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A pobreza cresce entre o ouro do Pacífico

Habitantes de Papua Nova Guiné apontam para sua aldeia destruída em um deslizamento de terras de um canteiro onde se realizava escavações para um projeto de gás natural líquido. Foto: Catherine Wilson/IPS
Habitantes de Papua Nova Guiné apontam para sua aldeia destruída em um deslizamento de terras de um canteiro onde se realizava escavações para um projeto de gás natural líquido. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Sydney, Austrália, 27/2/2014 – Ouro, cobre, níquel, gás e madeira são alguns dos recursos naturais extraídos de Papua Nova Guiné e das Ilhas Salomão para alimentar as economias do leste e sudeste asiáticos. Embora estas nações do Oceano Pacífico ocidental tenham crescido entre 6% e 11% nos últimos sete anos, isto não se refletiu em seu desenvolvimento humano.

“Nas comunidades há pouca confiança nos projetos de extração de recursos operados pelos governos”, explicou à IPS Maureen Penjueli, coordenadora da não governamental Pacific Network on Globalisation in Fiji. “Existe a percepção de que os governos estão a favor das grandes empresas e dos investimentos estrangeiros, e que dão pouca atenção à terrível situação de sua própria população. Os proprietários tradicionais das terras e as organizações da sociedade civil não são adequadamente consultados sobre o tipo de desenvolvimento que consideram apropriado para o Pacífico”, afirmou Penjueli.

Em Papua Nova Guiné há pelo menos seis minas das quais são extraídos ouro e cobre. A previsão é que o maior projeto da nação, o Papua Nova Guiné LNG (Gás Natural Liquefeito de Papua Nova Guiné), nas terras altas do país, comece a funcionar este ano, gerando até US$ 1,5 bilhão de ganhos anuais para o governo durante os próximos 30 anos.

As Ilhas Salomão, um arquipélago a nordeste da Austrália, têm uma história de 50 anos de exploração madeireira. O corte contribui atualmente com 15% dos ganhos do Estado e com 60% dos derivados de exportações. Os recursos naturais atraíram grandes corporações decididas a fazer lucro no curto prazo e dispostas a competir com os interesses locais, que priorizam a cultura, a identidade e o bem-estar das gerações futuras.

O governo de Papua Nova Guiné afirma que o Estado tem direitos sobre os recursos minerais, enquanto nas Ilhas Salomão os proprietários tradicionais das terras determinam a extração de madeira. Dos dois modos, os cidadãos comuns não recebem benefício algum.

Dois milhões dos mais de sete milhões de habitantes de Papua Nova Guiné vivem na pobreza, enquanto a taxa de mortalidade entre menores de cinco anos é de 75 em cada mil nascimentos. Nas Ilhas Salomão, 23% da população vive abaixo da linha da pobreza, e o alfabetismo é de 17%. Os governos das ilhas do Pacífico, com déficit de capacidade e de perícia, podem ficar em desvantagem na negociação de acordos com investidores internacionais.

Uma aliança entre as elites políticas locais e as empresas estrangeiras serve aos interesses de uns poucos e afeta a maioria da população rural, onde os serviços públicos são inadequados e a proteção dos direitos humanos é escassa. Na década de 1980, a chegada em massa de empresas madeireiras do sudeste asiático às Ilhas Salomão causou um aumento da corrupção e uma flexibilização no cumprimento das regulamentações.

“Os vínculos entre políticos e madeireiras estrangeiras são complexos e estão muito arraigados”, disse à IPS um porta-voz da Transparência Internacional em Honiara, capital das Ilhas Salomão. “Frequentemente ouvimos sobre políticos que usam seu poder para proteger os desmatadores, influenciar a polícia e conceder exoneração de impostos a empresas estrangeiras. Por outro lado, os cortadores de madeira financiam políticos”.

Lily Duri Dani, uma latifundiária nas Ilhas Salomão, disse que a corrupção também marginaliza as mulheres das decisões sobre o uso da terra. “As mulheres tomariam decisões honestas, abertas e justas para todos. Usaríamos o dinheiro (dos recursos) para ajudar as pessoas comuns”, destacou.

Segundo a organização Human Rights Watch (HRW), “a má governança e a corrupção (em Papua Nova Guiné) impedem que os cidadãos comuns se beneficiem da riqueza de recursos. Projetos extrativistas de grande escala geram preocupações ambientais e de direitos humanos que o governo não aborda”. O projeto Papua Nova Guiné LNG enriquecerá investidores que tenham 80% de participação, entre eles Exxon Mobil e sua subsidiária, Esso Highlands.

Um estudo da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, alerta para impactos sociais como aumento da desigualdade, do consumo de álcool, da violência doméstica e da prostituição. As comunidades locais também sofrem aumento de 38% nos preços dos alimentos, enquanto os serviços de educação e saúde se deterioram, já que o pessoal busca empregos mais lucrativos relacionados com o LNG.

Em 2012, um devastador deslizamento de terra de um canteiro escavado por uma subcontratada do projeto enterrou duas aldeias, Tumbi e Tumbiago. Estima-se que tenha matado 60 pessoas e destruído 42 casas. No ano anterior, a consultoria ambiental independente D’Appolonia havia identificado riscos de segurança nas operações em canteiros.

O governo de Papua Nova Guiné não encomendou uma investigação independente do desastre, o que deixou as vítimas privadas de justiça. O chefe da aldeia de Tumbi, Jokoya Piwako, que perdeu toda sua família na tragédia, afirmou que o governo e as empresas “estão preocupadas por sua renda e seu ganho, e não pelas vidas nas comunidades”. A organização não governamental Jubilee Australia informou no ano passado que “há sérios riscos de os ganhos gerados pelo projeto (Papua Nova Guiné LNG) não mitigar os impactos econômicos e sociais negativos”.

Nos últimos 20 anos, a mina de ouro Porgera, na província de Enga e majoritariamente propriedade da empresa canadense Barrick Gold, produziu ouro no valor de US$ 20 bilhões. As comunidades da área vivem afundadas em uma pobreza severa, enquanto a HRW relatou que gangues integradas por pessoal de segurança privada cometeram violações no local da mina em 2011.

No ano passado, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) organizou uma conferência em Fiji para estudar como a exploração dos recursos naturais no Pacífico poderia melhorar as vidas dos cidadãos comuns. Mas na região ainda não existe o contexto necessário para uma governança adequada e transparente para uma forte regulamentação das indústrias extrativistas, para medidas de proteção ambiental e social e para a participação das comunidades rurais nas decisões sobre o uso da terra.

Penjueli ressaltou que “um papel essencial para as organizações da sociedade civil é mobilizar o público para que se comprometa com questões difíceis de direitos humanos e justiça social” no setor extrativista. As comunidades indígenas precisam ser empoderadas com habilidades, conhecimentos sobre as implicações das decisões e meios de sustento alternativo, além de melhor acesso a apoio legal para defender seus direitos, pontuam ativistas.

“Temos que educar todos os proprietários de terra porque eles têm de tomar boas decisões”, enfatizou à IPS Judy Tabiru, presidente do Conselho de Mulheres da Província de Isabel nas Ilhas Salomão. “Devemos criar regras para proteger nossos recursos para benefício de nosso povo. É para melhorar nossa geração e a dos filhos de nossos filhos”, opinou. Envolverde/IPS