Uma pegada sustentável e fashion

Os tênis são produzidos no Rio Grande do Sul com lona de algodão biológico do Ceará, couro com curtimento ecológico (com extratos de acácia, um tanino natural não poluente) e látex nativo do Acre. Foto: Divulgação Vert
Os tênis são produzidos no Rio Grande do Sul com lona de algodão biológico do Ceará, couro com curtimento ecológico (com extratos de acácia, um tanino natural não poluente) e látex nativo do Acre. Foto: Divulgação Vert

Depois de oito anos de seu lançamento na Europa, os calçados da marca eco-friendly Veja Fair Trade finalmente passarão a ser comercializados no Brasil. Os tênis, que já eram produzidos no Rio Grande do Sul com lona de algodão biológico do Ceará, couro com curtimento ecológico (com extratos de acácia, um tanino natural não poluente) e látex nativo do Acre, serão chamados de Vert e estarão disponíveis para venda a partir de 28 de setembro.

De acordo com François-Ghislain Morillion, sócio-proprietário da marca, o projeto nasceu durante uma viagem pelo mundo, onde ele e Sébastien Kopp, seu sócio no empreendimento, conheceram a Amazônia. “Quando decidimos lançar uma marca de tênis, naturalmente fomos procurar borracha nativa amazônica, para tentar obter o melhor impacto possível”. Para ele, “a expectativa é que a marca cresça no Brasil, e que possamos continuar gerando empregos e impactando de forma positiva tanto o lado social quanto econômico do país”.

Na Amazônia, a Vert trabalha com associações de seringueiros em parceira com o WWF-Brasil e o Governo do Acre, estado que possui uma abordagem inovadora na relação entre o uso dos recursos naturais, a melhoria da qualidade de vida de sua população e a conservação da floresta. A estratégia é orientada para que o desenvolvimento com a floresta em pé seja mais valioso do que os resultados obtidos a partir da exploração predatória e do desmatamento, sem que para isso seja necessário sacrificar a economia local.

Neste contexto, o setor produtivo extrativista tem tido papel primordial no desenvolvimento de uma economia de base florestal com redução das emissões de gases do efeito estufa oriundos do desmatamento. Além disso, colabora com a alta inclusão social, fortalecimento das associações e cooperativas de produtores locais e inovação tecnológica visando agregação de valor a produtos florestais tradicionais, bem como inseri-los em mercados que reconhecem não só seus diferenciais socioambientais e econômicos como também a qualidade e exclusividade do produto ofertado, cuja origem nativa é tão-somente amazônica.

Dentre as cadeias produtivas florestais, o látex possui a vantagem de ter mercado certo, uma vez que é empregado em inúmeros processos industriais, e hoje a demanda de borracha no Brasil é maior do que a disponibilidade da matéria-prima no mercado nacional.

Tecnologia no interior da floresta

Uma das preocupações da Vert é fortalecer e apoiar os produtores locais e a cadeia produtiva de borracha no estado do Acre. Em 2010, foi criado um comitê gestor para a implementação de um projeto de Parceria com o Setor Empresarial (PSE), focado principalmente na estruturação dos elos da cadeia do látex. O comitê é formado por representantes do Governo Estadual, da empresa, das associações de seringueiros, e de organizações como o WWF-Brasil, GIZ e UICN.

Os tipos de borracha produzidos no Acre são variados, sendo mais comuns atualmente o Cernambi Virgem Prensado (CVP) – cujo principal destino é a indústria de pneus –, o Látex Líquido – destinado à produção de preservativos – e a Folha Defumada Líquida (FDL), tecnologia desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), resultando num produto de alta qualidade utilizado principalmente na indústria de calçados, e uma das mais promissoras alternativas de beneficiamento da borracha nativa dentro dos seringais, tornando o produto interessante tanto do ponto de vista da oferta como de sua competitividade.

Apesar de ter compradores assegurados, a produção de látex nativo costumava esbarrar num fator desestimulante: o baixo preço que o mercado pagava pelo produto bruto. Não era vantajoso para as comunidades conservar a floresta e receber pouco depois do árduo trabalho de extração. O uso da tecnologia FDL ajuda a mudar essa perspectiva, pois além de reforçar qualidades técnicas únicas do látex como pureza, elasticidade e cheiro, seu processo de produção possui diferenciais socioambientais importantes como: economia de água e energia, conservação da floresta e de conhecimentos tradicionais, além de contribuir para a redução do aquecimento global e para o aumento da renda e melhoria na qualidade de vida dos seringueiros,que compreenderam que não precisam desmatar, pois com a valorização do látex passaram a ter uma fonte de renda inesgotável.

Mercado e sustentabilidade

Inicialmente, o trabalho com a FDL era realizado apenas com os seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes em Assis Brasil. Como no Acre há um terreno fértil para a estruturação de cadeias produtivas florestais, foram feitas diversas articulações e, com apoio do Governo do Estado e do WWF, através do projeto Protegendo Florestas (Sky Rainforest Rescue), foi possível consolidar uma nova região produtora no município de Feijó, onde cerca de trinta famílias extrativistas fornecem seis toneladas de borracha para a fabricação dos calçados da Vert.

Hoje, a empresa trabalha diretamente com três associações de seringueiros e a compra de borracha é feita por um preço justo que permite a valorização da floresta e apoia a luta contra o desmatamento, além de levar o látex nativo da Amazônia ao mundo fashion.

Fashion é ser sustentável

Além dos tênis Vert, o látex amazônico também esteve presente em outros produtos trendy. No final de 2012, a atriz e modelo inglesa Lily Cole esteve no Acre para conhecer in loco as atividades do projeto Sky Rainforest Rescue, parceria entre a rede britânica de TV Sky, WWF e Governo do Acre, que vem desenvolvendo ações de apoio a extrativistas, agricultores familiares e escolas rurais na Zona de Atendimento Prioritário da BR-364 e seu entorno.

Lily, que é embaixadora do projeto desde seu início, já tem um longo histórico de engajamento socioambiental e desenvolveu uma coleção de ecojoias chamada Lily Cole’s Wild Rubber Collection.
As peças foram produzidas com borracha amazônica coletada por seringueiros da Associação “Parque das Ciganas” e beneficiada com a tecnologia Folha Semi-Artefato (FSA), também desenvolvida pelo Projeto Tecbor do Laboratório de Tecnologia Química da Universidade de Brasília (UnB). A modelo contou com a assessoria da designer brasileira Flavia Amadeu, que ofereceu treinamento à comunidade extrativista para transformar borracha em joias e, assim, obter mais uma fonte de renda a partir da floresta. A coleção está disponível online (veja links ao lado) e sua renda é revertida ao projeto Sky Rainforest Rescue.

Ainda inspirada em sua visita ao Acre, Lily usou um vestido feito de borracha FSA no Met Ball 2013, em Nova Iorque, desenhado pela estilista inglesa Vivienne Westwood. Em entrevista à Elle britânica, ela afirmou que escolheu Westwood para explorar uma criação feita de borracha nativa amazônica por saber de seu envolvimento com a floresta. Para a modelo, “transformar o látex em alta costura é apenas o começo de tudo o que pode ser feito”.

* Publicado originalmente no site WWF Brasil.