Monterrey está uns 900 quilômetros ao norte da Cidade do México, e a 200 da fronteira com o Texas. É a capital do Estado de Nuevo León, responsável por quase 8% do PIB mexicano. Uma cidade grande, orgulhosa de sua riqueza, de seus mecenas das artes, que sempre se prezou por ser segura, moderna, confiável. Abriu museus com acervos formidáveis, lançou sofisticados jornais de circulação nacional, convocou concursos generosos para patrocinar artistas, enfim, fez de tudo para mudar sua imagem de lugar frio e preocupado apenas com dinheiro e dinheiro. Assim era a cidade que queria ser e parecer mais próxima aos Estados Unidos que ao resto do país.
Assim era até cinco anos atrás. Esse tempo acabou: de lá para cá, Monterrey entrou na dura realidade vivida pelo México desde que o presidente Felipe Calderón decidiu declarar guerra aberta contra o narcotráfico.
No dia 25, Monterrey foi cenário de um ato de brutalidade que chocou o país inteiro. Pouco antes das quatro da tarde, uns dez homens desceram de um vistoso Mini-Cooper e de duas vans vulgares e entraram no Cassino Royale, um gigantesco centro de jogatina, onde havia umas trezentas pessoas. Começaram a disparar suas metralhadoras para o alto, enquanto gritavam a todos que saíssem. Em seguida jogaram a gasolina de vários galões sobre mesas de jogo e máquinas traga-níqueis, e puseram fogo. A ação durou menos de três minutos, e foi feita com total desfaçatez: todos sabiam que estavam sendo filmados. Resultado: 53 mortos, dos quais 42 eram mulheres. Sete dos mortos foram calcinados. Os outros morreram asfixiados ou pisoteados. As saídas de emergência estavam trancadas com cadeado.
Ninguém acredita que seja possível debelar o prejuízo causado por esse atentado no governo do presidente Felipe Calderón. Na verdade, o México não aguenta mais tanta violência. E, pior, não vê saída.
Como resposta ao que chamou de ato terrorista, Calderón decretou luto oficial e nacional de três dias. Em seguida, lançou uma dura acusação contra os Estados Unidos. Disse o que todo mundo sabe: o México trava uma luta inglória, e nesse teatro macabro o país entra com os mortos e o vizinho entra com os consumidores de drogas. Afirmou que enquanto as autoridades dos Estados Unidos não conseguirem controlar o consumo em seu território, nada do que o México fizer terá resultado.
Num tom surpreendente, Calderón disse, em sua mensagem dirigida ao governo e ao Congresso dos Estados Unidos, que “vocês também são responsáveis”. E foi além: “se estão decididos e resignados a consumir drogas, procurem alternativas de mercado que acabem com os estratosféricos lucros dos criminosos, ou estabeleçam pontos de acesso diferentes da fronteira com o México, porque esta situação não pode continuar”.
É um beco sem saída, e Calderón sabe disso. Assim que assumiu a Presidência depois de uma eleição polêmica – a diferença sobre o candidato de esquerda foi inferior a 2% dos votos apurados, e isso, num país que tem a fraude por tradição eleitoral, fez dele um presidente frágil de saída –, Calderón tentou se legitimar lançando uma guerra total contra os cartéis das drogas que, com o desmantelamento dos grandes grupos colombianos na década de 1990, passaram a ser os maiores fornecedores para o maior mercado do mundo, o dos Estados Unidos (85% da cocaína e da heroína consumidas no vizinho passa pelo México). Volta e meia, quando criticado pela violência desmedida, Calderón esgrime números sonoros da quantidade de armas e drogas apreendidas. Só não diz que o volume que entra em território norte-americano continua crescendo, na base de 5% ao ano.
Por onde quer que se olhe, o que se vê no México é um misto de indignação com a violência sem fim, e de frustração sem remédio com o governo. Calderón fez de tudo para se legitimar e, ao mesmo tempo, não desagradar os Estados Unidos. Em vão.
Foi o segundo presidente eleito pelo PAN – Partido de Ação Nacional – depois de mais de meio século de poder nas mãos do PRI, o Partido Revolucionário Institucional, transformado em modelo de corrupção, abuso e impunidade.
Em 2012, haverá eleições presidenciais no México. E todos apostam na volta do PRI. O fim do regime de partido único foi breve, foi frágil, foi decepcionante. E, com Calderón, deixa um rastro de pelo menos 40 mil mortos, numa espiral de violência sem fim. O que aconteceu em Monterrey foi muito mais do que um acerto de contas entre os cartéis do narcotráfico e os controladores de cassinos que se negam a se deixar extorquir. Foi um retrato cruel e sangrento do cotidiano vivido por um país desamparado.
* Da Cidade do México.
** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.