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Outra Espanha em busca de uma economia com rosto humano

Málaga, Espanha, 31/1/2013 – A crise econômico-financeira que afeta a Espanha incentiva, como resposta alternativa, projetos educacionais como a Okonomia, uma escola que busca gerar conhecimentos e critérios sobre gestão de finanças pessoais e comunitárias.

“A situação está pedindo aos gritos: é porque não há trabalho, ficamos em casa e as economias se vão, que devemos empoderar as pessoas diante do sistema econômico”, disse à IPS o ativista Raúl Contreras, um dos promotores desta escola que em fevereiro abrirá sua primeira sede no multicultural bairro de Benimaclet, na cidade de Valência.

Economista e responsável pela empresa Nittúa, Contreras alertou para o sentimento de impotência e medo de muitas pessoas que não compreendem o funcionamento da economia e como ela as afeta, por isso são, em sua opinião, mais manipuláveis.

“A dívida, a falta de compreensão e o medo, em alguns casos provocados, levam a erros, angústias e situações difíceis que poderiam ser evitadas se houvesse maior conhecimento e critério no momento de decidir”. Isto é o que se lê na página da Nittúa na internet, que apoia este projeto

Uma em cada quatro pessoas em idade de trabalhar e querendo fazê-lo está desempregada na Espanha, onde diariamente são executados dezenas de despejos de moradias por falta de pagamento, enquanto as medidas do governo de Mariano Rajoy para enfrentar a crise trazem corte nos serviços básicos como saúde e educação.

Centenas de milhares de pessoas foram afetadas na Espanha pela comercialização das chamadas “participações preferenciais” (mecanismos financeiros com pagamentos de juros sujeitos ao lucro da entidade emissora) e outros produtos de poupança que os bancos venderam aos seus clientes oferecendo informação enganosa e viciada.

A Okonomia, que neste seu início acontece por uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo), está integrada por profissionais da área econômica e da educação, que se reúnem em grupos de trabalho com alunos que terão um papel multiplicador ao divulgarem o conhecimento adquirido em seu entorno mais próximo.

“A escola não vai resolver os problemas das pessoas, mas proporcionará uma caixa de ferramentas para facilitar a tomada de decisões a cada uma delas segundo suas necessidades”, explicou Contreras, destacando o caráter transversal que a economia solidária tem neste projeto que enfatiza as alternativas sustentáveis.

Embora para este economista a economia “tem o sobrenome de solidária”, Contreras esclarece que a escola não pretende doutrinar neste sentido, mas incluir dentro do leque de possibilidades a escolha de alternativas econômicas com o banco ético, o consumo responsável, o comércio justo e o cooperativismo.

“Grande parte da sociedade se deu conta de que é preciso ensinar economia de outra maneira”, declarou à IPS o professor Carlos Ballesteros, da matéria comportamento do consumidor na Universidade Pontifícia de Comillas, em Madri. E acrescentou que “99% das escolas de negócio do mundo não se livram do modelo neoliberal”, baseado no lucro e na maximização do lucro.

Ballesteros pontuou que a Okonomia também é uma tentativa de sistematizar e coletar conhecimento sobre as práticas da economia solidária, por isso pode ser útil para quem quer trabalhar nessa área, ao mesmo tempo em que se dirige à sociedade em seu conjunto com um trabalho de divulgação e de mensagem de que “a economia é responsabilidade de todos”.

As aulas na Okonomia são presenciais, cada 15 dias, e duram seis meses. Sua metodologia se baseia nas diretrizes da educação popular do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), que tem como lema “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar a possibilidade de produzi-lo”.

Em cada sessão se apresenta um tema e se apresenta material para a reflexão. “O aprendizado é coletivo, não se trata de aulas magistrais, mas de diálogo e interação”, destacou Contreras. As conclusões geradas nas diferentes sessões serão publicadas em uma pagina da Internet e em uma intranet para ser a base de resultados da escola e conseguir uma espécie de “Wikipédia da economia da rua”, afirmou.

O economista Arcadi Oliveres, um dos mentores da Okonomia, aprova este projeto por se “tratar de difundir as raízes da economia e porque estamos muito enganados sobre o que acontece”. Oliveres, professor titular do departamento de economia aplicada da Universidade Autônoma de Barcelona, acredita que “a cidadania não se dá conta de que há alternativas ao sistema econômico tradicional” e pediu que esta seja crítica e consciente para tomar decisões.

À margem do que possam fazer os mercados financeiros e os governos, os cidadãos também intervêm no mundo das finanças e tributação e devem ser conscientes do consumo irresponsável que às vezes realizam ou se o dinheiro que depositam patrocina atividades de empresas que prejudicam o meio ambiente, disse o economista.

Contreras concorda que “temos de começar a nos perguntar o que ocorre com nosso dinheiro e aprender a ter o controle de nossas economias: o que faço com minha poupança, onde depósito e por que”. Insistiu que a escola pretende que a cidadania “compreenda e que depois tome decisões, com liberdade, mas com consciência”.

O especialista enfatizou que ainda não localizou em outros países nenhum projeto semelhante à Okonomia, que reúne a metodologia inspirada em Paulo Freire com métodos de inovação social, uma ideia que poderá ser replicada fora da Espanha “com a ajuda do tecido associativo de bairros e cidades”. Envolverde/IPS