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Método indolor para detectar malária em Uganda

Da esquerda para a direita: Josiah Kavuma, Simon Lubambo, Joshua Businge e Brian Gitta, conhecidos como Code 8, criaram um aplicativo móvel para diagnosticar a malária. Foto: Cortesia Microsoft.
Da esquerda para a direita: Josiah Kavuma, Simon Lubambo, Joshua Businge e Brian Gitta, conhecidos como Code 8, criaram um aplicativo móvel para diagnosticar a malária. Foto: Cortesia Microsoft.

 

Kampala, Uganda, 1/11/2013 – Aos 21 anos, Brian Gitta já teve malária tantas vezes que perdeu a conta. De tantos exames de sangue que precisou fazer, pegou pavor das agulhas. Por isso não surpreende que, com três companheiros de informática, tenha criado um aplicativo para telefones celulares que detecta o parasita que causa a doença sem necessidade de picadas.

“A primeira vez que fiquei doente tinha dois ou três anos”, contou Gitta, estudante de informática na Universidade Makerere, em Kampala. “É muito raro alguém não ter tido malária em Uganda. Se for a uma clínica descobrirá que 90% dos pacientes a contraíram”, acrescentou.

Estima-se que entre 70 mil e cem mil ugandenses morrem por ano devido a essa doença tropical causada por um parasita transmitido aos humanos por um mosquito. A malária é a principal causa de morte nesse país, segundo a organização não governamental Malaria Consortium Uganda. Cerca de 42% de seus 34,5 milhões de habitantes são portadores do parasita, embora não desenvolvam os sintomas da doença.

A última recaída de Gitta, bem antes do Natal de 2012, foi grave. Ao mesmo tempo contraiu brucelose, doença bacteriana infecciosa provocada pelo consumo de carne ou leite contaminados, e febre tifoide, e precisou ficar um mês no hospital. “Tive que fazer muitos exames de sangue. Era muito dolorido e a fila de médicos era longa”, recordou.

Gitta permaneceu prostrado durante sua convalescência. Nesse estado, um dia teve a ideia: se imaginou em um “centro médico móvel” que realizasse exames rápidos e sem dor e sem agulhas nem picadas. Pensou em usar um pequeno dispositivo. Foi um grande sonho. E, enquanto se recuperava, pôs mãos à obra.

Na cidade russa de São Petersburgo, Gitta, Joshua Businge, Simon Lubambo e Josiah Kavuma, chamados Code 8, souberam que eram os vencedores do Prêmio Empoderamento de Mulheres de Imagine Cup, um concurso estudantil de tecnologia organizado pela Microsoft. Assim o grupo de rapazes recebeu o reconhecimento por criar o aplicativo chamado Matibabu, centro médico em língua swahili.

Em Uganda, a malária é diagnosticada por meio de análise de sangue no microscópio ou mediante um exame rápido. Demora 30 minutos ou mais e deve ser feito por um técnico. É considerado um exame com “padrão de excelência” porque é o método mais confiável. Revela a presença ou ausência do parasita no sangue, a espécie e quanto se multiplicou.

Porém, agora o Matibabu permite um diagnóstico mais rápido em qualquer lugar e sem um especialista qualificado. O resultado é obtido em cerca de 15 minutos, embora não mostre a quantidade de parasitas como o outro. O Matibabu utiliza um dispositivo portátil feito sob medida chamado matiscópio, que é conectado a um telefone celular para dar um resultado rápido. O usuário introduz o dedo no matiscópio e, mediante uma luz vermelha que penetra na pele, o aplicativo detecta os glóbulos vermelhos.

“Sabe-se que só glóbulos vermelhos infectados têm uma estrutura bioquímica, química e física diferente dos normais; usamos uma tecnologia que dispersa a luz para determinar o padrão de dispersão de ambos os tipos de célula”, explicou Kavuma à IPS. “Pela diferença de padrões, o aplicativo pode diagnosticar a malária sem uma mostra de sangue”, ressaltou.

O dispositivo tem um diodo emissor e um sensor de luz e transmite o resultado ao usuário do telefone para seu processamento. Depois, o Matibabu envia o resultado para o serviço de armazenamento da Microsoft, Skydrive. Isso permite compartilhá-lo imediatamente com o médico do paciente, evitando demoras prolongadas. O Code 8 disse que o Matibabu, que atualmente só pode ser usado com telefones que tenham sistema operacional móvel Windows, ajudará, em particular, as mulheres grávidas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, metade da população mundial é suscetível de contrair malária. As grávidas, as meninas e os meninos pequenos e as pessoas com HIV/aids são especialmente vulneráveis. “Quando uma mulher grávida contrai malária, contagia o bebê”, explicou Lubambo à IPS. “Mas, se for detectada rapidamente, pode-se evitar abortos espontâneos”, acrescentou.

A equipe espera contar com um aplicativo compatível com outros sistemas operacionais como Android e OS em meados de 2014. Quando disporem de versões para outras plataformas, talvez comecem a utilizar outros serviços de armazenamento online, como Dropbox, para guardar os resultados. O grupo espera que dentro de dois anos o dispositivo esteja no mercado; o aplicativo poderá ser baixado de forma gratuita.

O aparelho custará entre US$ 20 e US$ 35, o que é muito dinheiro para os ugandenses, reconheceram os jovens. Atualmente, o custo do exame com microscópio ou o diagnóstico rápido custam cerca de US$ 5 no setor privado em Uganda, disse à IPS a médica Jane Achan, professora do departamento de pediatria e saúde infantil da faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Makerere.

A malária afeta principalmente a população rural, explicou Achan, acrescentando que no distrito de Apach, norte do país, um paciente sofre cerca de 1.500 picadas de mosquito por ano. Essa gente não necessariamente tem acesso a telefones inteligentes. “As populações urbanas já têm mais vantagens pelo simples fato de contarem com centros de saúde mais acessíveis, mais médicos e mais possibilidades de obter um diagnóstico”, afirmou a médica. “Em última instância, deve-se comparar a aplicativo com o que existe e está disponível”, ressaltou.

Moses Kizito, diretor da privada Clínica SAS, em Kampala, disse que no momento o Matibabu parece “bastante caro”, mas com o tempo poderá ser rentável. Sua clínica realiza exames de malária em, no mínimo, 50 pacientes por dia e os resultados de oito em cada dez são positivos. “Quando as pessoas não têm alternativa a não ser ir a uma clínica, o tratamento é caro”, pontuou à IPS. “Com esse exame a pessoa poderá evitar consultar o médico e tratar a doença em suas primeiras etapas antes que lhe cause anemia e dano cerebral. Quando o aplicativo estiver disponível, terá um enorme impacto”, destacou.

Por sua vez, Kavuma afirmou que a Microsoft lhes ofereceu orientação e capacitação empresarial, mas consideram outras opções para comercializar e fabricar o produto. “Pensamos em contatar empresas chinesas para isto”, afirmou. Gitta espera que possam ser diagnosticadas outras doenças da mesma forma. “O futuro é brilhante e tudo pode acontecer. Será preciso estar atento à próxima coisa maravilhosa que ocorrer”, enfatizou. Envolverde/IPS