Para a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Tânia Braga Garcia, além dos livros tradicionais, existem outros materiais didáticos produzidos em diferentes suportes e com diferentes funções, cujos resultados no ensino e aprendizagem ainda precisam ser avaliados. Nesse sentido, o Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas da UFPR, por ela coordenado, tem desenvolvido atividades de pesquisa e de formação de professores com o objetivo de discutir e compreender a presença de materiais didáticos na aula, especialmente os livros didáticos.
Em sua opinião, embora alguns materiais possam ser usados em diferentes disciplinas, cada conteúdo necessita de um tipo específico de material, que possa contribuir, de modo efetivo, para o estabelecimento de algumas condições favoráveis ao ensino e à aprendizagem. Bolsista do CNPq, atualmente desenvolve a pesquisa Professores, Manuais Didáticos e a Produção do Conhecimento nas Aulas.
Tânia Braga Garcia é editora da Revista In(ve)stigar: Temas de Pesquisa em Pós-Graduação e também membro integrante da diretoria da International Association for Research on Textbooks and International Media (Iartem). Graduada em filosofia e em pedagogia pela Universidade Federal do Paraná, tem mestrado e doutorado em educação pela Universidade de São Paulo.
Jornal do Professor – Qual é a importância dos materiais didáticos para a aprendizagem?
Tânia Braga Garcia – Como artefatos incorporados ao trabalho escolar, os materiais didáticos contribuem para estabelecer algumas das condições em que o ensino e a aprendizagem se realizam e, neste sentido, eles têm uma grande importância e podem cumprir funções específicas, dependendo de suas características e das formas pelas quais eles participam da produção das aulas. Pode-se dizer, de forma geral, que eles se constituem em uma das mediações entre professor, alunos e o conhecimento a ser ensinado e aprendido. Se forem assim entendidos, não é difícil compreender que um dos elementos fundamentais da relação que estabelecemos com eles está na intencionalidade que guia a escolha e a utilização dos materiais didáticos, em diferentes situações e com diferentes finalidades.
Segundo entendo, a produção de conhecimentos sobre os materiais didáticos, que havia perdido espaço na pesquisa educacional, ganhou centralidade nos últimos anos, em grande parte pela abertura de um vastíssimo campo de produção de materiais escritos para os cursos de educação a distância e de materiais para uso em computadores. Mas ainda temos pouca literatura que discute o tema no campo da Didática Geral. Para além dos livros didáticos, que já têm uma tradição centenária na cultura escolar brasileira, há um conjunto de materiais produzidos em diferentes suportes, com diferentes funções, cujos resultados no ensino e aprendizagem precisam ser ainda avaliados pelos professores pesquisadores. Neste sentido, o Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas da UFPR tem desenvolvido atividades de pesquisa e de formação de professores, com o objetivo de discutir e compreender a presença de materiais didáticos na aula, com especial destaque aos livros didáticos.
JP – Em sua opinião, alguns materiais didáticos apresentam melhores resultados em uma disciplina do que em outra?
TBG – A questão central é entender quais são os objetivos que pretendemos atingir ao escolher um ou outro material – e aqui destaco que os recursos didáticos estão incluídos nessa definição que estamos usando, mais ampla, seguindo algumas classificações elaboradas por espanhóis estudiosos do tema, como Artur Parcerisa Aran. Neste sentido, penso que muitas vezes tratamos os materiais como artefatos que poderiam ser usados para qualquer conteúdo ou disciplina, mas isso talvez seja verdadeiro apenas em um pequeno número de situações. Como eles são mediadores, cada conteúdo a ser ensinado e aprendido necessita um tipo específico de material, que possa efetivamente contribuir para estabelecer algumas condições favoráveis para o ensino e a aprendizagem. Há materiais que podem ser – e são – usados em diferentes disciplinas, como os filmes, por exemplo, mas a forma como o professor organiza o trabalho deve privilegiar a especificidade do conhecimento que deseja ensinar, por exemplo o conhecimento artístico ou o histórico, para lembrar duas disciplinas nas quais o uso desse material é altamente indicado.
JP – Qual é a importância do livro como material didático?
