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ONGs pedem ao Banco Mundial mais mudanças em informes sobre negócios

Operários na fábrica da One World Apparel, em Porto Príncipe, confeccionam roupas para exportação. Foto: Ansel Herz/IPS
Operários na fábrica da One World Apparel, em Porto Príncipe, confeccionam roupas para exportação. Foto: Ansel Herz/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 29/8/2014 – Dezoito organizações não governamentais e sindicatos de todo o mundo pediram ao Banco Mundial que reforce uma série de mudanças que a instituição aplicará em seu informe anual sobre as facilidades que o setor privado tem para fazer negócios em cada país.

O Banco Mundial está nas fases finais da atualização de seu informe Doing Business (Fazendo Negócios), uma das análises mais influentes dessa instituição com sede em Washington e que também é uma das mais polêmicas. A primeira rodada de alterações, programada para entrar em vigor em outubro, é insuficiente, segundo seus críticos.

No dia 25, as 18 ONGs solicitaram ao Banco Mundial que tome “medidas urgentes” para implantar “mudanças significativas” à reforma do Doing Business. Em particular, pediram ao Banco Mundial que leve mais em conta as minuciosas recomendações feitas em 2013 por uma comissão de revisão externa, encomendada pelo próprio banco e presidida por Trevor Manuel, ex-ministro de Planejamento e Finanças da África do Sul.

“Parece que serão ignorados os defeitos que a comissão independente encontrou e suas recomendações estão longe de serem implantadas, embora tenham apoio de um amplo coro de organizações da sociedade civil e de acionistas”, destacou Aldo Caliari, diretor do Projeto Repensar Bretton Woods no Center of Concern, uma organização católica dedicada à pesquisa e com sede em Washington.

Embora a missão do Banco Mundial seja a luta contra a pobreza no planeta, Caliari e outros discutem se os indicadores do informe Doing Business são adequados para os países pobres, enquanto outras vozes garantem que são francamente prejudiciais. Estudos da sociedade civil e da comissão comandada por Manuel assinalaram “a escassa relevância que têm os indicadores para as reformas que importam às pequenas e médias empresas nos países em desenvolvimento”, segundo Caliari. “Parecem mais voltados a apoiar as operações das grandes empresas transnacionais nesses países”, acrescentou.

O informe Doing Business ganhou um peso enorme no Sul em desenvolvimento desde que começou a ser editado, em 2003, e acredita-se que seja utilizado como texto de referência por 85% dos responsáveis políticos do mundo. O núcleo do informe continua sendo um ranking de países, conhecido como o índice de Facilidade para Fazer Negócios, que se baseia em uma complexa série de indicadores relativos às facilidades para as empresas.

O alto perfil do índice leva inevitavelmente à competição dos governos para subirem na classificação e, assim, atrair o investimento estrangeiro. Mas uma consequência direta desta competição é que os governos devem cumprir um conjunto uniforme de recomendações, como a redução de impostos e salários e o debilitamento geral das normas que regulam o setor privado, o que coloca em risco os pobres, afirmam seus críticos.

“A função do relatório é informar à política, não expor uma posição normativa, como fazem os rankings”, escreveram as 18 ONGs ao presidente do Banco Mundial, Jim Kim, no dia 29 de julho. O Doing Business deve apontar para um desenvolvimento dirigido e decidido pelos próprios Estados e apreciar “a importância das circunstâncias, a etapa de desenvolvimento e as opções políticas” de cada país, acrescentaram as entidades.

Em suas recomendações de junho, a comissão Manuel exortou o Banco Mundial a abandonar o sistema de ranking. “É a decisão mais importante que o banco enfrenta com relação ao informe Doing Business”, afirmou. Em resposta, o Banco Mundial está reformando a metodologia de sua classificação, o que inclui a ampliação de sua análise para utilizar os dados de duas cidades na maioria dos países, e não apenas uma como fazia antes. Em termos gerais, o banco continuará oferecendo uma pontuação relativa para cada país, mas reduzirá a importância da classificação específica.

“Este enfoque proporcionará aos usuários informação adicional, ao mostrar as distâncias relativas entre as economias nas tabelas de classificação”, diz um anúncio de abril sobre as mudanças. “Ao destacar onde se aproximam as pontuações das economias, o novo enfoque reduzirá a importância da diferença no ranking. Ao revelar onde as distâncias são relativamente maiores, serão reconhecidos os governos que aplicam reformas que ainda não são vistas nas mudanças no ranking”, acrescenta o anúncio.

Alguns acadêmicos criticaram as recomendações da comissão Manuel. “O informe Doing Business não é um exercício de investigação. É uma ferramenta de formulação de políticas, porque a classificação tem um valor singular, em particular para os países que têm um longo caminho a percorrer na reforma econômica”, pontuou à IPS o pesquisador Scott Morris, do Centro para o Desenvolvimento Global, uma organização com sede em Washington. “É um exercício de relações públicas, mas com indicadores razoavelmente sólidos que o fundamentam, e é a fusão destas duas coisas que faz o Doing Business ter valor no mundo da política”, acrescentou.

Entretanto, outros alertam que os rankings são problemáticos em si mesmos, ainda que com mudanças. As reformas “não são satisfatórias, já que os rankings seguirão influenciando a agenda política de muitos países em desenvolvimento, apesar de suas falhas metodológicas”, apontou, por e-mail, Tiago Stichelmans, analista da Rede Europa sobre Dívida e Desenvolvimento.

“O problema dos rankings é o fato de se basearem em medidas de regulamentação em uma só cidade para todos os países e, portanto, são irrelevantes para muitas comunidades. Também têm um viés a favor da desregulamentação, que tem um impacto limitado no desenvolvimento”, acrescentou Stichelmans.

“Passar da promoção das taxas tributárias baixas e da desregulamentação trabalhista para a criação de empregos dignos seria um passo na direção correta”, ressaltou Stichelmans. Algumas ONGs propõem a inclusão de indicadores de corrupção e direitos humanos, “mas isto deve estar acompanhado de uma modificação drástica do informe”, concluiu. Envolverde/IPS