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Protestos no Egito criam comparações entre Morsi e Mubarak

Manifestantes enfrentam a polícia na Praça Tahrir, no Cairo, no segundo aniversário da Revolução de 25 de janeiro. Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS

 

Cairo, Egito, 30/1/2013 – Os focos de violência no Egito, nas comemorações do segundo aniversário do começo da Revolução de 25 de Janeiro, apresentam várias dúvidas sobre o futuro do país. Os protestos em massa contra o governo derivaram em enfrentamentos entre manifestantes e forças de segurança, que já deixaram pelo menos 40 mortos. Várias cidades ao longo do Canal de Suez foram declaradas em estado de emergência.

“O fervor revolucionário registrado no dia 25 em dez das 27 províncias do Egito nunca foi visto desde o levante popular de dois anos atrás”, disse à IPS o coordenador geral do movimento 6 de Abril, Ahmed Maher, que participou das manifestações de 2011 contra o governo. Nas semanas anteriores ao aniversário da revolução, partidos revolucionários, centristas e de esquerda, junto com várias organizações civis, convocaram os egípcios a se manifestarem contra o presidente Mohamed Morsi e a Irmandade Muçulmana, à qual pertence.

Centenas de milhares de pessoas responderam ao chamado unindo-se aos protestos no Cairo, em Alexandria e outras grandes cidades do país. As cobranças incluem reformar a nova Constituição, processar todos os envolvidos na morte de manifestantes e garantir que as próximas eleições parlamentares, previstas para abril, sejam transparentes. Os participantes dos protestos também criticaram a “irmanização” das instituições do Estado. Os organizadores pediram “manifestações pacíficas” e para “evitar violência”, mas não foi o caso.

Saad al Kitatni, presidente do Partido Liberdade e Justiça (FJP), braço político da Irmandade Muçulmana, responsabilizou a oposição pela escalada de violência. “As forças políticas que convocaram as manifestações, das quais parecem ter perdido o controle, são responsáveis pelo derramamento de sangue”, publicou Kitatni no Twitter. Por sua vez, a oposição responsabilizou Morsi e a Irmandade Muçulmana pela crise. “Morsi, seu governo e seu partido são responsáveis pela violência”, afirmou Maher. “Ao ignorar as reclamações da oposição, Morsi se comporta como Hosni Mubarak” – o presidente forçado a renunciar pelo levante popular de 2011.

A Irmandade Muçulmana condenou a violência. “A Revolução de 25 de Janeiro foi de natureza pacífica”, diz em um comunicado. Entretanto, as manifestações do dia 25 “incluíram ataques de exércitos de capangas contra a polícia, as instituições estatais e a propriedade privada”, acrescenta. A Irmandade também responsabilizou os meios de comunicação privados de “incitarem a população contra o governo” de Morsi, no poder desde junho de 2012. A maioria desses órgãos de comunicação é de propriedade de influentes empresários, que não simpatizam com essa organização islâmica.

Além disso, a Irmandade destacou que a violência foi planejada por “elementos que buscam desbaratar o curso da revolução” e condenou a oposição por justificar a violência. “É inaceitável que aqueles que reclamam justiça para os mártires da revolução realizem ações que levam mais pessoas à morte”, diz a declaração.

A situação piorou no dia seguinte ao aniversário, quando um tribunal da cidade de Port Said condenou à morte 21 homens, considerando-os culpados pela morte de numerosos torcedores ao término de uma partida de futebol, em fevereiro de 2012, no estádio dessa cidade. A leitura da sentença desatou enfrentamentos em Port Said entre polícia e familiares dos condenados, com saldo de pelo menos 30 mortos, incluídos pessoal de segurança. O exército teve de ser enviado à cidade e arredores para controlar a violência.

Também no dia 26, a Frente Nacional de Salvação (FNS), principal coalizão de oposição, aumentou a aposta e ameaçou boicotar as próximas eleições parlamentares se Morsi não cumprir uma lista de exigências. Entre elas, mudanças imediatas na Constituição, substituição do atual governo por um de “salvação nacional” e a destituição do promotor geral, Talaat Ibrahim, designado por Morsi. Se tais exigências não forem atendidas de imediato, o FNS afirmou que convocará mais manifestações ainda este mês, para reativar a Constituição anterior, de 1971, embora com algumas modificações.

Segundo Maher, a única saída da crise para Morsi é “formar um novo governo com representantes de várias forças políticas, criar um comitê para a reforma constitucional com vários eruditos, dissolver o Conselho da Shura (câmara alta legislativa) e aceitar a renúncia do promotor geral. Se isso não acontecer, redobraremos as demandas”, ressaltou, em referência velada à possibilidade de reclamar a própria renúncia de Morsi.

O porta-voz do governante FJP, Murad Ali, rechaçou os ultimatos. “A oposição tem direito de protestar onde quiser de forma pacífica”, disse à IPS. “Entretanto, nenhum partido político tem direito de reclamar a renúncia de um governo eleito democraticamente, sendo que o uso da violência é, naturalmente, cruzar uma linha vermelha”, destacou. Envolverde/IPS