TBG – Como disse, há mais de um século os livros escolares ou didáticos, também chamados de manuais, fazem parte da cultura escolar no país. Apesar da diversidade de formas nas quais eles se apresentam, têm características comuns, uma vez que, em tese, contêm os conteúdos que devem ser ensinados e também indicam caminhos pelos quais isso poderia acontecer, tanto por meio de sua estruturação didático-metodológica quanto pelas atividades propostas. No caso do Brasil, há um relativo consenso em torno da ideia de que em determinadas situações muitos alunos têm nos livros a única fonte de conteúdos, além das exposições feitas pelos professores. Assim, os livros podem ser materiais de leitura e de consulta, podem gerar debates e atividades, e podem ainda fornecer informações sobre as quais os professores e alunos trabalham para reelaborar o conhecimento em questão. Segundo mostram algumas pesquisas – que ainda são poucas, tanto no Brasil como em outros países –, ao mesmo tempo em que alguns professores informam não usar os livros, preferindo preparar seus próprios materiais ou fazer seus alunos copiarem do quadro, outros professores dizem que usam os livros para estudar o conteúdo, suprindo lacunas na sua formação, e outros ainda afirmam que os livros são guias para a organização das aulas, orientando temas e atividades que o professor seleciona de acordo com as orientações da escola ou com seu planejamento individual. De qualquer forma, essa diversidade de usos revela a importância que os livros continuam tendo em nossa cultura escolar, embora pouco se tenha estudado ainda sobre a presença desse material nas aulas, sobre o uso que fazem dele alunos e professores.
JP – O Brasil tem programas de livros didáticos e há uma preocupação em ofertar obras de maior apoio pedagógico. O que deve constar num bom livro de apoio pedagógico a professores?
TBG – O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) determina muitos elementos relacionados à presença dos livros nas escolas. Acredito que há, de fato, uma preocupação em oferecer bons livros e orientações aos professores. Em minha avaliação, os livros que têm sido entregues às escolas públicas ganharam maior qualidade ao longo das duas últimas décadas, em muitos aspectos – basta pensar que anos atrás eram impressos em papel jornal, em preto e branco, e que a quantidade de erros, equívocos e estereótipos presentes era muito maior do que acontece hoje. Mas os livros também acabaram sendo, de certa forma, homogeneizados e isto é uma questão que ainda precisa ser debatida. Quanto às orientações aos professores, considero positivo o fato de que, ao constituir-se como uma exigência, trouxe para o debate certos temas que às vezes são pouco questionados na vida cotidiana das escolas, tais como formas e procedimentos de avaliação dos alunos, ou a utilização de determinados materiais didáticos que os autores sugerem, fazendo com que a discussão didática ganhasse espaço. No entanto, é preciso destacar, entre outras questões que dizem respeito às relações que os professores estabelecem com os livros que escolhem e utilizam, que ainda sabemos pouco sobre o quanto das orientações os professores leem, se as sugestões são adequadas e, portanto, o quanto contribuem para a organização de suas aulas. Portanto, mais do que dizer o que deve ser incluído nas orientações, penso que é tempo de conhecer o que os professores pensam sobre elas e avaliar os efeitos de sua presença obrigatória nos manuais.
JP – Os professores do ensino básico estão preparados para a escolha e utilização de materiais didáticos? Em caso negativo, o que pode ser feito para reverter essa situação?
TBG – Escolher e utilizar um material são ações que dependem da capacidade de “olhar profundamente” o conteúdo a ser ensinado, compreendendo os melhores caminhos e os melhores recursos para percorrê-los em situações específicas. Nesse sentido, não creio que possamos falar em professores que estão preparados e outros que não estão. Se a pretensão é dar às crianças e jovens uma escolarização que responda às exigências da vida contemporânea, é preciso reconhecer necessidades como a discussão coletiva no interior das escolas e a formação continuada para aperfeiçoamento dos professores em conteúdos e metodologias. Mas, para além disso, deve-se definir e buscar as condições objetivas de trabalho que possibilitariam ao professor uma atitude permanente de análise de suas aulas, das necessidades para o aprendizado de seus alunos e – por decorrência – a análise dos materiais didáticos que podem dar maior contribuição em cada tema ou conteúdo, em cada etapa de escolaridade e em cada disciplina específica. Em determinadas situações, a produção de materiais pelos professores é a melhor forma de atender a especificidades de determinado conteúdo – como fazemos em um projeto denominado Recriando Histórias, que coordeno juntamente com a Dra. Maria Auxiliadora Schmidt, na UFPR. Neste projeto, contribuímos com a formação continuada de professores das séries iniciais para ensinar história, e uma das ações propostas é a produção colaborativa de um livro cujos conteúdos são captados na experiência dos sujeitos da localidade, por meio de documentos que estão guardados pelas pessoas da comunidade escolar. Ao participar da produção desse material didático, o professor é desafiado a conhecer conteúdos e métodos da história e, portanto, pode também se tornar um avaliador mais crítico em relação a outros materiais. Esse processo de formação é longo, e se diferencia acentuadamente da ideia de “capacitação” – frequentemente indicada como solução quando se constata que os professores têm dificuldades para escolher ou usar um material didático, ou mesmo para aprender uma nova forma de ensinar. A questão é complexa e supõe processos de formação inicial e de formação continuada pautados em outros modelos, nos quais a natureza e as condições do trabalho do professor, pela sua relação com o conhecimento, sejam entendidas para além da mera reprodução de práticas.
