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O sexismo como arma política na Tailândia

 

Os protestos políticos na Tailândia derivaram em violência de gênero contra a primeira-ministra. Foto: Kalinga Seneviratne/IPS
Os protestos políticos na Tailândia derivaram em violência de gênero contra a primeira-ministra. Foto: Kalinga Seneviratne/IPS

 

Bangcoc, Tailândia, 30/1/2014 – Supaa Prordeengam, uma empresária de 48 anos, participou das manifestações contra o governo que acontecem na capital da Tailândia há quase três meses. Porém, se desiludiu com os discursos sexistas que emanavam das plataformas políticas de protesto. Agora exorta os opositores a terem espírito crítico e “não invadir os direitos das mulheres”. O alvo favorito dos ataques é a primeira-ministra Yingluck Shinawatra.

A oposição usa todo tipo de apelidos para se referir a ela. Yingluck, de 46 anos, é líder do Partido Pheu Thai e a primeira mulher a governar o país. Foi isto que chamou à reflexão Supaa, oriunda de Samut Sajon, província que limita com a capital do país. Ela esteve em Bangcoc para se unir a dezenas de milhares de manifestantes nas ruas e no Blue Sky, o canal de televisão que apresenta os pontos de vista do opositor Partido Democrata. “Os discursos são muito fervorosos. Mas não é correto falar sobre assuntos sexuais”, disse à IPS.

Muitos como ela são testemunhas de como o protesto original – contra a corrupção no governo, o abuso da maioria parlamentar e a falta de respeito com o reverenciado monarca do país, Bhumibol Adulyadej – se transformou em demagogia. Os que elaboram os discursos pertencem à classe educada da Tailândia, aproveitada por Suthep Thaugsubana, ex-vice-presidente do Partido Democrata e líder dos agitadores nas ruas. O veterano político tem o olhar voltado para os membros desse setor da população para que integrem seus não eleitos “conselhos populares”, que ele acredita deveriam governar o país durante pelo menos um ano.

As declarações abertas nas manifestações em Bangcoc, bem como o caloroso aplauso que recebem, incentivam um exame de consciência neste reino do sudeste asiático a propósito do fantasma do sexismo em uma paisagem política dominada por homens. Demorou, mas as principais organizações de defesa dos direitos femininos finalmente quebraram o silêncio.

“Quando uma rede de grupos pelos direitos das mulheres divulgou uma declaração denunciando um médico por seus ataques sexistas contra a primeira-ministra, admito que me senti bastante aliviada”, escreveu Sanitsuda Ekachai, colunista de justiça social no Bangkok Post, publicado em inglês. A julgar por seus comentários semanais, sem dúvida ela não é fanática pelo governo de Yingluck. “Durante muito tempo me perguntei por que as organizações dos direitos femininos ficaram caladas em relação à série de acusações degradantes e sexistas feitas contra a senhora Yingluck por vários detratores”, afirmou.

Entre os poucos grupos que se expressaram a respeito está a Coalizão de Democracia e Direitos de Diversidade Sexual, que critica o “uso da linguagem sexista, misógina” como arma política. “A continuação desta retórica de violência, discriminação e ódio não pode ser permitida”, alertou em um comunicado.

O fato de Yingluck ser a primeira mulher a liderar o país serviu para as feministas tailandesas enfrentarem a realidade. Os defensores dos direitos das mulheres praticamente a ignoraram quando levou o Partido Phue Thai a uma esmagadora vitória nas eleições gerais de julho de 2011, nas quais, com 44 anos, se converteu na primeira-ministra mais jovem em 60 anos.

Sua vitória, afirmavam na época, não foi resultado de seu próprio trabalho, mas das maquinações de seu irmão mais velho, Thaksin Shinawatra, ex-primeiro-ministro eleito duas vezes que foi deposto em um golpe militar em setembro de 2006. As declarações de Thaksin, que vive em um autoexílio para evitar passar dois anos na prisão por corrupção, não ajudaram. Quando fez com que sua irmã abandonasse a carreira de empresária e a nomeou à frente do Phue Thai, semanas antes das eleições, declarou publicamente que a mais nova da família era seu “clone”.

A típica exibição de arrogância de Thaksin desagradou as organizações feministas, em sua grande maioria com sede em Bangcoc e conhecidas por sua proximidade com os democratas, que não conseguem uma maioria parlamentar em 20 anos. “Como podemos estar orgulhosos? Todos sabem que se trata de Thaksin”, escreveu uma importante figura do Instituto de Pesquisa sobre Gênero e Desenvolvimento em uma matéria publicada sob o título A primeira mulher primeira-ministra da Tailândia não é nenhuma vitória para o feminismo.

“Cabe destacar que, enquanto muitas importantes feministas tailandesas são, no melhor dos casos, fracas, ou, no pior, depreciativas da repentina ascensão de Yingluck ao poder, os homens parecem mais dispostos a não revelar sua opinião nesta etapa”, escreveu então Kawemala, uma blogueira que analisa assuntos sociais, dizendo que a primeira-ministra conta com mais apoio masculino do que feminino.

Em agosto passado, quando completou seu segundo ano no poder, Yingluck era elogiada por um estilo de liderança de não confronto e consultivo, e por ter conseguido uma sensação de normalidade nas ruas de Bangcoc. Na época foram feitas comparações entre sua administração e a que a precedeu, um governo de coalizão liderado pelos democratas, que chegaram ao poder mediante um acordo de bastidores urdido pelas poderosas forças armadas.

O governo democrata se viu manchado pelo sangrento enfrentamento ocorrido em maio de 2010 nas ruas da capital, entre manifestantes favoráveis a Thaksin e os militares, que deixou 91 mortos, pelo menos 80 deles civis, e mais de dois mil feridos. Por outro lado, o assediado governo de Yingluck evitou uma resposta dura, permitindo que os manifestantes que queriam derrubá-la sitiassem muitos prédios do governo. Confrontos com a polícia antidistúrbios enfrentamentos entre agitadores e partidários do governo, disparos esporádicos e granadas lançadas em locais de protestos causaram nove mortes e 550 feridos desde novembro.

No entanto, o que realmente difere do confronto de 2010 é a “guerra sexista”, talvez reflexo da crescente frustração dos agitadores e um novo ponto negativo na crise política que tem dividido o país desde o golpe de 2006. Pavin Chachavalpongpun, acadêmico tailandês no Centro para o Sudeste Asiático da Universidade de Kyoto, no Japão, declarou à IPS que “o sexismo prevalece na Tailândia há muito tempo, mas ultimamente se tornou parte de práticas políticas e se intensificou desde que Yingluck se converteu em primeira-ministra. Nunca vi nada como isso, nesse nível”. Envolverde/IPS