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Mar Vermelho poderia reanimar o Mar Morto – Parte 1

Buracos como este lentamente engolem o Mar Morto. Foto: Pierre Klochendler/IPS

Ein Gedi, Israel, 27/2/2013 – O projeto para “salvar o Mar Morto”, declarado viável pelo Banco Mundial, é questionado por ambientalistas, para os quais tal medida representa enormes riscos ambientais. O objetivo do “canal Mar Vermelho-Mar Morto” é “dessalinizar a água e/ou gerar energia hidrelétrica a um preço acessível para Jordânia, Israel e Autoridade Nacional Palestina (ANP)”, e “construir um símbolo de paz no Oriente Médio”.

O Mar Morto, lago endorreico (sem saída para o mar) situado 426 metros abaixo do nível do mar, está secando e morrendo no deserto, ao ritmo aproximado de 1,1 metro por ano. Sua superfície diminuiu um terço nos últimos 50 anos: de 960 quilômetros quadrados passou para os atuais 620. Localizado entre a meseta bíblica de Moab e o deserto da Judeia, o mar hipersalino faz limites com Jordânia, ao leste, Israel e o território palestino da Cisjordânia, a oeste.

É um spa natural. Seus minerais são extraídos para tratar enfermidades cutâneas devido às suas propriedades curativas desde a época de Cleópatra. Atualmente, a indústria química realiza uma operação multimilionária, em que as empresas Dead Sea Works, de Israel, e Arab Potash Company, da Cisjordânia, exploram o recurso para produzir potássio para fertilizantes.

O fluxo hídrico recebido pelo Mar Morto diminuiu, em 60 anos, de 1,25 bilhão de metros cúbicos ao ano, para 260 milhões, devido ao desvio de água para atividades agrícolas do Rio Jordão, seu principal tributário no norte. Com os efeitos da mudança climática, o Mar Morto tem um futuro mais do que funesto, preso em uma área morta devido às atividades humanas. A Rota 90, que costumava margear a parte ocidental, agora passa a um quilômetro da costa.

Cerca de 300 quilômetros quadrados de seu leito marinho ficaram expostos na década de 1960, e o processo segue ao ritmo de cinco quilômetros quadrados por ano. Vastas planícies ficaram descobertas e levaram à formação de aproximadamente três mil buracos que aos poucos engolem terras, estradas e edifícios, o que representa um risco significativo para a agricultura, a indústria e a infraestrutura turística.

Não é surpresa que os três países vizinhos não tenham conseguido, no passado, que o Mar Morto fizesse parte das Sete Maravilhas Naturais. Além disso, a possibilidade de figurar na lista de Patrimônio da Humanidade é um sonho distante. “Não queremos que o Mar Morto morra, queremos revivê-lo”, declarou à IPS o ministro de Desenvolvimento Regional de Israel, Silvan Shalom. “Nosso principal objetivo é levar mais água a essa região árida. A melhor opção é um canal que bombeie dois bilhões de metros cúbicos por ano do Mar Vermelho”, explicou.

“O que poderia salvar o Mar Morto da morte, seria o projeto de desenvolvimento de 180 quilômetros chamado Red Sea-Dead Sea Water Conveyance” (Transferência do Mar Vermelho para o Mar Morto), ressaltou o ministro. A iniciativa implica bombear água do Mar Vermelho, mais ao sul, para o Mar Morto. Um sistema com seis tubulações e um túnel permitiria o fluxo de água graças à gravidade, aproveitando as diferenças de elevações (ao nível do mar e abaixo dele), para uma estação de dessalinização de alto nível e duas centrais hidrelétricas.

Após uma década de estudos, o Banco Mundial concluiu que o canal Mar Vermelho-Mar Morto, como é conhecido este ambicioso projeto, é viável do ponto de vista técnico, econômico e socioeconômico. O custo total do projeto seria de US$ 9,97 bilhões, segundo o Banco. “Metade seria amortizada com a venda de água dessalinizada e energia hidrelétrica, e a outra teria financiamento mediante a assistência internacional ao desenvolvimento, uma situação benéfica para todos”, destacou Shalom.

Porém, “o projeto não retém a água”, alertou Gidon Bromberg, diretor da Eco Peace/Amigos da Terra Oriente Médio, uma organização que reúne ambientalistas israelenses, jordanianos e palestinos pela paz. “A mistura do Mar Vermelho com a salmora única do Mar Morto provavelmente gere um depósito sedimentar, leve ao surgimento de algas vermelhas e turve a pureza da água. Os dois corpos de água não se misturam, como a água e o óleo. A água do Mar Vermelho flutuará acima” da outra, afirmou.

De fato, especialistas do Banco Mundial disseram que a grande afluência de água do Mar Vermelho poderia branquear de forma duradoura o azul do Mar Morto, mas “que esse problema poderia ser mitigado com o acréscimo de cristais de mineral de gesso no local de descarga, o que permitiria uma sedimentação mais rápida”.

Outra preocupação é a contaminação das reservas subterrâneas pelo possível vazamento de água salgada enquanto se opera o sistema de tubulações de transferência ao longo do Vale de Aravá, considerada uma “região de grande atividade sísmica”. Sobre isto, Bromberg disse à IPS que “as tubulações poderiam explodir em meio a um terremoto, e milhões de metros cúbicos de água contaminariam as reservas subterrâneas”. O Banco Mundial propôs alternativas especiais, como caixas de concreto envolvendo a tubulação e válvulas de isolamento, entre outras. Um sistema de controle fecharia estas últimas em caso de movimento sísmico.

Quanto ao temor de que a estação de bombeamento possa causar danos nos corais do Mar Vermelho, um estudo modelo encomendado pelo Banco Mundial recomenda que a retirada de água esteja localizada a uma profundidade inferior a 140 metros.

Quanto mais profundo o local de retirada, menos provável que tenha um impacto” negativo, afirma o estudo. “Houve muitas reuniões, e os argumentos redundantes foram rechaçados pelo Banco. As organizações ambientalistas não querem o projeto de maneira alguma”, pontuou Shalom.

Antes de elaborar um informe final, o Banco Mundial realiza a última série de consultas em Israel, nos territórios palestinos e na Jordânia. Se o projeto tiver apoio do Banco, as negociações intergovernamentais decidirão como proceder. “Serão necessários fundos de nossos respectivos governos, do próprio Banco Mundial e do setor privado”, observou Shalom. “Depois haverá a licitação, os contratos para elaboração do projeto, a aquisição e construção do canal. Isto será discutido entre as partes”, detalhou.

O Banco Mundial prevê que o canal seja construído em seis anos e comece a operar em 2020, atingindo seu ponto ótimo em 2060. Envolverde/IPS

* Este é primeiro de dois artigos sobre questões ambientais e políticas da proposta de recuperar o Mar Morto canalizando água do Mar Vermelho.