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Medicamentos contrabandeados salvam vidas no Paquistão

Apesar dos obstáculos comerciais, os medicamentos indianos abrem caminho no Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Apesar dos obstáculos comerciais, os medicamentos indianos abrem caminho no Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Peshawar, Paquistão, 28/2/2014 – Muitos paquistaneses dependem de medicamentos fabricados na Índia e contrabandeados para o país. Tanto pacientes como médicos dizem que são baratos e efetivos, embora as autoridades os vejam de outro modo. Não existe nenhum acordo sobre comércio de remédios entre os dois países, mas mercados da paquistanesa Jyber Pajtunjwa fazem bons negócios com medicamentos produzidos na Índia que são de venda livre.

“Há tempos prescrevo remédios elaborados na Índia para meus pacientes, por sua efetividade”, disse à IPS o médico Abdul Kabir, radicado nos subúrbios de Peshawar. Os médicos de áreas rurais os receitam para quem não pode pagar os produtos de laboratórios multinacionais ocidentais ou que não encontram marcas locais efetivas. Por exemplo, o famotidine, medicamento de produção local usado para doenças gástricas, pode ser comprado por entre US$ 1,90 e US$ 4,70, enquanto a mesma fórmula procedente da Índia é vendida entre US$ 0,30 e US$ 0,45.

A maioria dos 60 mil químicos de Jyber Pajtunjwa e das Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata) embolsam bom dinheiro com a venda de remédios indianos. “Os produtos farmacêuticos contrabandeados da Índia estão disponíveis sem receita, e os funcionários envolvidos também sabem que são efetivos”, explicou à IPS o químico Mushtaq Ali, que vive em Peshawar.

Ali afirmou que remédios indianos como antibióticos, analgésicos, injeções contra câncer, tranquilizantes e anti-hipertensivos podem ser conseguidos facilmente e têm muitos compradores. Entre eles figuram paracetamol, diclofenaco, misoprostol, amoxicilina e ampicilina. “A maioria dos doentes crônicos prefere os remédios indianos porque precisam de medicação por períodos prolongados. Os remédios locais são muito caros em comparação com os indianos, por isso optam pelos segundos”, acrescentou.

Os pacientes de Jyber Pajtunjwa e das Fata são os maiores beneficiários dos medicamentos indianos. Isto porque o Afeganistão compra remédios da Índia no contexto de um acordo comercial, e a partir dali são contrabandeados para essas duas áreas paquistanesas. “Estamos conscientes de que enormes reservas de medicamentos são contrabandeados para o Paquistão desde o Afeganistão, mas não tomamos medidas por sabermos que isto beneficia a população local”, explicou à IPS o inspetor farmacêutico Mohammad Riaz.

Há cerca de 200 laboratórios multinacionais e 300 locais que vendem seus produtos no Paquistão, mas são caros, ressaltou Riaz. As multinacionais importam matérias-primas de seus países de origem. Por outro lado, os remédios baratos comercializados por empresas locais frequentemente não são efetivos, e os médicos nem sempre os prescrevem, detalhou.

Segundo o inspetor, o Conselho Federal de Controle de Qualidade do Paquistão frequentemente testa medicamentos indianos e conclui que são altamente efetivos. “Assim, interromper a compra de remédios indianos contrabandeados seria negar o tratamento a pessoas pobres”, explicou.

Jaffar Shah, morador no distrito de Mardan, em Jyber Pajtunjwa, contou que seu pai “usa remédios para hipertensão há dez anos. Inicialmente, comprávamos os vendidos pelas multinacionais, mas depois ficamos sem dinheiro e recorremos a um medicamento indiano que é muito mais barato, além de efetivo”. Segundo Shah, “em nosso bairro há muitas pessoas que usam medicamentos indianos e estão satisfeitas com sua qualidade. Um vizinho meu que tem câncer usa remédios indianos, com aconselhou seu médico, por serem baratos”.

Os medicamentos indianos também são recomendados para tratamento de pacientes com HIV/aids. “O Paquistão não tem acordo comercial com a Índia em matéria de medicamentos. A Organização Mundial da Saúde importa antirretrovirais indianos para pacientes do Paquistão, e entrega em 13 centros de todo o país”, informou Atif Kan, do Complexo Médico de Hayatabad, em Peshawar.

“Esses remédios são 20 vezes mais baratos do que os vendidos pelas multinacionais. São importados da Índia desde 2005. Mas só são fornecidos em hospitais sob a supervisão de médicos qualificados”, destacou Kan. A questão dos medicamentos indianos contrabandeados frequentemente surge na Assembleia Nacional do Paquistão, mas sempre é calada porque os legisladores não querem provocar a ira pública proibindo esses remédios, pontuou.

Segundo Rasool Shah, professor no departamento farmacêutico da Universidade de Peshawar, durante muito tempo a Índia permitiu aos seus fabricantes obter patentes internacionais para seus produtos, por isso floresceu sua indústria de medicamentos genéricos. “Os laboratórios indianos fazem tudo o que podem para obter uma fatia do mercado de US$ 200 bilhões do Paquistão. As multinacionais que operam no país estão preocupadas porque perdem mercado rapidamente por culpa dos medicamentos indianos”, resumiu. Envolverde/IPS