete as ideias herdadas da era soviética, quando o Estado dava moradia e outros benefícios a membros da “classe criativa”, desde que acatassem a disciplina do governo. Após ter rejeitada sua solicitação no primeiro edifício destinado a jornalistas, Muradkhanly expressou sua gratidão porque a Presidência lhe prometeu outro para o futuro.

Pelo menos um inquilino de Bibi Heybat reconheceu ser dono de outra moradia, o que viola os requisitos para se candidatar. Rashad Majid, editor-chefe da privada 525-ci Gazet, admitiu em um editorial que possui um apartamento em Baku, mas que não vê nada de mal em receber um novo de graça. “Estou há muitos anos no jornalismo e merecia. Meu filho, que também é jornalista, viverá no novo apartamento. Quero que o governo me dê mais dois apartamentos para meus outros dois filhos”, escreveu Majid. Essas novas moradias serão oferecidas em breve.

No final de julho, Aliyev destinou o equivalente a outros US$ 6,37 milhões para a construção de um novo prédio para trabalhadores da imprensa, junto do primeiro. As obras já começaram. Envolverde/IPS

* Shahin Abassov é jornalista independente radicado em Baku. Este artigo foi publicado originalmente na EurasiaNet.org.