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Presos na fronteira do inferno

Ras Ajdir, Tunísia, 29/7/2011 – Enquanto a União Africana e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) buscam uma alternativa política para o conflito armado na Líbia, muitos dos milhares de refugiados que abandonaram suas casas e estão perdidos na fronteira com a Tunísia denunciam que vivem uma situação crítica que continua sem ser compreendida.

Fora de sua barraca provisória, a refugiada somaliana de 63 anos Hawiyeh Awal procura se proteger do Sol abrasador do deserto tunisiano com sua filha e seu neto. “Tenho medo de morrer neste deserto ardente. Tenho diabete e perdi mais de oito quilos desde que cheguei aqui por causa do calor”, afirmou. Antes de chegar à Tunísia, há vários meses, ela trabalhou por 18 anos como empregada doméstica para famílias líbias. A guerra em seu país a obrigou a embarcar em uma perigosa travessia pelo deserto com sua filha. A violência cobrou a vida de vários de seus familiares e também lhe deixaram lesões graves nas mãos.

“Fui ferida durante um confronto armado e perdi o dedo mindinho da mão esquerda. Na direita sofri múltiplas fraturas. A operação que fiz na Líbia foi um desastre porque esqueceram algodão dentro que após 20 dias infeccionou”, contou Awal. “Com minha filha, já não aguentamos a situação neste acampamento porque só o que fazemos é esperar sentadas. Só queremos que nos coloquem um lugar seguro onde possamos receber cuidados médicos, porque aqui é preciso contar com a aprovação do exército tunisiano”, acrescentou.

O acampamento, localizado na principal estrada costeira que leva da Líbia a Trípoli, a leste do povoado de Ras Ajdir, está vinculado ao escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Em Shousha residem cerca de 3.500 refugiados e migrantes. A vida diária se torna difícil pelas temperaturas extremas, frequentes tempestades de areia, falta de serviços sanitários e superlotação. “É um inferno. Não há escola, eletricidade e nem trabalho. Aproxima-se o Ramadã e não temos condições de nos lavarmos”, disse Jamal, da província sudanesa de Darfur, à IPS. “Comemos arroz e macarrão todos os dias. Ninguém nos ajuda. Preferiria voltar à Líbia, porque em qualquer dos dois lados vou morrer”, afirmou.

Mais de 600 mil dos quase um milhão de civis que fugiram da guerra na Líbia eram imigrantes, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Muitos dos imigrantes, de Eritreia, Etiópia, Iraque, Nigéria, Sudão, Somália, entre outros, chegaram à Líbia fugindo da guerra e da pobreza em seus próprios países. Dombia, de 27 anos é natural da Costa do Marfim, fugiu para a vizinha Burkina Faso após o conflito em seu país, que só poupou a vida de dois de seus familiares. Por não conseguir trabalho, decidiu pagar US$ 2 mil a um intermediário que o fez entrar na Líbia sem a documentação necessária.

Durante vários anos, Dombia conseguiu cobrir suas necessidades até conseguir um trabalho estável como gerente em uma construtora. Justamente quando começava a construir sua vida começou a guerra na Líbia. “Não posso voltar ao meu país por causa da situação política e tampouco tenho família lá”, disse à IPS. “Tentei fugir quando começou a guerra, mas os soldados de Muammar Gadafi pegaram meu passaporte, dinheiro, telefone e me detiveram porque meus documentos não estavam em ordem. Depois de um mês nos jogaram na fronteira com a Tunísia”, contou.

Sem dinheiro, famintos e, como nem Otan nem outros Estados africanos estão dispostos a intervir, centenas de imigrantes e refugiados se arriscam a cruzar o Mar Mediterrâneo rumo à Europa, embora uma em cada dez pessoas tenha possibilidades de morrer de fome, afogada ou por não saber navegar.

“Quanto tempo continuaremos sofrendo assim?”, perguntou Nasih, natural da Eritreia que solicitou asilo. “Há dois meses que estou aqui e tenho de esperar até novembro para uma entrevista no Acnur para avaliar minha possível recolocação”, disse à IPS. “Em abril tentei chegar à Itália com mais dez pessoas, mas nosso barco virou e nunca chegamos. Perdemos muita gente. Felizmente, sobrevivi, mas acabei neste acampamento. Estou disposta a regressar à Líbia e voltar a tentar a travessia de novo”, garantiu.

Dezenas de pessoas abandonam o acampamento de Shousha todas as manhãs com destino à Líbia. A tendência aumentará rapidamente se a comunidade internacional não adotar medidas urgentes para melhorar a situação e ajudar na recolocação das pessoas.

“E o que faz a União Africana?”, pergunta Yona à IPS. “Considerando como cuidam do problema da seca na África oriental, como vamos esperar que se interessem pelo nosso sofrimento? Não fez nada e continuará assim, por isso nós mesmos temos de nos ajudar”, acrescentou este imigrante etíope. “Estamos presos aqui. Me nego a aceitar que esta seja minha vida e a de minha família”, ressaltou. Envolverde/IPS