Rio de Janeiro, Brasil, novembro/2011 – Buscadores espirituais sedentos por uma sabedoria milenar talvez estejam na lista das principais “exportações” do Brasil para a Índia. Para quem vai aos ashrams (comunidades) dos mestres para imersões de crescimento pessoal, a Índia não é apenas o país de Gandhi, mas de Buda, Sri Amma Bhagavan, Osho, Dalai Lama, Yogananda, Ramakrishna, Patanjali, Ramana, Maharaj, Papaji, Sri Aurobindo, Sai Baba…

Nestes ashrams, um brasileiro logo percebe que os indianos são mestres também no trato com as flores. Nos arranjos dos altares e nas guirlandas com que enfeitam os gurus vivos ou as fotografias dos gurus que já não estão no corpo, além das imagens de divindades, as pétalas de flores são trançadas umas às outras e desdobra-se toda uma arquitetura de cores e formas desconhecidas das floriculturas de Ipanema, no Rio de Janeiro, dos Jardins, em São Paulo, ou do Plano Piloto de Brasília. Se eu fosse importar algo da Índia, importaria estes homens e mulheres de olhos negros e sorrisos brancos que reiventam flores para dar uns cursos por aqui.

Meditação e devoção levam os brasileiros aos pés dos ensinamentos iluminados. A Índia trouxe à humanidade um pote cheio do melhor néctar da jornada religiosa. Dentro deste pote estão “leis espirituais” que são régua e compasso para orientar a caminhada do místico, do buscador.

São milhares e milhares as divinidades, todas elas traduzindo qualidades e necessidades da natureza humana. O buscador brasileiro de perfil devocional vai encontrar nos gurus e/ou nas divindades não uma alienação de si mesmo, mas indicações para descobrir-se como Presença Divina. Destacam-se, entretanto, aos olhos ocidentais, os mestres que têm um pé na cultura religiosa hindu, mas desenvolvem uma busca baseada na visão de não dualidade (Advaita), cuja prática é de intensa racionalidade em torno do entendimento sobre “quem sou eu”.

Para o brasileiro que faz algum roteiro turístico-místico, e a esta altura já canta um bocado de mantras, são encantadores os templos que veneram Krishna, Shiva, Vishnu, Ganesha, Laksmi, Gayatri… Apaixonados pelo críquete, não creio que os indianos entrem em êxtase quando veem o Maracanã ou o Morumbi, nossos templos do futebol. Porém, certamente devem impressionar-se com o carnaval dos Filhos de Gandhi.

A Índia fabrica cheiros, imagens e cores que vêm se tornando comuns aos brasileiros, pelo menos desde a época em que pegamos carona no movimento hippie, enquanto os meninos de Liverpool visitavam Mahesh Yogi – o guru dos Beatles. Décadas depois de muita meditação, massagem ayuvérdica, comida vegetariana, incenso e chá, a novela da Globo selou a atração fatal que a Índia exerce sobre o brasileiro (sobretudo a brasileira). Reencarnado ou não, Cabral deve estar feliz: quem disse que aportar no Brasil seria um desvio no caminho para as Índias?

Creio que tarda mas não falha o dia em que os filmes populares indianos ganharão boa audiência por aqui. São coloridos, alegres, dançados, românticos, cafonas e fáceis. Mais fácil que a poesia mística de Rabindranath Tagore, a flauta de Hari Prassad, ou a cítara de Ravi Shankar.

Tão diferentes e com tanta coisa em comum, há obviamente um grande espaço de intercâmbio científico, acadêmico, nas áreas agrícola e comercial entre Brasil e Índia, mas não consolida-se uma comunidade indiana por aqui. Encontrar um daqueles deliciosos restaurantes de curry, massala e pimenta é obra da sorte. Ambos os países são grandes democracias e seus milhões de eleitores frustram-se cotidianamente com a corrupção dos eleitos.

Quem vem da Índia para o Brasil certamente vai encontar no universo dos direitos da mulher e dos direitos da criança princípios que a sociedade indiana demora em absorver, mas em comum há uma grande afetividade na relação com os filhos.

Se em cada esquina há um templo, o brasileiro também impacta-se nem tanto com a vaca na estrada, mas com o lixo que se espalha nas ruas das superpovoadas vilas indianas. As cooperativas de lixo do Brasil certamente têm compartilhado suas experiências com os projetos sociais indianos nos fóruns de ongs. Contudo, se há uma área em que a Índia tem a aprender com o Brasil é a da “comunicação para a transformação social” (campanhas, merchandising social…), pois a mudança de atitudes, em muitos aspectos da vida em sociedade, é um desafio que encontra barreiras em raízes culturais e religiosas muito profundas.

Civilizatoriamente voltado para a exterioridade, para a vida no mundo, o ocidental (e portanto o brasileiro) desenvolveu capacidade para criar riqueza e conforto, adotou o estresse e a medicação enquanto negligenciou a meditação e a transcendência. Por sua vez, à Índia dos gurus e das divindades, onde muitos encontram o mapa dos tesouros internos da espiritualidade, falta fazer o caminho contrário: olhar também um pouco para fora e recusar a miséria que não encanta os deuses. É um caminho que já está aberto, certamente com influências culturais do Ocidente.

De todos os mestres que fizeram a ponte Oriente-Ocidente, Osho foi aquele que mais alertou para a incompletude destes extremos entre pobreza-riqueza, vida mundana-religiosidade. Para Osho, o novo homem deve voltar-se tanto para o exterior (para a vida, para a celebração, o prazer e o conforto do corpo), quanto fazer o caminho de volta para sua natureza original, não dual, de verdade-consciência-benção (satchitanada).

Mencionando o mundano Zorba (o personagem de “Zorba, o Grego”, novela de Nikos Kazantzakis), Osho cunhou o novo homem como sendo “Zorba, o Buda”: o mundano andando de mãos dadas com Buda, expressão de plena consciência e quietude interior.

Namastê!

* Geraldinho Vieira é jornalista brasileiro, medita há 30 anos e vai à Índia com frequência.