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O ciberespaço aponta contra as mulheres do Quênia

Uma adolescente navega na internet em um centro de recursos de Nairóbi. Mas o crime cibernético e a intimidação contra as quenianas aumentam. Foto: David Njagi/IPS
Uma adolescente navega na internet em um centro de recursos de Nairóbi. Mas o crime cibernético e a intimidação contra as quenianas aumentam. Foto: David Njagi/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 3/2/2014 – Quase nada impede a experiente política queniana Rachael Shebesh de promover os direitos das mulheres. Só o que esta representante das mulheres no Conselho de Nairóbi evita é incentivá-las nas redes sociais. Como todas as mulheres ligadas à tecnologia no Quênia, esta aguerrida legisladora não ficou à margem do ciberespaço. Shebesh sofreu ataques degradantes sugerindo que é uma feminista “não adequada para a liderança”, e também recebeu comentários cheios de insinuações sexuais nas redes sociais.

O escritório do diretor de Juizados Públicos do Quênia reconhece que as mulheres vítimas de crimes cibernéticos e assédio raramente denunciam seus casos. “A ciberdelinquência (e o assédio) está tomando todos por alvo. Sou uma política e sei que nos tomam por objetivo, e é por isso que me mantenho fora das redes sociais”, disse à IPS.

De acordo com a Rede Queniana para a Ação pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (KICTANet), o crime cibernético e o assédio digital contra as mulheres aumenta no Quênia. A rede está integrada por pessoas e instituições vinculadas com as tecnologias da informação e da comunicação (TIC).

A KICTANet disse que isto envolve incidentes pela internet de assédio sexual, persistentes mensagens de texto abusivas, tráfico sexual e comentários humilhantes que reforçam os estereótipos de gênero. Também houve casos de sabotagem profissional, roubo de identidade, fotografias e vídeos íntimos, que depois foram usados para chantagear mulheres.

“Estes fatos seguem lado a lado com falta de conhecimento dos riscos nas redes por parte de mulheres e meninas”, afirma o informe Mulheres e Crime Cibernético: O Lado Escuro das TIC, divulgado em abril de 2013 pela rede. O Quênia carece de uma legislação que controle o crime na internet.

No ano passado, o Business Daily Africa informou que a cibersegurança do país era uma das mais baixas do mundo. O informe acrescenta que os especialistas eram capazes de “interceptar tráfego de vozes (através de celular) e de obter senhas temporárias para alguns assinantes, revelando o alto nível de exposição”.

Atualmente, as leis quenianas não punem eficazmente os crimes cibernéticos e o discurso de ódio pela internet. É por isso que o Comitê Diretor do Fórum de Governança do Quênia defende a aprovação do projeto de lei sobre Crimes Cibernéticos e Crimes Relacionados com Computadores, que será apresentado em março ao parlamento.

A presidente deste comitê, Alice Munyua, afirmou à IPS que se prevê que a legislação proteja todos os quenianos, mas que é preciso proteger especificamente as mulheres. “O crime cibernético afeta as mulheres de modo diferente. O projeto deveria conter algumas cláusulas abordando especificamente como o crime na internet afeta a população feminina”, ressaltou.

Porém, nem todos estão convencidos de que o Quênia possa aprovar essa legislação. A Comissão de Comunicações do Quênia, agência encarregada de redigir o projeto, se nega a compartilhar seus detalhes com o público. Além disso, a Associação Internacional de Mulheres em Rádio e Televisão (IAWRT) acredita que o Quênia deveria primeiro participar das negociações para estabelecer a Convenção da União Africana sobre Cibersegurança, que cobre assuntos de transações eletrônicas, proteção de dados pessoais e combate ao crime cibernético.

Segundo a entidade, uma vez que os países africanos sejam signatários da Convenção estarão obrigados pelo direito internacional a implantar sua própria legislação. “Espera-se que a Convenção sirva como projeto e que guie os passos para que sejam desenvolvidas legislações sobre ciberseguraça”, disse à IPS o vice-presidente da IAWRT, Grace Gitaiga. Ele disse que originalmente se tentou assinar a Convenção este mês, mas que o processo foi adiado até junho devido ao caso contra os governantes do Quênia no Tribunal Penal Internacional (TPI)

O presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, e seu vice, William Ruto, são acusados pelo TPI de crimes contra a humanidade ocorridos durante as disputadas eleições de 2007. O julgamento de Ruto já está em andamento e o de Kenyatta foi adiado. Mas o Serviço de Polícia do Quênia insiste que a ciberviolência contra as mulheres seja classificada como um crime grave.

“Os funcionários são treinados em ciberinvestigação no Departamento de Investigações Penais, e estão bem equipados para lidar com os casos”, disse à IPS Marcela Wanjiru Andaje, a superintendente da polícia encarregada dos controles comunitários, proteção de gênero e infância. Porém, o escritório queniano do diretor de julgamentos públicos reconheceu que as mulheres vítimas de crimes cibernéticos e assédio raramente fazem denúncia. O escritório recebe mais casos de pornografia infantil do que de crime pela internet e intimidação contra mulheres.

Shebesh acredita que as agências governamentais como a Comissão de Comunicações do Quênia e o Serviço de Polícia podem conter facilmente este crime emergente. Mas, afirmou, o processo de buscar justiça demora muito. “Atualmente, se quiser pegar alguém que abusou de você pelas redes sociais, pode fazê-lo. Mas é preciso passar por um processo muito complicado para as quenianas comuns, por isso, em geral, o abandonam”, acrescentou. Envolverde/IPS