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Posse ancestral da terra obtém registro no Pacífico

A posse consuetudinária da terra se apoia na pequena agricultura de subsistência para muitos habitantes das ilhas do Oceano Pacífico. Foto: Catherine Wilson/IPS
A posse consuetudinária da terra se apoia na pequena agricultura de subsistência para muitos habitantes das ilhas do Oceano Pacífico. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Sydney, Austrália, 28/3/2014 – Para muitos habitantes das ilhas do Oceano Pacífico, as terras ancestrais são fonte de vida, identidade e segurança social. Mas a maioria dos Estados insulares é pobre e os governos afirmam que são necessárias reformas agrárias para melhorar o desenvolvimento econômico e as infraestruturas. Com esse objetivo se promove o registro das terras de posse consuetudinária, sistema de propriedade predominante, para estudar opções que permitam subarrendá-las ao Estado e a construtores.

“A posse consuetudinária é frequentemente considerada uma barreira ao desenvolvimento da terra”, explicou Inoke Ratukalou, diretor da Divisão de Recursos Agrários na Secretaria da Comunidade do Pacífico em Suva, nas ilhas Fiji. “As incertezas sobre a propriedade e as dificuldades para chegar a um acordo de consenso podem desanimar os investidores e o desenvolvimento de recursos baseados na terra”, disse à IPS.

A posse consuetudinária representa entre 80% e 90% da terra nos Estados insulares do Pacífico. O direito consuetudinário, não escrito, determina os direitos de herança e sobre a terra para os membros de clãs ou famílias estendidas. A posse tradicional tem um papel vital nas nações do sudeste do Pacífico, onde o setor formal gera apenas 15% de emprego e a maioria da população depende da agricultura de subsistência e da de pequena escala para sobreviver e obter renda.

Joel Simo, da Aliança Melanésia de Defesa das Terras Indígenas (Milda) em Vanuatu, afirmou que a posse consuetudinária é “um sistema de compartilhamento que atende a necessidade de todos”. E “em muitas áreas o desenvolvimento pode ocorrer em terras ancestrais que não tenham nenhum registro. Na maioria dos países do Pacífico, a terra é de acesso público, para a sobrevivência, e não está contemplado no sistema legal”, acrescentou .

Mas, no século 21, a terra é objeto de crescentes pressões financeiras, por causa de uma maior inserção dos ilhéus na economia monetária, do rápido aumento demográfico e da urbanização. As infraestruturas públicas de má qualidade, como é o caso das estradas, também são obstáculos para o crescimento dos recursos locais e acesso à educação e a serviços de saúde.

Só entre 5% e 30% das estradas em Tonga, Vanuatu, Estados Federados da Micronésia, Papua Nova Guiné e Ilhas Salomão estão asfaltadas. Segundo a Secretaria de Comunidade do Pacífico, o desafio é que os países melhorem seus vínculos com o manejo e a posse da terra, com a proteção formal da propriedade consuetudinária, mediante o registro e a facilitação de acordos nessas áreas.

Os que ocupam terras não registradas, por exemplo, frequentemente não podem obter financiamento para estabelecer empresas. Existem registros de terras em Fiji e Palau, mas muito pouco em Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e Ilhas Marshall. Em Papua Nova Guiné, recentes programas estatais de manejo agrário prejudicam as comunidades rurais. Tanto em um pelo qual os donos ancestrais da terra a arrendam ao Estado, mediante um título que serve para subarrendá-la a um terceiro, com em outro de Arrendamentos Agrícolas e Empresariais Especiais (SABL).

Maria Linibi, presidente da Fundação de Papua Nova Guiné para o Desenvolvimento das Mulheres na Agricultura, reconheceu que é preciso melhor administração, mas rechaçou que a reforma agrária privilegie ou facilite os investimentos estrangeiros ou que o Estado compre terras ancestrais. A desconfiança dos donos da terra sobre a reforma agrária se aviva pela corrupção estatal e pelo fato de que os grandes projetos voltados as exportações não conseguem melhorar o desenvolvimento humano ou os padrões de vida para a maioria dos ilhéus do Pacífico.

