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A ONU resolve investigar atrocidades na guerra do Sri Lanka

Sala do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Foto: Jean-Marc Ferré/ONU
Sala do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Foto: Jean-Marc Ferré/ONU

 

Genebra, Suíça, 1/4/2014 – Os cruentos episódios que marcaram o fim da guerra civil no Sri Lanka, entre forças governamentais e insurgentes separatistas tamis, serão submetidos a uma investigação internacional independente, decidiu, no dia 27, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). As graves violações denunciadas por organismos da ONU são atribuídas aos dois lados e incluem os abusos durante o período final das ações bélicas e depois da vitória do governo, em maio de 2009.

“Quase cinco anos depois, as vítimas ainda aguardam justiça e prestação de contas”, resumiu à IPS a diretora da organização Human Rights Watch em Genebra, Juliette de Rivero. “Faltam respostas sobre as mortes de mais de 40 mil civis nos últimos meses de combates, e sobre seis mil desaparecimentos forçados”, afirmou. Colombo rechaçou a resolução da ONU por entender que afeta a soberania do povo cingalês e os valores essenciais da Carta da ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos princípios básicos do direito que consagram a igualdade entre os povos.

A decisão foi adotada por 23 votos contra 12 e 12 abstenções, e tampouco agradou totalmente os dirigentes tamis que acompanharam os debates nesta cidade da Suíça, sede do Conselho. “Nem o informe apresentado pelo Conselho à Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, nem o texto da resolução aprovada, dizem sobre deter o genocídio atualmente em curso contra a nação tamil”, disse à IPS um desses dirigentes, Visvalingam Manivannan.

“Acreditamos que isso só pode ser alcançado com o estabelecimento no país de uma administração transitória promovida pela ONU e sob a tutela de seu Conselho de Segurança”, afirmou Manivannan, representante da organização não governamental Vigneshvssu VssuVssu, com status consultivo em agências da ONU.

O caso do Sri Lanka é atípico no Conselho de Direitos Humanos pelos alinhamentos que provocou nos 47 Estados que formam esse órgão da ONU. O projeto de resolução foi patrocinado pelos Estados Unidos, com apoio de Grã-Bretanha, Macedônia, Maurício e Montenegro, com forte apoio nos debates dos países da União Europeia. Junto com o próprio Sri Lanka, a voz principal dos contrários à resolução foi do Paquistão, com sonoro apoio de China e Rússia. Desta vez, Colombo perdeu o apoio de três importantes nações asiáticas: Índia, Indonésia e Japão, que se abstiveram na votação.

A divisão Norte-Sul que ainda persiste no Conselho, bem como em outros organismos multilaterais, ficou clara neste caso. Dos 13 votos africanos, três favoreceram o Sri Lanka, quatro os Estados Unidos e os outros seis se abstiveram, inclusive África do Sul. Entre os latino-americanos não houve meio termo. Cuba e Venezuela votaram contra e defenderam os argumentos de Colombo. Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, México e Peru se alinharam com Washington. “Fizemos para acabar com a impunidade”, justificou à IPS um diplomata de um desses países.

O representante do Sri Lanka, embaixador Ravinatha Arayasinha, tirou outra conclusão. Ao somar o 24 Estados que se abstiveram ou se opuseram, “uma maioria dos 47 membros do Conselho deixou claro que não apoiam as ações dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e dos copatrocinadores da resolução para impor o mecanismo de investigação internacional”, afirmou.

A resolução do Conselho recordou que a Alta Comissária havia determinado na conclusão de seu informe que os mecanismos nacionais de justiça e direitos humanos do Sri Lanka fracassaram sistematicamente na obrigação de estabelecer a verdade e obter justiça. Por esse motivo, o Conselho acolheu incondicionalmente a recomendação de Pillay para que se estabeleça um mecanismo internacional de investigação que indague mais a fundo as violações dos direitos humanos.

Um dirigente da Frente Popular Nacional Tamil (TNPF), Gajendrakumar Ponnampalam, disse que a gravidade dos abusos ocorridos durante o conflito no Sri Lanka exige que ao menos seja feita uma investigação internacional confiável. “Esses abusos requerem um processo judicial no Tribunal Penal Internacional ou em um tribunal especial”, ressaltou à IPS.

Um grupo de especialistas designado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, concluiu que forças do governo estiveram envolvidas em abusos generalizados, incluídos bombardeios indiscriminados de civis, execuções sumárias e violações de mulheres.

A guerra civil nesse país, ao sul da Índia, entre 1983 e 2009, deixou um saldo de 80 mil a 100 mil mortos, na luta entre o exército cingalês e os combatentes separatistas que pretendiam instalar um Estado tamil no norte da ilha. O conflito terminou quando morreu em combate Velupillai Prabhakaran, o líder dos Tigres para a Libertação da Pátria Tamil-Eelam. Os separatistas Tigres para a Libertação da Pátria Tamil-Eelam foram acusados de capturar civis para usá-los com escudos humanos, de usar crianças como soldados e assassinar famílias que tentavam fugir das conflagrações.

A resolução do Conselho também exorta o governo do Sri Lanka a realizar uma investigação independente e confiável das denúncias e a pôr fim às violações e aos abusos dos direitos humanos no país.

Ponnampalam afirmou que “está em marcha um genocídio realizado pelo Estado cingalês, com o objetivo de ‘destamilizar’ o Sri Lanka. Qualquer projeto de reconciliação deve incluir a nação tamil, minoritária na ilha, e a maior da nação cingalesa”. Porém, “a nação cingalesa não tem intenção de se reconciliar com a nação tamil e só quer assimilá-la em sua visão de um Sri Lanka budista cingalês”, pontuou o dirigente. De fato, atualmente, “a única saída para o povo tamil no Sri Lanka é a fuga do país ou a assimilação”, ressaltou. Envolverde/IPS