Novos líderes extrapolam limites do escritório e põem a “mão na massa” junto a seus stakeholders para engajar indivíduos e promover a transição para uma economia mais sustentável.

Uma figura autoritária, fechada em um escritório, ditando ordens para seus subordinados. Se essa imagem algum dia representou um líder de negócios, hoje ela certamente está mais do que ultrapassada. O caminho rumo à sustentabilidade exige mentes criativas, capazes de realizar a mudança necessária para uma economia de baixo carbono. O que coloca em cheque o próprio conceito de liderança.

“A ideia de ‘líder’ está mudando. Nota-se isso no próprio dia a dia dos colaboradores e dos indivíduos. Já não agimos de forma isolada. O grande fenômeno de integração e interatividade faz com que comecemos a viver de um jeito diferente e a olhar o mundo a partir de uma ótica mais ampla do que a nossa realidade limitada”, constata Denise Hills, superintendente de Sustentabilidade do Itaú Unibanco.

Na medida em que o papel do líder se aproxima cada vez mais da imagem de um propagador de ideias, o contato com as comunidades torna-se uma experiência imprescindível a esses profissionais. Desenvolver a capacidade de encarar variados desafios sob novos ângulos, por meio da interação com diferentes stakeholders, é, portanto, uma característica extremamente requisitada. A hierarquia convencional perde adeptos dentro da estrutura das organizações para dar espaço a uma liderança conectada com seus públicos de interesse.

“Líderes em sustentabilidade não são apenas os executivos com nível hierárquico ou os porta-vozes que demonstram comprometimento com o tema, mas também todos aqueles profissionais atentos aos desafios socioambientais da atualidade, capazes de mobilizar pessoas, provocar a reflexão, mudança de comportamento e uma nova percepção”, ressalta Hélio Duarte, diretor executivo de Relações Institucionais do HSBC Bank Brasil.

Carlos Alberto Roxo, gerente geral de Sustentabilidade e Relações Corporativas da Fibria, completa: “Não estamos dizendo que as áreas tradicionais relacionadas ao tema não tenham um papel a cumprir. Elas continuam com a importante missão de serem pontos focais, irradiadores de conceito e de ações. Mas os guias do processo devem ser os próprios líderes empresariais”, avalia.

A condução do processo de “protagonismo” – termo hoje recorrente, citado por quase todas as fontes desta reportagem – acontece de diversas formas nas organizações. Em algumas, as áreas de sustentabilidade continuam as responsáveis pela disseminação do conceito. Outras avaliam este modelo como ultrapassado, já que a intenção é inserir o tema de forma transversal, por todos os setores corporativos.

“Hoje, ainda é necessário manter estruturas específicas, mas no futuro essa área será realmente opcional porque a consciência vai chegar a todos os níveis e diretorias. A sustentabilidade deverá ganhar menos relevância como estrutura e mais importância no que diz respeito à consciência”, acredita Walter Duran, diretor de Sustentabilidade da Philips.

Para gerar essa capacidade de reflexão sobre um tema relativamente novo, descobrir e desenvolver a capacidade protagonista de seus colaboradores, as corporações têm investido em novas plataformas de educação, que estimulam um olhar diversificado na busca de soluções para os desafios das próximas décadas.

Além da educação para a sustentabilidade

Segundo o levantamento realizado por Ideia Sustentável junto aos líderes empresariais, um processo já bastante adiantado dentro das empresas é o de educação para a sustentabilidade – educação “básica”, relacionada a um primeiro contato dos profissionais com o tema. Agora, o que as organizações buscam é o desenvolvimento de seus colaboradores em outro patamar, com o objetivo de trabalhar a capacidade de inovação e comunicação do conceito para os demais stakeholders.

Muitas vezes o nível de conhecimento difere entre os indivíduos, apresentando-se como um desafio para o planejamento de plataformas de educação e formação de lideranças dentro das empresas. Para superá-lo, diversos cursos têm sido ministrados – alguns mais focados no indivíduo, outros nas áreas – para preparar líderes que tragam a consciência socioambiental em sua bagagem.

Em parceria com a Fundação Dom Cabral, a Philips começou a investir na educação de seus profissionais nas duas linhas, já visualizando o desenvolvimento de lideranças em potencial. “O indivíduo passa da conscientização à formação, não parando apenas no processo educativo. Os líderes em sustentabilidade surgem em função destes treinamentos e de sua performance, vontade e talento para trabalhar com o tema”, destaca Duran.

Percebendo a necessidade de educar em diferentes níveis para a evolução dos profissionais, o Itaú Unibanco está desenvolvendo uma plataforma de educação para sustentabilidade que contempla a criação de “trilhas de aprendizagem” específicas para cada nível hierárquico da organização. Quando o profissional está mais ligado à tomada de decisão, numa área de atuação mais forte, passa por uma trilha comum a todos, mas também avança por outra mais específica. “Há uma trilha de aprendizado para entender o tema, conhecê-lo, ou seja, aprofundar-se, porém de maneira conectada com a prática, justamente para que o indivíduo seja capaz de aplicar o conceito no dia a dia”, destaca Denise, do Itaú Unibanco.

Há também outras formas de fazer com que os colaboradores comecem a se interessar pelo tema e desenvolvam suas capacidades de liderança baseando-se na sustentabilidade.