“As pessoas podem registrar suas terras e, de todo modo, continuar pobre”, destacou Simo. O compromisso da Milda para proteger os valores melanésios, que promovem um uso sustentável da terra no longo prazo, inclui a oposição ao registro consuetudinário de terras ou seu subarrendamento, que se vê como funcional aos interesses das elites estrangeiras e locais. “A prevalência da fraude e a corrupção dentro do sistema de administração de terras (de Papua Nova Guiné) significam que pode-se emitir, alterar ou destruir títulos facilmente”, afirmou a Aidwatch em 2010.

No ano passado, o Oakland Institute, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, revelou que a escalada de confisco de terras em Papua Nova Guiné representou na última década 5,5 milhões de hectares, 12% da superfície do país, devido à manipulação fraudulenta dos SABL. Em lugar de gerar projetos de desenvolvimento agrícola, que beneficiem as comunidades rurais, os SABL servem para o desmatamento por empresas internacionais, ajudadas por funcionários estatais corruptos, causando um aumento no desmatamento, e muitos proprietários consuetudinários perderam o controle de suas terras tradicionais.

As declarações oficiais sobre “liberar terras para o desenvolvimento” mascaram “roubos à luz do dia, a traição das proteções constitucionais da população e a perda de patrimônio e terras para milhões de habitantes de Papua Nova Guiné”, relatou o Oakland Institute em seu informe Em Nossa Terra. A Aidwatch acrescenta que os títulos legais de propriedade da terra são “uma receita para o fracasso” em nações onde os possuidores de terra locais não têm instrução nem conhecimentos legais. Daí que em Papua Nova Guiné, onde o analfabetismo rural é de 85%, os programas de subarrendamento de terras têm o potencial de exacerbar as desigualdades.

No ano passado, o governo de Vanuatu introduziu novas leis que põem os poderes de tomada de decisões sobre os subarrendamentos de terra em mãos de um independente Comitê de Manejo e Planejamento de Terras e das autoridades consuetudinárias, eliminando as aprovações do ministro de terras estatais. A estratégia busca reduzir a corrupção e fazer com que a posse de terras sirva aos povos indígenas e à economia interna baseada na agricultura.

As evidências sugerem que em Papua Nova Guiné os pequenos produtores de alimentos frescos podem obter renda mais substancial do que as pessoas com empregos formais. Um estudo de 2008 sobre vendedores ambulantes na província de Madang concluiu que 50% ganhavam mais que o triplo do salário mínimo. “A propriedade consuetudinária da terra é muito importante para nossos sustentos, renda e segurança alimentar, porque sem ela não sobreviveríamos”, enfatizou Linibi.

Embora o registro de terras não seja uma barreira para aumentar a atividade econômica local, muitos Estados insulares do Pacífico lidam com a tarefa de identificar mecanismos efetivos de resolução de disputas agrárias. Reconciliar a segurança da posse da terra no contexto do direito consuetudinário informal e dos modernos sistemas judiciais e legais apresenta desafios. As disputas dos donos consuetudinários com outros setores sobre a propriedade da terra, ou sobre os benefícios do desenvolvimento e os danos ambientais, incidem na persistência da pobreza rural.

Também há uma necessidade urgente de melhor planejamento urbano em cidades de rápido crescimento na região. Nos assentamentos informais vivem 35% dos habitantes de Honiara, capital de Ilhas Salomão, e 45% dos de Suva, em Fiji. A acelerada expansão dos assentamentos, como ocorre em Port Moresby, Papua Nova Guiné, onde o ritmo é de 7,8% ao ano, há invasão das vizinhas terras ancestrais e as autoridades municipais têm de enfrentar com melhores serviços públicos, com estradas, água e saneamento. Envolverde/IPS