Para saber tudo o que está no cardápio

Dizer que, hoje em dia, todo mundo come fora de casa, não é força de expressão. Pesquisa de doutorado realizada em Campinas por Michele Sanches, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), da Unicamp, mostrou que 98% dos entrevistados almoçam fora, em restaurantes, lanchonetes e serviços similares do município.

“Estamos bastante focados em estudos sobre a alimentação fora do domicílio, que vem representando mais de 25% das despesas com alimentos para as famílias das grandes cidades brasileiras”, afirma a professora Elisabete Salay, do Departamento de Alimentos e Nutrição, que orienta as pesquisas de pós-graduação dentro desta linha.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, referente a 2002-2003, revela que este gasto com refeições fora de casa, em relação à renda total reservada para alimentação, é maior no Sudeste – perto de 26% no Estado de São Paulo, chegando a 32,6% no Estado do Rio de Janeiro. Em nível mundial, estudos apontam índices de 50% nos Estados Unidos, 40% na Grã-Bretanha, 30% na Holanda e 26% na Espanha.

Consequências para o consumidor são avaliadas

“Como a tendência é de aumento deste hábito no Brasil, procuramos avaliar suas consequências para o consumidor, visando principalmente à saúde pública, ou seja: se isto vai implicar em melhora ou piora da qualidade da alimentação e em maior ou menor risco de toxi-infecções alimentares”, acrescenta a professora.

Uma questão importante a ser verificada, portanto, é a informação ao consumidor sobre a composição dos alimentos oferecidos nos estabelecimentos. Esta informação nutricional e de saúde dos alimentos pode ser prestada com maior facilidade por redes fast food, que oferecem preparos e porções padronizados, mas torna-se mais complicado para restaurantes do tipo self service e estabelecimentos menores.

Elisabete Salay acaba de orientar duas teses de doutorado nesse sentido. Uma delas, da nutricionista Vanessa Maestro, analisa o oferecimento desta informação nutricional e de saúde em restaurantes de Campinas. A segunda tese, já mencionada no início, verificou a atitude do consumidor diante da disponibilidade desta informação.

Gerentes – Em sua pesquisa, Vanessa Maestro ouviu mais de cem gerentes de restaurantes fast food, self service e a la carte. O objetivo foi apontar os estabelecimentos que oferecem a informação nutricional de seus pratos, além de colher dos gerentes uma avaliação sobre benefícios e obstáculos para a implantação da medida.

A nutricionista encontrou e caracterizou informações em 29 restaurantes (25,4% do total), notando proporção bem maior em fast foods: 15 deles declaram os nutrientes contidos nos preparos e 19 apontam as propriedades nutricionais, ao passo que apenas dois explicam a propriedade funcional e/ou de saúde.

Em relação ao tipo de cálculo nutricional, dez dos 29 gerentes disseram ter recorrido a laboratórios de análise de alimentos, sete a tabelas de composição química de alimentos e doze, que informam sobre atributos diet e ligtht, não realizaram cálculos. O cardápio foi o veículo mais utilizado para dispor a informação (48,3%), seguido da página eletrônica e da apostila.

A professora Elisabete lembra que esta questão da informação já foi resolvida em alimentos embalados, depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a declaração nos rótulos do valor enérgico e dos níveis de carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans e sódio.

“Ainda não existe uma regulamentação similar para restaurantes. Mas aqueles que querem dar a informação, devem fazê-lo corretamente. Encontramos casos de pratos anunciados como light apenas por trazer algum ingrediente com menor caloria, sem o devido cálculo nutricional”, observa a docente.

Prós e contras – O custo desta análise da composição dos alimentos, estimado em US$ 50 para o conteúdo de energia e em US$ 200 para a informação nutricional completa, é um dos obstáculos alegados pelos gerentes.

No aspecto econômico, também pesariam a contratação ou treinamento de funcionários habilitados. Mesmo entre os gerentes, somente 20,3% possuem formação nas áreas de nutrição ou de alimentos e bebidas.

Outras dificuldades seriam a falta de receitas que detalhem ingredientes e quantidades, a grande variação e a perda de flexibilidade para mudar itens do cardápio, e a necessidade de alterar receitas com as quais os fregueses estão acostumados.

Por outro lado, os gerentes que veem o procedimento de bom grado, afirmam que o aumento no faturamento é o menos importante dos benefícios que a informação nutricional traria, vindo antes a melhoria da imagem dos serviços da casa.

Elisabete Salay admite que, por enquanto, é inviável a imposição de uma regulamentação pelo poder público, defendendo antes um treinamento para o setor de serviços alimentícios. “Os próprios restaurantes vêm sendo levados a oferecer informações – e corretamente – por que a população come cada vez mais fora de casa e está sensível a ameaças à sua saúde”.