O programa HSBC Climate Partnership, para formação de líderes ambientais apoia pesquisas científicas sobre mudanças climáticas e tem espaço aberto aos interessados no engajamento em ações voluntárias promovidas pelo banco – os colaboradores participam de um processo seletivo e passam 14 dias no Centro Regional Climático do HSBC, no litoral do Paraná. O treinamento envolve sessões de aprendizagem com cientistas, práticas de pesquisa florestal, além de capacitação para oportunidades de negócios sustentáveis.

“Ao cumprir essa etapa, o colaborador recebe o título de Climate Champion e retorna às suas atividades profissionais com o desafio de desenvolver projetos e promover mudanças culturais em relação à sustentabilidade, dentro e fora da organização”, destaca Duarte, do HSBC.

Na Natura, um dos destaques na capacitação de líderes é o fato de a empresa não tentar “moldar” o profissional aos seus padrões. Para tanto, realiza um processo de engajamento de lideranças – que atualmente está em sua segunda fase, de cascateamento para outros níveis da organização – no qual os colaboradores passam, durante dois dias, por uma reflexão sobre o seu propósito de vida, seus talentos e o legado que desejam deixar para o planeta. Após essa fase, há um processo de diálogo em que se cruzam a reflexão individual com o propósito da empresa, para montar um plano de desenvolvimento.

“É uma reflexão mais ampla de vida e carreira, o que o profissional vê como seu próximo ciclo e em quanto tempo isto pode acontecer. Este plano guia o treinamento e as atividades posteriores, as movimentações que os colaboradores podem fazer dentro da organização. E, como resultado, alguns optam por mudança de carreira, buscar outras oportunidades internas ou até sair da organização”, revela Alessandra da Costa, diretora de Recursos Humanos (RH) da Natura.

Em 2011, a empresa trabalha na implementação de sua Academia de Liderança – inserida num projeto maior, baseado no conceito de desenvolvimento integral, batizado de Arquitetura de Educação –, na qual alguns programas já existentes serão reorganizados e outros, implementados.

Identificando talentos

Para identificar potenciais líderes, as empresas têm utilizado diversas estratégias – desde a seleção criteriosa de candidatos, levando em conta o perfil adequado aos valores da organização, até programas de formação e iniciativas para estimular os colaboradores a compartilhar suas ideias.

Na Phillips, o Programa de Estágio e o Programa de Educação para Sustentabilidade estimulam a identificação de processos ou atividades mais eficientes e sustentáveis. Em 2010, diversos projetos propostos por esses programas – como o de reciclagem de banners, incentivo à prática da carona solidária e ergonomia para qualidade de vida – foram implementados na empresa.

Também na linha da atração de novos talentos, a Natura desenvolveu um processo de seleção de trainees baseado na identificação de valores comuns à empresa. Por meio de um processo viral pela internet, os interessados que compartilhavam um determinado conjunto de valores eram convidados a participar. Os candidatos tiveram de contar sua história de vida e, somente após encerradas as inscrições, divulgou-se o nome da empresa recrutadora.

“Por meio desse processo, trouxemos pessoas muito mais conectadas com nossos princípios e tivemos acesso a alguns profissionais diferentes dos selecionados pelos critérios do mercado, que usa, por exemplo, a universidade como filtro. Estávamos olhando para a pessoa e não para os esteriótipos”, destaca Alessandra, da Natura.

Ainda no trabalho com trainees, o Walmart instituiu o Prêmio Varejo Sustentável, que oferece a possibilidade de novos profissionais mostrarem seus projetos e os verem implementados na corporação. “Tentamos trazer e verificar a aplicabilidade das ideias vencedoras. Mesmo as que não são aplicáveis internamente podem ser úteis para nossos fornecedores, por isso as consideramos. É uma forma de alimentar continuamente esse processo de geração de novos valores e de mudança”, ressalta Daniela De Fiori, vice-presidente de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade do Walmart.

Além do trabalho com trainees, as empresas mantêm um olhar atento para os colaboradores já inseridos na organização para identificar potenciais lideranças. Na Masisa, por exemplo, há uma ferramenta específica para identificar aqueles que tendem a desenvolver com mais afinco as capacidades de um líder orientado pelo triple bottom line. “O SGD (Sistema de Gestão do Desempenho) é aplicado anualmente para todos os trabalhadores e, além de identificar os líderes, cria também uma oportunidade de prepará-los para o exercício da liderança”, destaca Fernando Geus, gerente de RSA (Responsabilidade Social e Ambiental) da Masisa Brasil.

Na Bunge, os colaboradores que demonstram maior afinidade com a sustentabilidade são identificados na interação entre as áreas e envolvidos nos projetos socioambientais para evoluírem dentro da corporação e ampliarem o próprio conhecimento sobre o tema. “Nosso modelo de relatório, o GRI (Global Reporting Initiative), também nos auxiliou muito na evolução da gestão socioambiental e interação com diferentes setores da empresa”, acrescenta Michel Henrique R. Santos, gerente corporativo de Sustentabilidade da Bunge Brasil.

Mapear junto aos gestores das diversas áreas quais os comportamentos esperados a partir dos valores da companhia foi uma estratégia desenvolvida pela Suzano para identificar novas lideranças, processo que passa por uma autoavaliação do colaborador, seguida da avaliação do seu gestor. “A partir do resultado dos dois, o RH elabora um diagnóstico das competências e realizações do profissional, o que resulta num plano de ação e retenção, estabelecido a partir do mapa de competências norteadas pelos valores da empresa”, revela Carlos Alberto Griner, diretor de RH da Suzano Papel e Celulose.

*Publicado originalmente na revista Ideia Socioambiental