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Primavera Árabe fornece pistas para evitar crise

Agricultores do sudoeste da Tanzânia se negam a vender o milho porque o preço está muito baixo. Foto: Erick Kabendera/IPS

Arusha, Tanzânia, 28/9/2012 – Os governantes deveriam aprender as lições da Primavera Árabe e perceberem que com boa governança e segurança alimentar seriam evitadas crises, disse Kofi Annan, ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e presidente da Aliança para uma Revolução Verde na África. Segundo Annan, a escassez de alimentos foi um dos gatilhos dos protestos no norte da África e no Oriente Médio, que em janeiro de 2011 puseram fim ao regime de Zine el Abidine Ben Ali, na Tunísia, e em fevereiro desse ano ao de Hosni Mubarak, no Egito.

“Estas pessoas queriam expressar sua opinião sobre como serem governados e por quem. Também queriam desempenhar um papel em seu próprio sistema político”, afirmou Annan no Fórum para uma Revolução Verde Africana, que começou no dia 26 e termina hoje na cidade de Arusha, na Tanzânia. Um dos objetivos do encontro era criar planos de ação concretos para impulsionar o setor agrícola e promover a segurança alimentar no continente.

“Creio que, se os governantes africanos prestarem atenção e compreenderem que os sistemas democráticos têm que funcionar na África, temos que aceitar uma rotação periódica de autoridades e ouvir o povo e a sociedade civil”, afirmou Annan. “Desta forma, prosseguiu, evitaríamos as crises que vemos na África. Lembrem que não se trata apenas de alimentos, mas também de sistemas políticos”.

Várias centenas de delegados, representantes de governos africanos, da ONU e de agências doadoras, bem com de companhias agroindustriais como a Yara e a Cargill, estão reunidos em Arusha para discutir a transformação da agricultura africana. Também há agricultores presentes. “A África oriental tem um grande potencial para o desenvolvimento agrícola”, disse à IPS a diretora do programa de acesso ao mercado da Aliança para uma Revolução Verde na África (Agra), Anne Mbaabu.

“O único ambiente propício para garantir a segurança alimentar é harmonizar questões políticas para evitar proibições às exportações de produtos agrícolas e a imposição de gravames inacessíveis”, acrescentou Mbaabu. “Também devemos conjugar qualidade e padrões para que sejam os mesmos nos cinco países que formam a Comunidade da África Oriental (CAO). Contudo, somente funcionará se for criada infraestrutura adequada como portos, estradas e ferrovias”, sugeriu.

“É importante assinalar que com problemas de segurança não é fácil o comércio com os países vizinhos, ainda que se padeça uma profunda crise alimentar”, disse o ministro de Agricultura, Segurança Alimentar e Cooperativas da Tanzânia, Christopher Chiza. Ele se referia à situação na Somália, que dificultou o trabalho de organizações humanitárias para distribuir alimentos durante a última fome que atingiu o Chifre da África. E ainda restam dificuldades a serem resolvidas pela CAO, antes de abrir as fronteiras aos mercados de importação e exportação sem controle na região, alertou.

“A situação política em nossos países é uma barreira. Necessitamos de certo grau de confiança. Uma das coisas sobre as quais muita gente fala é a nacionalização da terra e dos recursos agrícolas na Tanzânia”, explicou Chiza. “Temos que facilitar o investimento. Também faz falta uma moeda comum e muitos outros assuntos complicados que os países-membros deverão resolver antes de se unirem” observou.

O importante do Fórum, segundo Annan, é sair do ponto de inflexão para expandir a transformação da agricultura africana. “Antes, os governos africanos não se concentravam na agricultura, mas hoje representa uma oportunidade para alimentar, empregar e criar segurança alimentar global”, ressaltou. O objetivo é apoiar os pequenos agricultores na transição de uma agricultura de subsistência para uma de gestão de tipo empresarial para produzir um excedente para vender, acrescentou Annan.

A África tem a maioria das terras cultiváveis, mas não cultivadas do mundo, e as áreas trabalhadas estão subutilizadas. A chave para garantir o sustento, reforçar a segurança alimentar, e a África assumir um lugar adequado no sistema mundial de produção de alimentos, implica investimentos em infraestrutura rural e que cada vez mais produtores, pequenos e grandes, adotem melhores sementes, fertilizantes e técnicas de cultivo

“É disso que precisamos. Garantirmos que os agricultores estejam bem organizados e recebam o conhecimento e o apoio necessários para promover a transformação”, pontuou Annan. O ex-secretário-geral da ONU esteve acompanhado na conferência de imprensa por Melinda Gates, a qual afirmou que a fundação que dirige com seu marido, Bill Gates, está entre os principais doadores da Agra. A estratégia da Fundação Bil & Melinda Gates em matéria agrícola sempre começa por pensar nos objetivos dos agricultores e em como investir para apoiá-los, destacou.

Melinda também assegurou que “os pequenos produtores são engenheiros incríveis” e que “é necessário vincular os agricultores aos grandes mercados e não oferecer seus produtos quando os preços são baixos, para que possam obter uma renda melhor”. Para garantir que os agricultores aproveitem as vantagens das mudanças rurais, a Agra, entre outras organizações, incentiva as associações e as cooperativas como forma de amplificar suas vozes e juntar esforços. “A agricultura nos oferece uma verdadeira oportunidade, não apenas para nos alimentarmos, mas também para gerar emprego para os jovens e conseguir que a vida rural seja confortável”, concluiu Annan. Envolverde/IPS