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Petróleo submarino recupera indústria naval

Rio de Janeiro, Brasil, 30/9/2011 – A maldição do petróleo no Brasil se manifesta agora somente no campo político. Enquanto o parlamento se divide na discussão pela redistribuição dos lucros, cada vez maiores, as últimas jazidas descobertas no Oceano Atlântico reavivaram a indústria naval. A perspectiva de duplicar a produção atual de 2,1 milhões de barris diários no decorrer desta década, quando começarem as explorações das jazidas do pré-sal no subsolo oceânico, serviu de fundamental incentivo para o crescimento da atividade de portos e estaleiros.

Na década de 1970, o Brasil tinha “a segunda maior indústria naval do mundo”, mas sofreu uma queda importante que só conseguiu reverter, em parte, na última década, disse Sérgio Leal, secretário executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Naval (Sinaval). Os 56.368 empregos diretos no setor registrados em junho superam com folga o melhor nível do ano passado. Os dados não incluem cerca de 28 mil trabalhadores da indústria náutica de pequenas embarcações de recreio.

Entretanto, os observadores afirmam que os empregos indiretos são muito numerosos, já que a cadeia produtiva é muito extensa. Uma plataforma petrolífera para produção no oceano é composta por milhares de itens e demora mais de um ano para ser construída. Na pasta de projetos de plataformas “já voltamos ao segundo lugar” no mundo, comemorou Leal no Congresso Internacional Pré-Sal Brasil, que reuniu empresários, autoridades e técnicos entre os dias 24 e 26, na cidade do Rio de Janeiro.

O fato de ter a maior parte de suas reservas em águas oceânicas profundas encarece a exploração e a produção de petróleo e gás natural no Brasil, por exigir uma ampla e cara infraestrutura, além de avanços tecnológicos como os que deram a liderança internacional à Petrobras. Com a descoberta de uma imensa jazida na camada pré-sal, as reservas brasileiras de hidrocarbonos podem quintuplicar. E o país, que até agora lutava para garantir sua autossuficiência, poderá se converter em exportador. No entanto, essa riqueza está a quase sete mil metros de profundidade e a mais de 300 quilômetros da costa mar adentro.

O desafio de explorá-la, com uma política que favorece a produção nacional dos meios necessários, impulsionou a indústria naval e sua extensão denominada offshore. Essa política já vem há algum tempo. Em 2003, o governo criou o Programa de Mobilização da Industrial Nacional de Petróleo e Gás Natural, para fortalecer a cadeia produtiva do setor em território nacional. No ano seguinte a Transpetro, subsidiária da Petrobras para o transporte, anunciou o programa de expansão de sua frota, com 49 novos navios petroleiros, com um mínimo de 65% de componentes nacionais, índice elevado para 70% na segunda fase, iniciada em 2008, e investimentos totais no valor de US$ 4,6 bilhões.

O conteúdo nacional se impôs como regra geral a partir de 2005, graças a uma resolução da Agência Nacional de Petróleo, órgão regulador do setor. A indústria naval brasileira, que estava concentrada no Rio de Janeiro no passado, ganhou novos polos. O nordestino Porto de Suape hoje lidera o setor em toneladas de porte bruto (TPB), com um grande estaleiro instalado recentemente que já constrói muitos navios petroleiros, embora o Rio de Janeiro ofereça o dobro de empregos em uma produção mais diversificada, explicou Leal.

No extremo sul do país floresce outro polo. Com dois estaleiros operando e outros dois em construção perto de seu principal porto marítimo, o Rio Grande do Sul tem excelentes condições para aproveitar a oportunidade gerada pelo petróleo pré-sal, segundo Vanderlan Vasconcelos, titular da superintendência de Portos e Hidrovias do Estado.

O Estado oferece uma indústria metal-mecânica já desenvolvida, com 2.100 empresas, 167 do setor eletrônico e 300 firmas geo-oceânicas, a maioria servida por uma hidrovia de 758 quilômetros que permite estreita conexão com o Porto de Rio Grande e os estaleiros, acrescentou Vasconcelos. Além disso, as lagoas e os rios locais podem constituir uma nova rede fluvial no Mercosul com 1.530 quilômetros de extensão, contribuindo para integrar as economias de Brasil, Argentina e Uruguai, que integram o bloco juntamente com o Paraguai, ressaltou.

Outra vantagem do Porto do Rio Grande é a relativa proximidade com África do Sul e Ásia, disse Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários, em contraposição a Suape, que está mais em linha com Europa e Estados Unidos. “O ciclo do pré-sal vai durar, no mínimo, 30 anos”, estima Aloisio Nóbrega, vice-presidente da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção de Investimentos. Por isso, uma das prioridades do governo estadual é a “indústria oceânica”, como ele prefere denominar a offshore.

Essa indústria não se limita aos estaleiros, e integra uma longa cadeia que será beneficiada pelo fato de o Rio Grande do Sul contar com o segundo maior parque industrial metal-mecânico do Brasil, superado apenas por São Paulo, disse Nóbrega, acrescentando a isso a melhor qualidade de vida nesta região e um mercado de 11 milhões de habitantes.

O campo dos hidrocarbonos do pré-sal oceânico, longe da costa sudeste do país e se estendendo por 800 quilômetros de comprimento e 200 quilômetros de largura, “necessita de embarcações novas e mais eficientes”, além de “instalações específicas” para atender suas atividades, afirmou Fernando Fialho, diretor-geral da Agência Nacional de Transporte Aquaviários (Antaq).

Apesar da multiplicação de portos e estaleiros, no Brasil ainda é urgente um esforço maior e rápido, porque os projetos de infraestrutura exigem muito tempo devido à necessidade de tirar licenças ambientais e ter contratos e “engenharia financeira” de longo prazo, alertou Fialho, lembrando que a capacitação maciça de mão de obra é outro desafio. “O cenário futuro exige esforços alternativos” e as hidrovias constituem uma prioridade da Antaq, porque levam o desenvolvimento ao interior do país e “a indústria que serve ao pré-sal não necessariamente tem de estar na costa”, concluiu Fialho. Envolverde/IPS