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“Negócios são negócios e Moisés é Moisés”

Ferrovia em construção entre Haifa e a fronteira jordaniana. Foto: Pierre Klochendler/IPS
Ferrovia em construção entre Haifa e a fronteira jordaniana. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Haifa, Israel, 29/11/2013 – Israel procura se reposicionar como um centro de transbordo e uma via de passagem para o comércio do resto do Oriente Médio, embora mantenha conflitos diplomáticos e políticos com muitos países da região. As empresas israelenses esperam que as importantes reformas na infraestrutura iniciadas pelo governo impulsionem o comércio com o mundo árabe, enquanto a guerra civil paralisa as rotas de tráfego da Síria e os comboios políticos no Egito podem afetar a segurança no canal de Suez.

Um comitê ministerial aprovou em outubro um dos projetos de transporte mais caros em Israel, uma linha de trem de passageiros e de carga que ligará os portos de Eilat, no Mar Vermelho, e o de Ashdod, no Mediterrâneo. Funcionários do Ministério dos Transportes e da Empresa Portuária de Israel veem o projeto como uma “ponte terrestre” entre a Europa e a Ásia, que será uma alternativa ao Canal de Suez.

Também está prevista para este mês a aprovação da construção de um ou dois terminais de contêineres de propriedade privada, como parte dos planos de expansão dos portos de Haifa e Ashdod, ao custo projetado de US$ 1 bilhão cada um. Os três portos comerciais são o elemento vital da economia israelense, com mais de 98% do tráfego externo do país. Haifa é o porto líder, com movimento de carga cada vez maior que consiste principalmente em contêineres, destilados, cereais e produtos químicos.

O prefeito de Haifa, Yona Yahav, que acaba de ser reeleito para seu terceiro mandato, pretende que o governo israelense escolha sua cidade, a maior do norte do país, como sede do terminal planejado. “As empresas preferem que os produtos cheguem aos seus vizinhos através de nosso porto devido à sua localização – Haifa fica no centro”, disse o prefeito em mensagem enviada aos operadores portuários internacionais. A ideia é apresentar Haifa como um mar de estabilidade em uma região volátil.

Embora o comércio mundial dependa muito do Canal de Suez, a rota marítima através deste para o porto jordaniano de Aqaba no Mar Vermelho, e mais ao leste para os Estados do Golfo em torno da península Arábica, é onerosa e extensa, com 1.260 quilômetros, em comparação com o caminho que liga Haifa ao Iraque, por exemplo, de 930 quilômetros.

Shlomi Fogel, presidente do Porto Estaleiro de Israel (ISP) em Haifa e homem de confiança do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, tem empreendimentos e laços comerciais em países árabes com os quais o Estado judeu não mantém relações diplomáticas. Fogel imagina uma versão moderna da antiga Rota da Seda, que transforme Haifa em um centro regional para as cargas entre Oriente e Ocidente e que a reposicione, ao menos em certa medida, como uma alternativa de transbordo e logística.

“Se – que Deus não permita – um míssil da jihad (luta islâmica) atacar um navio cruzando o Canal de Suez, sua retirada levará de seis a 12 meses”, advertiu Fogel. “Devemos nos preparar para aproveitar a situação de instabilidade mediante a abertura de uma rota alternativa para o transporte de carga de Haifa para o leste”, acrescentou. Porém, alguns especialistas em comércio marítimo não concordam.

“Haifa e a linha de trem Eilat-Ashdod são alternativas, mas não são simples”, opinou Yehuda Hayut, consultor em matéria de portos e transporte intermodal. “Teríamos que redefinir nossos portos marítimos a uma escala completamente diferente. Isso não vai acontecer”, afirmou.

Apesar das dúvidas sobre a competição com o Canal de Suez, Haifa já procura enfrentar o desafio. A cidade reparou estradas de acesso ao interior e está em construção uma ferrovia de 67 quilômetros de extensão, que ligará Haifa à fronteira entre Israel e Jordânia, até um novo terminal de contêineres. Nos últimos sete meses, seis mil caminhões, em sua maioria turcos, jordanianos e israelenses, viajaram entre Haifa e Jordânia pela passagem fronteiriça de Sheikh Hussein.

Inaugurado em 2002 na Jordânia, do outro lado da fronteira com Israel, como um dividendo da paz entre os dois países, o parque industrial e zona franca Jordan Gateway Industrial Park (JGIP), gerenciado conjuntamente, pretende operar como um centro logístico da região, mas atualmente apenas de 30 a 50 caminhões passam por ali diariamente. Para esse parque está prevista a construção de uma ponte sobre o rio Jordão, além da atual passagem Sheikh Hussein, em consonância com seu objetivo principal de facilitar o transporte de produtos e mercadorias para e da Europa, Oriente Médio e Ásia.

“Não precisamos da política para a normalização e a paz”, disse à IPS o diretor israelense do JGIP, Yuval Yacobi. O parque “apresenta oportunidades para que as empresas israelenses explorem novos mercados e ofereçam tecnologia ao mundo árabe”. Por sua vez, o gerente geral jordaniano do parque, Qassem a-Tbaishi, disse que também “serve de inspiração para outros países árabes, no sentido de instalar um modelo de cooperação econômica regional e melhorar a economia jordaniana ao atrair investimentos estrangeiros e oferecer oportunidades de emprego para a população local”.

Um exemplo é a Gur Filter, empresa israelense que produz filtros para automóveis e que se instalou no JGIP como Irbid Filter, em 2009. A fábrica emprega 40 jordanianos, em sua maioria mulheres. Dos aproximadamente 3.500 tipos de filtros de gás, petróleo, combustível e ar desenvolvidos em Israel, importados da China ou produzidos e envasados no JGIP, 5% são exportados para o mundo árabe a partir do parque industrial.

O presidente israelense da empresa, Yoram Bental, disse que “visitou Arábia Saudita, Bahrein, Abu Dhabi e Dubai. Nossa marca é Gur Filter, mas nos países árabes é Irbid Filter. Sabem que vendemos um produto israelense, mas politicamente – siyassi, como eles dizem – de forma clandestina. Ninguém fala disso”. Trata-se de negócios, divorciados da religião e da política. Como afirma Fogel, que participa do JGIP, “negócios são negócios e Moisés é Moisés”. Diante da falta de uma clara visão de paz por parte de Israel, ele insiste no termo “paz econômica”. Envolverde/IPS