“A mídia está, como sempre, sonorizando as vozes dos grupos de poder que a sustentam. Não há esclarecimento público sobre a questão da divisão do Estado do Pará”, avalia o professor e jornalista Manuel José Sena Dutra.
Ao avaliar o plebiscito pelo “sim” ou pelo “não” da divisão do Estado do Pará, que ocorrerá no dia 11 de outubro, Manuel José Sena Dutra, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, acredita que há uma grande indiferença quanto ao plebiscito. Na verdade, para ele as pessoas estão mais preocupadas com seu dia a dia, com a violência que ameaça a população de Belém e do interior do Estado, as migrações, etc. “Por isso, imagino que haverá uma grande abstenção no dia na consulta popular. Quanto aos resultados, são uma incógnita, tanto para os favoráveis como para os contrários. As pesquisas publicadas até agora são visivelmente viciadas e inautênticas para os dois lados.” E questiona: permanecendo a atual situação, de um Pará “unido”, haverá mais igualdade? Haverá mais honestidade no trato do dinheiro público? Há riscos, sim, para os novos Estados. Porém, onde, em que Estado do país não há desmandos?
Manuel José Sena Dutra é jornalista profissional. Detentor de três Prêmios Esso Região Norte. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, especialização em Educação Ambiental pelo Núcleo de Meio Ambiente (Numa) da Universidade Federal do Pará (UFPA), mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pela UFPA e doutorado em Ciências Socioambientais pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA, com disciplinas cursadas em programa interinstitucional com a Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom) e estágio doutoral no Centro de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). É autor, entre outros, de O Pará dividido: discurso e construção do estado do Tapajós e A natureza da mídia: os discursos da TV sobre a Amazônia, a biodiversidade e os povos da floresta.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais as principais razões para que o senhor seja favorável à criação do Estado do Tapajós. E Carajás?
Manuel José Sena Dutra – Em relação ao Tapajós, sou favorável porque se trata de uma demanda histórica, mais que secular. O desejo de autonomia faz parte da cultura de gerações de paraenses da banda Oeste do Estado. Quanto ao Carajás, sou solidário com a luta do Sudeste paraense, embora se trate de uma demanda historicamente recente.
IHU On-Line – De acordo com pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carajás e Tapajós seriam Estados inviáveis, pelo que demonstram cálculos econômicos. Como avalia a frase que diz que Tapajós e Carajás “serão Estados de boca aberta, esperando o dinheiro do governo federal”?
Manuel José Sena Dutra – O Estado brasileiro sempre foi avesso a qualquer alteração nos seus limites internos. O Ipea é um órgão do governo central, logo, ele é contra. A redução da demanda autonomista ao seu aspecto econômico e fiscal é um discurso de desqualificação dos objetivos do plebiscito. Adquirindo a autonomia, estas duas regiões amazônicas, Tapajós e Carajás, poderão dispor de maior poder de barganha junto ao governo central e assim conseguir os investimentos que o governo paraense nunca se interessou em buscar.
IHU On-Line – As propostas para dividir o Estado do Pará não são novas. Desde 1950, a pauta já existia. Quem se favorece com a criação dos Estados de Tapajós e Carajás?
Manuel José Sena Dutra – A demanda por autonomia não vem de 1950. Ela começou após 1850, quando o hoje Estado do Amazonas se separou do Pará. A cidade de Santarém, naquele tempo, possuía o mesmo status jurídico do Pará e do Amazonas, como Comarca que era. Isso alimentou o desejo das elites locais por autonomia. Mas foi em 1883 que se fundou, na cidade, uma entidade que se propunha a lutar pela separação do Pará, criando assim uma outra província, que se chamaria Província do Baixo Amazonas. De lá para cá o movimento nunca parou, embora com ímpetos distintos ao longo das décadas. Essa questão de favorecimento é parte dos argumentos contrários. Os Estados do Tapajós e do Carajás vão favorecer a Amazônia como um todo, uma imensa região mal representada no Congresso Nacional. Com os novos Estados, o “novo” Pará vai ficar com a maior parte da riqueza hoje existente e assim poderá resolver os gravíssimos problemas de uma região metropolitana, em torno de Belém, que hoje já se mostra uma cidade quase inviável e com enormes bolsões de pobreza extrema.
IHU On-Line – Quais os prejuízos com a criação dos dois novos Estados? E quem serão os prejudicados?
Manuel José Sena Dutra – Prejuízos o Oeste do Pará sofre agora, com a discriminação das elites de poder de Belém. Nos últimos 20 anos, o governo paraense vem boicotando a conclusão da BR-163, a Santarém-Cuiabá, o que impede o Oeste de ser um centro exportador do Brasil Central e da Zona Franca de Manaus.
IHU On-Line – Com a criação do Estado do Tapajós, como ficaria a situação da atual construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte?
Manuel José Sena Dutra – Não vejo como isso pode se alterar. Belo Monte é iniciativa do governo federal e não importa em que Estado se situe.
IHU On-Line – Em relação a agropecuária, população indígena e posse de terra, que tanto vêm afligindo o Estado com a criação de dois novos, como ficariam estas situações?
Manuel José Sena Dutra – Também não vejo como novos limites internos na Amazônia venham a alterar questões que estão na ordem da Constituição. Sejam quais forem os limites internos, essas questões serão sempre da alçada nacional, e não da responsabilidade direta de governos locais.
IHU On-Line – Existem circulando hoje no Congresso Nacional propostas para a criação de 13 novos Estados e Territórios. Caso todas se concretizem, teremos uma federação com 37 Estados, três Territórios e cerca de R$ 13 bilhões a mais de gastos. Como o senhor vê esta situação?