JP – O que a senhora pensa a respeito da utilização, no ensino, de elementos como poesia, teatro, cinema e história em quadrinhos? E de que forma eles podem ser usados?
TBG – Creio que a resposta anterior indica que todos eles podem ser utilizados, mas não há uma forma única que se aplique a qualquer situação. Em cada disciplina, os quadrinhos e a música podem servir para o desenvolvimento de certas competências gerais, mas também para o aprendizado de outras específicas, próprias do pensamento e da cognição de cada ciência que a escola deve ensinar. Apenas para exemplificar essas possibilidades, referencio algumas dissertações defendidas na Linha de Cultura, Escola e Ensino do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Uma delas estudou a presença da música caipira em aulas de história (Chaves, 2006), mostrando que, mesmo sem apreciar este gênero, os jovens de ensino médio são capazes de compreender suas características, trabalhar com as canções e reconhecê-las como parte da cultura brasileira. Outra pesquisa examinou as relações entre os quadrinhos e o conhecimento histórico dos alunos (Fronza, 2007), mostrando as possibilidades e limites para o uso dessa linguagem no caso do ensino de história, e também apontando os efeitos da intervenção do professor, especialmente ao confrontar os quadrinhos com outras fontes. A terceira pesquisa procurou verificar que relações ocorrem entre jovens alunos de periferia urbana com determinados conteúdos da história a partir de um rap (Rosário, 2009), apontando como esse gênero musical, que é significativo no contexto da cultura de alguns jovens, pode contribuir para o estabelecimento de uma relação empática com o conhecimento histórico. Com esses exemplos, portanto, quero reafirmar dois pontos: a especificidade no uso dos materiais didáticos em cada disciplina escolar e a necessidade de ampliar as pesquisas sobre as formas e os efeitos da presença de diferentes materiais nas aulas.
JP – Os recursos tecnológicos estão cada vez mais presentes e disponíveis nas escolas. Como eles podem ser usados pelos professores?
TBG – As possibilidades são as mais diversas e, nesse tema, muitas pesquisas têm sido desenvolvidas. Os novos recursos vão chegando, com diferentes ritmos, às escolas de crianças e jovens, mas às escolas de adultos também. Em alguns casos, eles já estão absolutamente incorporados ao cotidiano escolar, embora continuem demandando debates e estudos específicos. Cito aqui, para exemplificar trabalhos sobre esse tema, uma dissertação que examinou o uso de hipermídia no ensino de física para a construção de aprendizagens significativas (Artuso, 2006), a partir de pesquisa de campo na qual sites foram usados para o desenvolvimento de aulas sobre gravitação universal para alunos do ensino médio. Outra pesquisa analisou a presença das ferramentas de desenho digitais na construção do conhecimento dos alunos em cursos de arquitetura e urbanismo (Ferraro, 2008), colocando em debate, a partir dos resultados, as dificuldades apontadas por eles, especialmente ligadas aos programas propriamente ditos, os quais não permitem um uso intuitivo para a elaboração e desenvolvimentos das formas – uma necessidade da disciplina de projetos. De forma semelhante a qualquer outro material didático, os recursos tecnológicos constituem-se como uma mediação entre professores, alunos e um conhecimento específico e, portanto, seu uso requer escolhas, definições, adequações que se inserem no conjunto complexo das condições nas quais se produz o ensino e a aprendizagem.
JP – A senhora afirmaria que o uso do material é fundamental?
TBG – Gostaria apenas de reafirmar minha posição em relação ao fato de que os resultados do uso de um material didático dependem da intencionalidade que orienta seu uso e das formas pelas quais ele é incorporado nas aulas. A questão, portanto, é inserir o debate deste tema no conjunto mais amplo de condições que definem os espaços onde ocorre o ensino, seja a escola, seja a sala de aula. E também evidenciar o papel fundamental dos professores como sujeitos responsáveis pelo planejamento e desenvolvimento das aulas e, portanto, pela escolha dos materiais mais adequados em cada situação.
* Publicado originalmente no Jornal do Professor/MEC.