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A paz no Sudão do Sul passa por reformas políticas

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Um homem e sua filha voltam ao povoado de Bor, no Estado sul-sudanês de Jonglei, depois dos ferozes enfrentamentos registrados ali e em todo o país, e que na maioria terminaram em janeiro. Foto: Charlton Doki/IPS

 

Juba, Sudão do Sul, 5/3/2014 –  Gatmai Deng perdeu três familiares durante a violência que o Sudão do Sul viveu entre 15 de dezembro e final de janeiro, e culpa pela sua perda o governo, por não ter aproveitado os vastos recursos petroleiros do país para melhorar a vida de seus quase 11 milhões de habitantes.

Quando este país ficou independente do Sudão, em 2011, muitos esperavam que o novo governo fornecesse os serviços que os governantes de seu anterior país negaram aos sul-sudaneses, explicou Gatmai à IPS. “Mas este governo não é diferente dos de Cartum, que marginalizaram os cidadãos sul-sudaneses. Onde estão os hospitais, onde estão as escolas, onde está a água potável que nos prometeram?”, questionou.

O Sudão do Sul, com 10,8 milhões de pessoas, obtém 98% de suas divisas com as exportações de petróleo. Entre 2005 e 2012, quando deixou de produzir devido a uma disputa com o Sudão por um oleoduto, o Sudão do Sul obteve mais de US$ 10 bilhões em exportações de óleo, segundo funcionários do governo e do Banco Mundial.

Depois que o Sudão do Sul reiniciou sua produção em abril de 2013, o Ministério do Petróleo registrou faturamento de US$ 1,3 bilhão nos seis meses seguintes. Apesar desta riqueza, a maior parte do território é inacessível por estradas. Até agora existem pouco mais de 110 quilômetros de ruas asfaltadas na capital, Juba. Há apenas uma estrada pavimentada, de 120 quilômetros, que liga Juba à fronteira com a vizinha Uganda, no leste.

“O dinheiro do petróleo está beneficiando apenas o presidente Salva Kiir e seus ministros”, protestou Gatmai, de Cartum, capital do Sudão, onde se refugiou por causa da violência. Os enfrentamentos deixaram milhares de mortos e feridos, além de 863 mil refugiados.

Um relatório provisório sobre as violações dos direitos humanos, divulgado no dia 23 de fevereiro pela Missão de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas no Sudão do Sul, registra matanças em massa contra certas etnias, violações por parte de gangues e torturas cometidas por efetivos do governo e por várias milícias da oposição. As batalhas mais ferozes aconteceram nos Estados de Jonglei, Nilo Superior, Unidade e Equatoria Central.

Os analistas concordam com Gatmai quanto a terem contribuído para o conflito as condições econômicas e sociais, com alto desemprego juvenil, quase inexistência do setor privado e excessiva dependência do governo, principal empregador.

Leben Nelson Moro, professor de estudos sobre desenvolvimento na Universidade de Juba, disse à IPS que o petróleo é mais uma maldição do que uma benção para o Sudão do Sul. Uma vez iniciada a violência, “se tornou fácil engrossar as fileiras hostis com os que se sentiam excluídos da riqueza”, assegurou.

“Boa parte com ganhos do petróleo vai para uns poucos, que ocupam postos de autoridade. Não temos estradas, nem outros serviços básicos, como cuidado com a saúde”, pontuou Moro. “O dinheiro não é usado para gerar emprego para os jovens. Isso deu lugar a certas queixas contra as poucas pessoas do governo que parecem estar se beneficiando”, acrescentou.

Na prática, o governo não tem nenhuma política para promover a integração socioeconômica da juventude. Uma vasta maioria da população depende do setor agrícola para sobreviver e ter emprego. Badru Mulumba, editor do jornal The New Times e analista político, apontou à IPS que é essa dependência do governo que levou ao conflito.

“Os políticos que estavam fora do poder quiseram recuperá-lo para manter a influência em suas comunidades”, contou Mulumba. Segundo explicou, muitos desempregados têm como fonte de renda seus familiares com postos no governo. “Se as pessoas comuns tivessem opção, não teriam seguido os políticos que pegaram em armas contra os que estavam no poder”, acrescentou.

Segundo o Panorama Econômico Africano 2012 do Banco Mundial, o desemprego juvenil no Sudão do Sul é muito alto. “A insuficiente demanda trabalhista, a falta de mão de obra qualificada, a ausência de uma política governamental coerente e de um contexto legal e regulatório sólido limitam o ingresso dos jovens no mercado de trabalho”, diz o documento.

Não há dados oficiais sobre os alcances do desemprego juvenil, mas dados da Oxfam Internacional mostram que somente 12% das mulheres e 11% dos homens dentro da população economicamente ativa têm empregos formais.

O fato de os principais grupos étnicos dependerem do gado também pode ter contribuído para a instabilidade. Tanto os dinka como os nuer, entre outros, usam seus animais para pagar dotes, compensações e multas dentro do direito consuetudinário, e inclusive os trocam por alimentos.

“Um grande setor da população depende da pecuária, assim, de algum modo as pessoas aceitam essa cultura na qual se pode ficar com gado das comunidades rivais e dessa forma acumular rezes e se tornar poderoso”, explicou Mulumba. Somente entre julho de 2011 e dezembro de 2012, mais de três mil civis morreram em incidentes vinculados ao roubo de gado nos Estados sul-sudaneses de Jonglei, Lagos, Unidade e Warap.

Anne Lino Wuor, legisladora de Jonglei, acredita que, se os governantes dessem participação e emprego aos jovens, eles abandonariam o roubo de gado. “Creio que a única maneira de trazer estabilidade e paz ao Sudão do Sul é mediante o desenvolvimento”, afirmou à IPS.

Pinyjwok Akol Ajawin, diretor-geral para a juventude no Ministério de Cultura, Juventude e Esportes, disse à IPS que os jovens são manipulados politicamente. “Eles seguem seus anciãos e os homens de suas tribos. Por isso tentamos chegar a eles para iluminá-los, para fazê-los ver que são os jovens de um só país, que pertencem ao Sudão do Sul e que devem coexistir, para que se vejam como irmãos daqueles que tentam combater”, destacou.

Um Comitê Nacional de Manejo de Crise Juvenil foi criado com apoio governamental, em uma iniciativa de serviço comunitário para os jovens. “É a única maneira de manter os jovens sul-sudaneses ocupados e de desestimular que se somem ao conflito”, enfatizou Ajawin.

Edmond Yajani, diretor-executivo da Organização Comunitária de Empoderamento para o Progresso, vê as coisas de outro modo. “Somente reformas econômicas profundas trarão a estabilidade para o país”, disse à IPS.

Os números do emprego no Sudão do Sul

* A agricultura emprega 76% da força de trabalho. O setor contribui com 15% a 33% do produto interno bruto.

* Apenas 12% das mulheres e 11% dos homens têm empregos formais.

Fonte: Oxfam Internacional, 2013.

Envolverde/IPS