Manuel José Sena Dutra – Quando a Comarca de Curitiba decidiu se separar de São Paulo para formar a Província do Paraná, ou quando os amazonenses tomaram a decisão de se separar do Pará, mais ou menos à mesma época, os argumentos foram os mesmos. Não haveria recursos para tal. A questão é histórica: o poder central brasileiro nunca quis mexer nos limites internos. Na Constituição de 1824, o assunto foi levantado, mas o que ficou, no Brasil independente, foi uma configuração provincial parecida com a divisão do tempo das capitanias hereditárias. Se formos olhar para os Estados Unidos, lá o capitalismo exigiu racionalidade nos limites internos e isso foi feito sem traumas. No nosso país, do Império à República, são mais de 40 propostas de reorganização dos limites territoriais internos. Mas as oligarquias sempre impediram o debate.
IHU On-Line – Quais suas expectativas quanto ao plebiscito que será realizado no dia 11 de dezembro? Acredita que a população do Pará está consciente do papel que tem nas mãos?
Manuel José Sena Dutra – Creio que há uma grande indiferença quanto ao plebiscito. As pessoas estão é preocupadas com seu dia a dia, com a violência que ameaça a população de Belém e do interior do Estado, as migrações, etc. Por isso, imagino que haverá uma grande abstenção no dia na consulta popular. Quanto aos resultados, são uma incógnita, tanto para os favoráveis como para os contrários. As pesquisas publicadas até agora são visivelmente viciadas e inautênticas para os dois lados.
IHU On-Line – Como a mídia da região vem se posicionando com relação ao assunto? Acredita que a população do Pará está tendo acesso a informações variadas e conseguindo formar sua própria opinião crítica em relação à divisão?
Manuel José Sena Dutra – A mídia está, como sempre, sonorizando as vozes dos grupos de poder que a sustentam. Não há esclarecimento público sobre a questão. Há muito emocionalismo, tanto em Belém como nas duas regiões que desejam separar-se.
IHU On-Line – Como o governo tem reagido com relação à divisão? Tem algum posicionamento formal?
Manuel José Sena Dutra – O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), tem dito que agirá como “magistrado”. Ao mesmo tempo, incentiva forças políticas a darem início a uma campanha severa contra a divisão. Igualmente como está vorazmente cooptando lideranças políticas do Oeste e do Sudeste do Estado. O vice-governador Helenilson Pontes, que era separatista, agora se cala. O ex-vice, Odair Correa, está falando agora porque saiu do governo. Ambos são de Santarém e sempre foram adeptos da separação. O governo está agora prometendo investimentos no interior do Estado, com dinheiro que não existe, até porque o Estado não tem crédito. Por que esses investimentos não foram feitos antes, já que o interior paraense é uma chaga aberta de pobreza, tanto quanto as imensas periferias da capital?
IHU On-Line – O senhor afirma que “a criação do Estado do Tapajós será uma etapa no contexto de uma luta maior, luta amazônica e brasileira, contra a desigualdade e tudo que impede o país de deslanchar como uma democracia efetiva”. Acredita que, com a divisão, haverá mais igualdades que desigualdades?
Manuel José Sena Dutra – Não se pode resumir a presente jornada tão somente à institucionalização de novos limites estaduais. Da parte de alguns movimentos populares do Oeste paraense, solidários ao movimento, há toda uma pauta de reivindicações que não coincidem com as reivindicações das elites políticas tradicionais. Entre essas reivindicações está o desejo da participação da sociedade organizada na elaboração da constituição estadual.
IHU On-Line – Em sua opinião, qual o papel da informação e da imprensa para a consciência crítica da população, com sua consolidação no dia 11 de dezembro, com o plebiscito?
Manuel José Sena Dutra – Até agora, quase nenhum. Como disse, a mídia expressa o pensamento de grupos políticos que desejam encontrar novas formas de exercício do poder.
IHU On-Line – Com a divisão do Estado, o volume de área desmatada cresceria de 17,5% para 30,7%. O “novo” Pará também perderia seis das suas 13 bacias hidrográficas. Como analisa estes dados?
Manuel José Sena Dutra – As áreas desmatadas ou não terão o mesmo tamanho, independentemente dos limites estaduais. Com os novos Estados ou não, a questão ambiental sempre será uma decisão de âmbito nacional a partir do Congresso e do governo federal. Veja, por exemplo, os desvãos do Código Florestal.
IHU On-Line – Um dos comentários feitos pelas pessoas que se manifestam contra a divisão do Estado do Pará é o fato de que, com os dois novos Estados, haverá mais desigualdades, com maior número de políticos e verbas que pouco ou nada vão mudar a realidade dos nativos, causando apenas mais desigualdades. Como o senhor avalia essa informação?
Manuel José Sena Dutra – Permanecendo a atual situação, de um Pará “unido”, haverá mais igualdade? Haverá mais honestidade no trato do dinheiro público? Você deve ter lido sobre o que ocorre na Assembleia Legislativa do Pará atualmente: uma verdadeira casa de horrores, tantos são os atos de corrupção. Igualdade, o combate à corrupção e a busca de um Brasil mais equânime podem ser objetivos de Estados autônomos, mas a decisão será sempre nacional, de todos os brasileiros a exigir mudanças nas leis penais, pondo fim aos privilégios dos poderosos que raramente são alcançados pela lei e pela cadeia. Há riscos, sim, para os novos Estados. Porém, onde, em que Estado do país não há desmandos?
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.