O consumidor – Para conhecer o ponto de vista dos consumidores, a engenheira agrônoma Michele Sanches, autora da outra tese, entrevistou 250 consumidores em pontos diversos de Campinas, em janeiro de 2006, quando verificou que quase todos faziam ao menos uma refeição fora de casa.

Obviamente, a grande maioria mostrou-se interessada em receber informações nutricionais dos alimentos oferecidos nos restaurantes. A importância de tais informações para quem cumpre uma dieta específica, por exemplo, foi realçada por 78% dos entrevistados.

A pesquisa apurou que o fator mais levado em conta para a escolha do estabelecimento é a higiene, mas Michele também registrou um bom conhecimento nutricional por parte dos consumidores: 50% deles obtiveram notas superiores a 6,3 quanto ao conhecimento dos nutrientes, e acima de 7,5 para a relação dieta-doença.

“Este interesse do consumidor propicia a melhor política para uma dieta mais saudável. Recentemente, quando a Anvisa obrigou a declaração da gordura trans, a reação das empresas foi de reduzir o teor deste ingrediente em seus produtos. Um restaurante não vai informar que o valor nutricional de um prato é ruim, ele vai mudar o prato”, prevê Elisabete Salay.

Buscando receitas para melhorar o prato

As teses de doutorado das pesquisadoras Michele Sanches e Vanessa Maestro, que acabam de ser defendidas na FEA da Unicamp, ressaltam a ausência no Brasil de uma legislação que assegure aos consumidores a informação nutricional dos alimentos oferecidos por restaurantes. Ao mesmo tempo, relatam experiências públicas e outros estudos acadêmicos realizados em alguns municípios brasileiros e em outros países.

Os Estados Unidos servem de referência nestas iniciativas, embora não sejam exemplo de país com alimentação saudável. Entre 1978 e 1995, a ingestão calórica dos americanos, proveniente da alimentação fora de casa, aumentou de 18% para 34%, e a ingestão de gordura, de 19% para 38%. Em 1996, coincidência ou não, a Food and Drug Administration (FDA) regulamentou a rotulagem nutricional nos cardápios do país.

A legislação americana prevê informações nutricionais fundamentadas em bancos de dados, softwares ou livros de receitas confiáveis – sem a obrigatoriedade de análises em laboratórios. Além disto, o restaurante precisa provar que os teores informados não sofrem alterações por causa do modo de preparação do alimento.

Ainda nos Estados Unidos, foi elaborada em 2003 o Nutritional Information at Restaurants Act, propondo que as cadeias com dez ou mais restaurantes forneçam informações sobre conteúdo energético, gorduras saturada e trans, carboidratos e sódio presentes em suas receitas e bebidas.

Enquanto isto, o Brasil registra iniciativas isoladas. No âmbito municipal, a Prefeitura do Rio de Janeiro editou decreto em 2003, estabelecendo que as redes de fast food exponham ao público uma tabela com base na legislação vigente de rotulagem de alimentos industrializados.

No âmbito nacional, merece menção a portaria instituída pelos ministérios da Saúde e da Educação, de maio de 2006, que restringe a oferta e a venda nas escolas de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sal. Ao mesmo tempo, a lei estimula a oferta e o consumo de frutas, legumes e verduras.

Selo – A Sociedade Brasileira de Cardiologia dá sua contribuição, por meio do Fundo de Aperfeiçoamento e Pesquisa em Cardiologia, concedendo um selo de aprovação para os pratos mais saudáveis servidos em restaurantes. O certificado indica ao consumidor os alimentos com teores adequados principalmente de gordura e de colesterol.

“Estes certificados de qualidade também são excelentes instrumentos para incentivar a oferta de alimentos benéficos à saúde, sendo objetos de pesquisas em andamento no nosso departamento”, informa a professora Elisabete Salay, orientadora das teses de doutorado.

Porções – No Brasil também são escassos os estudos que relacionem o consumo de alimentos fora do lar com um perfil dietético adequado. Em sua tese, Vanessa Maestro destaca uma pesquisa feita pela Unesp em quatro restaurantes por quilo de São Paulo, identificando os pratos mais consumidos: saladas com maionese, batatas fritas, massas, carnes e produtos de pastelaria.

A mesma desatenção com a qualidade é observada em relação à quantidade. Voltamos então aos Estados Unidos, onde a American Dietetic Association resolveu servir quatro porções de macarrão com queijo a um grupo de adultos, em dias diferentes. Mais da metade do grupo não percebeu a variação de peso e, menos ainda, o consumo 30% superior de energia, comparando-se a porção maior com a menor.

* Publicado originalmente no site a Unicamp.