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Lei anti-homossexualidade põe em risco programas de ajuda

Uma cena do premiado documentário Call me Kuchu (Me Chame de Kuchu) sobre a luta do ativista David Kato contra a homofobia em Uganda. Foto: Katherine Fairfax Wright.
Uma cena do premiado documentário Call me Kuchu (Me Chame de Kuchu) sobre a luta do ativista David Kato contra a homofobia em Uganda. Foto: Katherine Fairfax Wright.

Washington, Estados Unidos, 27/2/2014 – Os Estados Unidos revisarão seus programas de assistência a Uganda, depois que o presidente Yoweri Museveni promulgou a Lei Anti-Homossexualidade, conhecida popularmente como a lei “matem os gays”. Mas ativistas alertam que uma suspensão da ajuda poderia ter efeitos contraproducentes. Embora nao estabeleça a pena de morte para membros da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais), como propunha o projeto original apresentado no parlamento ugandense, a nova lei castiga com prisão perpétua a “homossexualidade agravada”, isto é, casos repetidos de relações homossexuais entre adultos ou com menores, deficientes ou pessoas HIV positivas.

A União Europeia, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Igreja Católica condenaram a lei. Embora nesse país africano já existam disposições contra a homossexualidade, a nova lei prevê castigos mais severos. “Agora que essa lei foi promulgada, iniciamos uma revisão interna de nossa relação com o governo de Uganda para garantirmos que todas as dimensões de nossa participação, incluindo os programas de ajuda, respeitem nossas políticas e nossos princípios contra a discriminação e reflitam nossos valores”, anunciou no dia 24 o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.

Noruega, Dinamarca e Holanda já suspenderam sua ajuda financeira a Uganda como forma de protesto, enquanto outros países europeus como Áustria e Suécia estão revendo seus compromissos de assistência. Importantes líderes políticos em Washington pedem ao governo de Barack Obama que suspenda os US$ 456,3 milhões em ajuda a Uganda que o Congresso aprovou para o próximo ano fiscal.

“Temos que examinar de perto toda assistência norte-americana a Uganda, incluindo a entregue por intermédio do Banco Mundial e de outras organizações multilaterais”, disse no dia 25 o senador Patrick Leahy, do governante Partido Democrata. “Não posso apoiar o envio de mais fundos ao governo de Uganda enquanto os Estados Unidos não realizarem uma revisão de nossas relações com esse país”, acrescentou.

Os programas de saúde e saneamento ugandenses são os que mais dependem da ajuda externa, e em particular os que focam na luta contra o HIV/aids. A taxa de prevalência do HIV (vírus causador da aids) em Uganda é de 7,2%, e duplica entre homens que praticam sexo com homens. “Estamos muito preocupados pelo potencial que tem a lei de atrasar os esforços de saúde em Uganda, incluindo os dirigidos contra o HIV/aids, que devem ser feitos de maneira não discriminatória para serem efetivos”.

A nova lei, promulgada no dia 24 deste mês, também pune as organizações que ajudarem a comunidade LGBT, grupo de alto risco em pandemia da aids. Muitas dessas organizações recebem fundos do Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para Alívio da Aids (Pepfar). “De um ponto de vista puramente operacional, sabemos que a lei tem consequências específicas na assistência do Pepfar”, destacou Timi Gerson, diretora de promoção do American Jewish World Service (AJWS), organização pelo desenvolvimento que trabalha em Uganda. “Terão de considerar como essa lei impactará sua capacidade de administrar esses programas”, acrescentou.

Gerson duvida da conveniência de congelar toda a ajuda a Uganda. “A AJWS não apoia a redução da assistência fundamental a esse país. Não estamos a favor de deter toda ajuda aos ugandenses comuns”, afirmou. “Eu não falaria de cortar a ajuda, mas de mudar seu rumo. Creio que a grande pergunta é como se fará isso (suspender a ajuda) no terreno à luz da atual situação. Esse tem de ser o primeiro e mais importante ponto da revisão” dos Estados Unidos, ressaltou.

Alguns defensores da comunidade LGBT apontam a ambivalência da ajuda norte-americana a Uganda, e consideram inaceitável que esta seja administrada por grupos cristãos evangélicos conservadores com uma clara agenda anti-homossexual. O financiamento norte-americano, em geral, acaba em mãos dessas organizações religiosas por meio de um complexo sistema de ramificação de doações.

Os conservadores “fazem um trabalho realmente excelente quando se trata de serviços como orfanatos e escolas”, admitiu à IPS o reverendo Kapya Kaoma, da organização pela justiça social Political Research Associates. “As escolas conservadoras têm bibliotecas muito boas, ao contrário de outros colégios, e com livros que apresentam um ângulo conservador da política ugandense. Isso é uma vantagem para eles”, acrescentou.

No entanto, Kaoma fez críticas às organizações lideradas por pessoas como Martin Ssempa, pastor evangélico ugandense que prega veementemente contra a comunidade LGBT e contra o uso de camisinha, tenham recebido US$ 60 mil de grupos que por sua vez são financiados pelo Pepfar. “Ouço esses chamados para suspender a ajuda e me gera um conflito. Não creio que seja a melhor forma de proceder, pois só afetaria os pobres, não os ricos. Museveni não perderá absolutamente nada”, enfatizou.

Por outro lado, propôs sanções contra indivíduos ugandenses responsáveis pela lei e contra líderes evangélicos que, segundo ele, alimentaram o ódio contra a comunidade LGBT nesse país africano. “A alternativa é punir seletivamente as pessoas, todos os pregadores contra os gays. Se puderem ser punidos, então pode haver uma lei que diga que nenhum dinheiro deve sair de uma organização norte-americana para um grupo em Uganda” que tenha campanha contra a comunidade LGBT, sugeriu.

“Então começará a se sentir a pressão. Se corta a ajuda, isso só aumentará o ódio contra as pessoas LGBT como represália”, alertou Kaoma, afirmando que vários indivíduos deveriam ter proibida a entrada no país, e entre eles mencionou importantes líderes evangélicos como Scott Lively, Caleb Lee Brundidge, Don Schmierer e Lou Engle, os quais acusou de terem influenciado diretamente a nova lei.

Em março de 2009, Lively organizou uma conferência para as elites políticas, clericais e cívicas ugandenses, na qual falou sobre a “agenda gay”. O líder evangélico disse que os homossexuais eram responsáveis pelo Holocausto judeu e o genocídio em Ruanda, e alertou que agora tinham como objetivo “converter” meninos e meninas de Uganda. Kaoma assistiu e filmou essa conferência, registrando os discursos de Lively, Brundidge e Schmierer. Uma semana depois, parlamentares ugandenses fizeram circular o primeiro rascunho da lei agora em vigor. “O projeto de lei original parece o próprio Scott Lively falando”, ressaltou Kaoma.

Em nome da organização Minorias Sexuais de Uganda, o grupo pelos direitos civis Centro para os Direitos Constitucionais, com sede em Nova York, apresentou uma demanda em um tribunal norte-americano contra Lively, a quem acusa de promover o ódio contra gays e lésbicas. Lively realizou campanhas semelhantes contra a comunidade LGBT em diferentes partes da África, bem como na Rússia e na Ucrânia. Envolverde/IPS