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A morte ronda os bairros pobres de Antiga

Terry-Ann Lewis teme que a canaleta que corta o bairro empobrecido onde mora um dia acabe matando-a, se a drenagem não der conta da água da chuva quando ocorre uma tempestade. Foto: Desmond Brown/IPS
Terry-Ann Lewis teme que a canaleta que corta o bairro empobrecido onde mora um dia acabe matando-a, se a drenagem não der conta da água da chuva quando ocorre uma tempestade. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Bahia Verde, Antiga e Barbuda, 2/2/2015 – A qualidade de vida melhorou notavelmente em Antiga e Barbuda. Entretanto, as desigualdades e as privações continuam sendo um desafio para algumas pessoas deste país caribenho, especialmente nos persistentes bolsões de pobreza.

Em um deles, em uma manhã de sábado não há sinal de vida. As choças, instaladas dos dois lados do caminho velho e estreito que percorre o local de ponta a ponta estão rodeadas por altos muros de lata que não permitem ver o que acontece do outro lado. Por trás do muro, as vidas marginalizadas se caracterizam pela pobreza e pelas mulheres com medo.

Para Cynthia James e outras mulheres dessa comunidade costeira na periferia da capital, a esperança é a última que morre. “Um dirigente político me chamou de cachorra”, contou à IPS diante de sua moradia e junto ao seu neto de um ano. “Disse que éramos todos cachorros, que não servíamos para nada e que sempre seríamos cachorros. Nunca esquecerei isso. Quando te ferem, nunca se esquece”, acrescentou.

Os dois principais partidos têm diferentes opiniões sobre a pobreza e o desemprego no país. Para o Partido Trabalhista de Antiga, 35% da população é pobre, mas o Partido Progressista Unido diz que 12% das pessoas vivem com menos de dez dólares do Caribe oriental (US$ 3,7) por dia, a menor proporção da região.

“A mais alta proporção é registrada no Haiti, com 79% da população pobre, isto é, oito em cada dez habitantes vivem com menos de dez dólares do Caribe oriental”, afirmou o ex-legislador Harold Lovell, que foi ministro das Finanças no governo anterior, mencionando dados do Banco Mundial. “Na Guiana a proporção é de 64%, no Suriname 45%, Jamaica 43%, Dominica 33%, São Vicente e Granadinas 33%, Granada 32%, São Cristóvão e Neves 31%, Trinidad 21%, Santa Lúcia 19%, Barbados 14%, Antiga 12%”, completou.

Mas para James, de 53 anos, os números não importam. Ela e outras mulheres de sua comunidade são testemunhas há anos de como cada vez que chove a drenagem que atravessa o bairro causa a destruição das modestas moradias. James vive na mesma rua onde mora sua mãe, Gertrude, de 78 anos, e sua filha Terry-Ann Lewis, de 28. Seu maior medo é que um dia a drenagem lhes custe a vida. “Quando era pequena sempre vinham e limpavam a canaleta. Mandavam os presos limpar a área, mas tudo isso acabou. Quando chove nossas três casas ficam inundadas”, afirmou.

Cynthia James, moradora de um bairro pobre de Antiga contou como um dirigente político certa vez a chamou de cachorra. Foto: Desmond Brown/IPS
Cynthia James, moradora de um bairro pobre de Antiga contou como um dirigente político certa vez a chamou de cachorra. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Em 2014, a questão das drenagens tapadas foi o centro de várias consultas em escala comunitária a cargo da Divisão de Ambiente. A técnica Ruleta Camacho explicou que o objetivo era criar um mecanismo de financiamento sustentável e desenvolver um projeto de adaptação climática que produzisse uma mudança nas comunidades afetadas. “Em razão da mudança climática, experimentamos secas e precipitações exacerbadas; temos muita chuva em curto prazo. O que temos que fazer é garantir que nossos cursos de água e as drenagens possam conter o volume de água”, destacou.

Terry-Ann Lewis aguarda ansiosa o início do projeto, pois ainda recorda como esteve perto da morte, no dia 13 de outubro do ano passado, quando a tempestade tropical Gonzalo passou próximo de Antiga, levantando tetos e arrancando árvores. Por várias horas, fortes chuvas e ventos se abateram sobre Antiga, que sofreu o pior da tempestade que atravessou as Ilhas Leeward. Os troncos caídos interromperam a circulação em muitos caminhos, as pessoas ficaram sem eletricidade e houve denúncias de moradias danificadas ou, em alguns casos, com tetos destruídos.

“Deitei à noite e quando levantei a água tinha invadido minha casa. Cheguei em casa cansada do trabalho e deitei, mas quando acordei estava tudo inundado. Tudo havia desaparecido, estava empapado ou fora levado pela água. Perdi tudo e tive que começar do zero”, disse Lewis à IPS.

“A canaleta que atravessa a área concentra o lixo de todas as partes e tudo acaba aqui, nessa comunidade”, lamentou Lewis. “Essa canaleta vai matar a todos nós, é só o que posso dizer. Está tapada, e quando chove a água não tem como escorrer. A drenagem obstruída faz com que transborde rapidamente. Quando chove, toda a área parece uma praia”, acrescentou.

O primeiro-ministro, Gaston Browne, que assumiu há sete meses, afirmou que seu governo se concentrará em melhorar o desenvolvimento humano, colocando as pessoas em primeiro lugar. Também repetiu que pretende converter Antiga em uma potência econômica regional, uma Cingapura do Mar do Caribe.

“Nos concentraremos em converter nosso capital humano em pessoas capazes de competir em escala internacional e de ser o motor do crescimento e do desenvolvimento social de nosso país”, declarou Browne. “Nosso principal foco no desenvolvimento humano será a educação e a capacitação. Ninguém ficará para trás”, prometeu.

O Fundo Monetário Internacional antecipa que o crescimento na América Latina e no Caribe será de 2,2% este ano, o que implica uma recuperação para a região, pois se estima que foi de 1,3% em 2014. Mas será preciso ver se isso se traduzirá em melhoria das condições de vida para as pessoas mais pobres e vulneráveis. Envolverde/IPS