Morte de Bin Laden pode sacudir diplomacia bélica

Washington, Estados Unidos, 3/5/2011 – A morte de Osama bin Laden por um pequeno grupo de elite da marinha de guerra dos Estados Unidos, pode ter impactos significativos nas relações de Washington com o Paquistão, cenário do ataque, e com o Afeganistão, seu ponto de partida. Vários analistas coincidem em afirmar que a operação, que teve por alvo um complexo localizado em um rico subúrbio de Islamabad, sem prévia consulta às autoridades paquistanesas, provavelmente vai piorar as já tensas relações com o Paquistão.

Também indicam que o sucesso da operação dá ao presidente Barack Obama a possibilidade de se envolver mais em uma estratégia antiterrorista no Afeganistão, em oposição à estratégia contrainsurgente e de construção nacional que buscou o comandante nesse território, general David Petraeus. Dessa forma, os cem mil militares atualmente acantonados ali poderão ser retirados antes do previsto.

Embora a morte de Bin Laden seja amplamente elogiada como uma grande vitória de Washington, que consumiu quase uma década para encontrar o líder da Al Qaeda, a maioria dos analistas em Washington considera que o assassinato também pode apressar a morte desta rede extremista. E isto apesar de, provavelmente, seus membros no mundo islâmico continuarem sendo uma ameaça durante algum tempo.

Agora, “qualquer pessoa vai demorar para reclamar a influência de Bin Laden nos círculos terroristas salafistas, independente de quem e da rapidez com que seja substituído do ponto de vista nominal como chefe da Al Qaeda”, disse Vanda Felbab-Brown, especialista em temas da Ásia meridional na Brookings Institution. Entre os islâmicos violentos, Bin Laden tinha status e prestígio “quase míticos”, acrescentou.

“Bin Laden era a única figura da Al Qaeda capaz de atrair a atenção de uma audiência árabe dominante”, escreveu ontem Marc Lynch, especialista em opinião pública árabe da Universidade George Washington, em seu blog Foreignpolicy.com. “Teve um carisma único e pode marcar a narrativa da Al Qaeda de maneira a ecoarem perante uma audiência árabe e muçulmana mais ampla”, disse Lynch, para quem a morte de Bin Laden distrairá apenas por pouco tempo a atenção da mídia dos levantes populares que dominam a região nos últimos meses.

De fato, para Christopher Davidson, especialista em assuntos do Golfo na britânica Universidade de Durham, o assassinato de Bin Laden pode dar um renovado impulso à “primavera árabe”. Embora ele próprio tenha se tornado “pouco mais que uma figura decorativa” nos últimos anos, “o impacto de sua morte nos regimes autoritários do Oriente Médio e de outros países islâmicos será significativo, já que teve um papel importante e valioso como “sabe-tudo” que se pode usar para justificar porque frequentemente são necessárias brutais ofensivas e limites às expressões políticas”, afirmou.

Entretanto, no momento, as maiores implicações em matéria de política externa quanto à morte de Bin Laden e ao modo completamente unilateral como ela foi cometida parecem envolver o Paquistão. O fato de Bin Laden viver durante algum tempo – possivelmente cinco anos – em um complexo extremamente grande e fortificado em Abbottabad, uma localidade a 50 quilômetros de Islamabad, que tem entre seus moradores uma quantidade grande de altos militares aposentados, confirmou para a maioria dos analistas que pelo menos alguns setores do governo paquistanês deram abrigo seguro ao “inimigo público número um” de Washington.

“Preocupa-nos muito o fato de que ele estivesse dentro do Paquistão”, disse um alto funcionário governamental aos jornalistas em uma entrevista por telefone concedida no dia 1º à noite, logo após Obama anunciar a morte de Bin Laden.

As acusações públicas de altos funcionários governamentais e militares dos Estados Unidos de que Islamabad não cooperava plenamente com os esforços antiterroristas de Washington já haviam aumentado de tom nas semanas anteriores ao ataque do dia 1º. E embora as duas partes afirmassem ontem que continuam sendo aliadas próximas, parece fato que isto vai piorar as relações, segundo praticamente todos os analistas em Washington.

Quanto ao Paquistão, “ou alia-se aos Estados Unidos de um modo muito mais completo, ou que se prepare para que os Estados Unidos atuem de maneira independente”, afirmou Richard Haass, presidente do não governamental Council on Foreign Relations, em uma teleconferência de imprensa realizada ontem. Haass sugeriu que, a menos que se possa restabelecer a confiança, será difícil para Washington justificar a contínua ajuda financeira que dá a Islamabad, atualmente de US$ 1,5 bilhão e US$ 1 bilhão em assistência não militar e militar, respectivamente.

“Isto, definitivamente, vai piorar nossas relações com o Paquistão, mas são os paquistaneses que estão se afastando de nós e se aproximando da China, e esse processo continuará”, disse o coronel da reserva Patrick Lang, que foi máximo funcionário para Oriente Médio e Ásia meridional na Agência de Inteligência da Defesa (DIA)

Lang também afirmou que o sucesso do ataque transfronteiriço contra Bin Laden pode dar a Obama a oportunidade de reduzir seu compromisso com uma estratégia contrainsurgente de “criação nacional” no Afeganistão, favorecendo uma estratégia antiterrorista que exija muito menos soldados no terreno.

Haass concorda com essa análise, dizendo que o assunto será objeto de um debate cada vez maior na medida em que se aproximar o dia 1º de julho, data para a qual Obama se comprometeu – em novembro de 2009 – a começar a retirada das forças norte-americanas do Afeganistão. Mas Petraeus defendeu apenas uma redução nominal.

Matthew Hoh, diretor do Afghanistan Study Group que serviu no Afeganistão como capitão da marinha e depois como funcionário do Departamento de Estado, disse esperar que a morte de Bin Laden permita ao público norte-americano fechar o capítulo do 11 de setembro de 2011, quanto atentados atribuídos à Al Qaeda deixaram três mil mortos em Nova York e Washington. “Também espero que isto dê ao presidente Obama o espaço político para buscar uma séria distensão da guerra”, acrescentou. Envolverde/IPS