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OMC, presente de grego para um latino-americano

Roberto Carvalho de Azevêdo (E) e Herminio Blanco são os dois finalistas na corrida para dirigir a OMC. Foto: OMC e Pepe Ocadiz CC BY-SA 3.0

Genebra, Suíça, 30/4/2013 – O intrincado desafio de revigorar a prostrada Organização Mundial do Comércio (OMC) e o sistema multilateral de intercâmbios que governa recairá nos próximos quatro anos, e pela primeira vez, sobre uma figura latino-americana. Os 159 Estados-membros da OMC escolherão entre o brasileiro Roberto Carvalho de Azevêdo e o mexicano Herminio Blanco, os únicos candidatos à direção geral da instituição que superaram o complexo processo de seleção iniciado no dia 1º de dezembro.

A decisão entre ambos será conhecida no dia 8 de maio, mas somente será anunciada formalmente no dia 31 do mesmo mês. O atual diretor-geral da OMC, o francês Pascal Lamy, concluirá seus dois mandatos consecutivos, iniciados em 2005, em 31 de agosto. No dia seguinte tem início a gestão de seu sucessor. Lamy deixa inconclusas as negociações da Rodada de Doha, que impulsionou com protagonismo em 2001, quando era comissário de Comércio da União Europeia (UE).

Após oitos anos do político francês na condução da instituição, o sistema multilateral também aparece debilitado pela proliferação de acordos comerciais bilaterais e plurilaterais, estimulados em sua maioria pelas nações industrializadas. Atrás desses fracassos na abertura equilibrada dos fluxos de comércio internacional está, como ocorre desde a criação da OMC, em 1955, a reticência dos países do Norte em atender as necessidades de desenvolvimento das nações do Sul.

Tais diferenças são patentes nestes dias de negociações realizadas na OMC com a intenção de se chegar a um modesto acordo que cubra as aparências em sua próxima conferência ministerial, entre 3 e 6 de dezembro em Bali, na Indonésia. Os países industrializados pretendem progressos em facilitação do comércio, no sentido de acelerar os trâmites fronteiriços. As nações em desenvolvimento se mostram cautelosas, pois temem que um acordo nesse setor apenas aumente suas importações sem favorecer suas vendas externas.

Reclamações de longa data, como tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento, um regime especial de comércio para os menos avançados e disposições para paliar os efeitos da crise alimentar, tropeçam novamente com dificuldades na discussão do rascunho de acordo com vistas à reunião de Bali. Estas dificuldades, que entorpecem as negociações comerciais, aparentemente ainda não se refletiram no processo de escolha do novo diretor-geral da OMC.

Outros sete candidatos de diferentes origens foram descartados nas fases iniciais de seleção. A primeira etapa deixou pelo caminho Alan John Kwadwo Keyrematen, de Gana, Anabel González, da Costa Rica, Amina Mohamed, do Quênia, e Ahmad Hindawi, da Jordânia. Com a segunda etapa, na semana passada, foram retiradas as candidaturas de Mari Pangestu, da Indonésia, Tim Groser, da Nova Zelãndia, e Taeho Bark, da Coreia do Sul.

Nas duas figuras que disputam a condução da OMC, o brasileiro Azevêdo e o mexicano Blanco, pode-se identificar os dois blocos, de países industrializados e em desenvolvimento, com interesses comerciais contrapostos.

Blanco se orgulha de sua formação acadêmica na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, foco de disseminação das ideias econômicas neoliberais que predominaram em grande parte do mundo nas últimas décadas do século passado. Integrou o núcleo desta corrente que governou o Partido Revolucionário Institucional e, por fim, o México, entre 1985 e 2000.

Porém, o mais significativo de sua imagem é sua participação como chefe-negociador, entre 1990 e 1993, do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1994. Embora não tenha experiência prática nas questões da OMC, se dá como certo que Blanco se beneficiará do apoio de seus sócios do TLCAN, Estados Unidos e Canadá, e da influência que estes possam exercer no resto do mundo.

Por sua vez, Azevêdo demonstrou sua habilidade de negociador na OMC, onde lidera o Grupo dos 20 países afins em questões de abertura do comércio agrícola. O brasileiro obteve destacadas vitórias em dois pleitos que o Brasil venceu nos tribunais da instituição, em um caso contra os Estados Unidos, por subvenções sobre o algodão, e contra a União Europeia, por proteções similares ao açúcar.

Sobretudo, o capital da candidatura de Azevêdo se assenta na política externa do Brasil na última década, em sua posição de nação emergente, junto a Rússia, Índia, China e África do Sul (o bloco Brics) e sua abertura aos demais países em desenvolvimento de todos os continentes.

Seja quem for o escolhido, encontrará uma OMC paralisada e com dissensões que são obstáculos a entendimentos. A última mostra disso se ocorreu no dia 24 deste mês, quando um grupo de especialistas apresentou o informe intitulado O Futuro do Comércio: Os Desafios da Convergência. A constituição desse grupo, uma decisão exclusiva de Lamy, foi questionada por governos e organizações não governamentais.

Durante a apresentação, Deborah James, da rede Nosso Mundo Não Está à Venda (OWINFS), criticou o fato de no grupo de especialistas não haver representantes dos países menos avançados e apenas um africano e um latino-americano. Os demais procediam quase todos de nações industrializadas e do setor empresarial, enquanto havia uma única representante do mundo sindical. A ativista afirmou que o documento parecia redigido pela Secretaria da OMC e que vários participantes do painel se queixaram de que seus comentários não foram considerados no texto final.

Sanya Reid Smith, também da rede OWINFS, afirmou que o informe sustenta que o comércio é um meio, não um fim, o que faz presumir que para os países pobres o desenvolvimento é o fim. É curioso, então, que o documento repita que deve haver “convergência de regimes comerciais, mas não fala de convergência de níveis de desenvolvimento”, acrescentou.

Por sua vez, Jürgen Thumann, presidente da BusinessEurope, uma organização que representa 20 milhões de empresas de 35 países, se mostrou descontente pelas intervenções das representantes da OWINFS. A “estas duas jovens mulheres, uma ruiva e a outra de cabelo preto, segundo vejo daqui, quero pedir que sejam um pouco mais tolerantes no futuro e mostrem um pouco mais de respeito”, enfatizou Thumann.

James apontou à IPS que os comentários de Thumann mostraram a BusinessEurope, sua organização, como intolerante diante das opiniões do público, além de sexista e discriminatória em razão da idade. “Seu tom insultante reflete a falta de transparência e de sentido de inclusão do grupo escolhido por Lamy para redigir o informe”, destacou.

O clima reinante na OMC se complica pelas notícias procedentes do mundo econômico. A crise repercute nas políticas comerciais da grande maioria de membros do sistema comercial. A Secretaria da instituição, que em seus primeiros anos se mostrava satisfeita com os crescimentos anuais de dois dígitos do comércio mundial, agora reconhece a retração. Já no ano passado, o crescimento do comércio, de 2%, havia caído bruscamente em relação a 2011, quando chegou a 5,2%. Para esse ano, a previsão é um aumento de 3,3%, inferior à média das últimas duas décadas, que ficou em 5,3%. Envolverde/IPS