Filósofos e juristas já escreveram à exaustão sobre a pena de morte, mas o tema resiste ao tempo, até porque, como observou o jurista italiano Mario Marazziti, os políticos, como regra, não têm coragem de extinguir esse tipo de pena e preferem seguir os baixos instintos da população. Sobre a pressão conservadora norte-americana, Marazziti lembrou a campanha presidencial travada entre o republicano George Bush (pai) e o democrata Michael Dukakis. O democrata, no último debate televisivo, manifestou-se contrário à pena de morte e, no dia seguinte, caiu sete pontos nas pesquisas. Assim, deu adeus à pretensão de virar hóspede da Casa Branca.
No século XI, Tomás de Aquino sustentava ser lícito ao “príncipe” extirpar da sociedade um elemento nocivo da mesma maneira que ao médico era legítimo amputar um membro infeccionado para salvar o paciente. Em sentido contrário, manifestou-se, em 1764 na obra Dos Delitos e das Penas, o marquês de Beccaria, precursor do direito penal moderno e iniciador do processo de humanização das penas. Beccaria, com base na teoria do contrato social de Rousseau, afirmou que o homem, ao ceder uma parcela mínima da sua liberdade para tornar possível a vida em sociedade, não poderia conferir a outrem o direito de eliminá-lo. E concluía não ser a pena de morte autorizada pelo contrato social. O interessante é que Rousseau, falecido em 1778, entendia legítima a pena de morte ao violador da lei penal, pois se tornava inimigo da sociedade por afrontar o contrato social.
No momento, constatou-se um aumento nas execuções capitais, conforme revelado internacionalmente pela respeitada associação que leva o sugestivo nome de Nessun Tocchi Caino (Ninguém Toque em Caim). No ano passado, foram consumados 5.837 “homicídios legais” em 22 Estados Nacionais. Em 2009, chegou-se a 5.741 casos e, no ano anterior, 5.735 assassinatos soberanos.
Cabe lembrar que as Nações Unidas, em 18 de dezembro de 2007 e por provocações da Itália e da Alemanha, realizou uma assembleia especial para tentar uma moratória à pena de morte. Ou melhor, tal pena seria suspensa dos códigos até a ONU deliberar em futura convenção. Na ocasião, 104 Estados comprometeram-se em adotar a moratória. Votaram não, sob argumento de se tratar de questão de política interna e soberana, 54 Estados, enquanto 29 se abstiveram de votar.
O fronte do “não” foi capitaneado pelo Egito do então ditador Hosni Mubarak e por Cingapura. Por incrível que pudesse parecer, os Estados Unidos comungaram do mesmo ideal não abolicionista de Irã, Síria, Coreia do Norte, China, Sudão e Líbia.
Logo após a votação da moratória na ONU, os nove magistrados da Suprema Corte dos Estados Unidos, em abril de 2008 e por sete votos a favor, entenderam constitucional o uso de injeções letais e deram sinal verde ao prosseguimento de 11 execuções que estavam no aguardo da decisão: o condenado fica deitado numa tenda, com os braços para fora e ligados em duas agulhas de passagem de substâncias químicas letais. Tão logo o líquido é injetado, a cortina da tenda sobe para que as testemunhas, num cenário macabro, atestem a morte. Apesar do resultado desumano, pela primeira vez na Suprema Corte e pelo voto vencido de John Paul Stevens, declarou-se que a pena de morte “é ilegítima por si só”.
De lá pra cá, houve um boom de pena de morte. As ditaduras aplicaram muito mais essa sanção capital e a escalada da violência urbana, em Estados democráticos, fez subir o apelo pela adoção mais ampla. Dois exemplos ajudam na compreensão do quadro. A Bielo-Rússia, sob ditadura de Aleksandr Lukashenko, no poder desde 1994, é o único Estado europeu a impor a pena de morte e, no primeiro semestre de 2011, já promoveu duas eliminações de condenados. Os estados norte-americanos de Washington e Utah voltaram a praticar a pena de morte em 2010, com duas execuções. A propósito dos EUA, em 2010 foram executados 46 sentenciados, entre os quais Texas (7), Ohio (8), Alabama (5), Oklahoma, Virgínia e Mississippi (3), Geórgia (2), Flórida, Louisiana, Arizona, Utah e Washington (1). No chamado corredor da morte, encontravam-se 3.261 condenados em 1º de janeiro de 2011.
O título de “Estado assassino” de 2010 ficou com a China. Das 5.837 ocorridas no planeta, 85% consumaram-se na China. O segundo posto coube ao Irã (564 eliminados) e o terceiro à Coreia do Norte (19). Para que se possa comparar, em 2009 o Irã havia cumprido 402 execuções capitais. A Coreia do Norte matou 17 sentenciados.
No primeiro semestre deste ano, oito Estados, incluída a Autoridade Nacional Palestina, deixaram a abstinência mantida em 2010 e voltaram aos homicídios legais: ANP (5 execuções), Bielo-Rússia (2), Bahrein (1), Somália (9), Taiwan (4), Afeganistão (2), Emirados Árabes Unidos (1) e Guiné Equatorial (4).
Pano Rápido. Nas ditaduras, as condutas de dissidentes políticos continuam tipificadas como crimes de traição à pátria, com previsão de pena de morte.
* Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.