Em atenção ao pedido do jornalista Mario Osava, publicamos abaixo a íntegra de carta remetida a ele pela empresa Norte Energia, em protesto à matéria “Belo Monte e depredadores ameaçam tartarugas amazônicas“, publicada nesse site em 21/11/2011, bem como sua resposta à empresa.
Prezado Sr. Mario Osava,
Em referência ao artigo de sua autoria “Belo Monte e depredadores ameaçam tartarugas amazônicas”, publicado ontem (21/11), no site Envolverde, a Norte Energia vem prestar os seguintes esclarecimentos a fim de restituir a verdade dos fatos.
O artigo citado versa sobre a conservação de tartarugas-da-amazônia no rio Xingu, os potenciais impactos que a Usina Hidrelétrica Belo Monte (UHE Belo Monte) causaria sobre esta espécie no Tabuleiro do Embaubal e traz consigo um apelo sensacionalista, claramente proposital e irresponsável. Proposital visto que se pode perceber que houve pesquisa e consultas feitas para embasar a matéria, porém, assim mesmo, informações foram deturpadas para que a Norte Energia fizesse o papel de vilã e de uma empresa mal intencionada. Sensacionalista, na medida em que exagera nos extremos e afirmações, criando uma polarização entre atores locais e a empresa, que não existe, e apontando consequências, absurdamente atribuídas à Norte Energia.
Obviamente, não foi de seu interesse ou de sua redação esclarecer que toda a região de influência direta e indireta da UHE Belo Monte, que se estende desde a confluência do rio Iriri, cerca de 300 km acima do Tabuleiro, até a foz do Xingu, foi objeto de estudos de impacto ambiental, executados pelos mais competentes profissionais de meio ambiente contratados, dentre eles vários catedráticos, reputados como os maiores especialistas brasileiros em tartarugas-da-amazônia. Dentre esses estudos incluiu-se modelagens sobre o impacto da retenção de sedimentos sobre o Tabuleiro, concluindo-se que seu impacto é irrelevante, senão nulo.
Ressalte-se que, vivendo em um Estado Democrático de Direito, como é o Brasil, com instituições sólidas e independentes, os estudos de impacto ambiental foram oportunamente aprovados pelo órgão licenciador e demais órgãos públicos envolvidos, como o ICMBio, que trata de espécies ameaçadas de extinção, dentre outras atribuições. Informamos que estes estudos deram origem a mais de 50 projetos ambientais, sendo 3 deles dedicados exclusivamente à conservação e manejo das tartarugas e outras duas espécies de quelônios mais frequentemente consumidas pela população local, que diga-se de passagem, fornece as tartarugas para os barcos de Manaus, pois estes somente são atravessadores e não fazem a captura diretamente.
A Norte Energia já executa um projeto de monitoramento das vazões para introduzir as correções que se fizerem necessárias que se soma a um projeto de monitoramento das matas alagáveis para verificação de efeitos sobre a flora e a fauna. Diversos estudos sobre qualidade da água e modelagens hidrosedimentológicas adicionais estão sendo conduzidos para maior refinamento nas medidas mitigatórias dos efeitos da vazão reduzida do trecho da Volta Grande do Xingu.
É importante registrar que o trecho onde localiza-se o Tabuleiro não sofrerá com redução alguma de vazão, tendo em vista que todo o volume do rio é inteiramente restituído na região do povoado de Belo Monte, já que a hidrelétrica funcionará a fio d’água, portanto, à montante das praias de desova das tartarugas, uma vez que as tartarugas não ocorrem naturalmente no trecho de vazão reduzida (exceto quando despejadas de maneira irresponsável como realizou recentemente um grupo de pessoas comandado pelo Movimento XVPS).
Deveria o Jornalista entender que, além de não sofrer influências diretas da vazão do Xingu, o Tabuleiro está hoje mais efetivamente protegido, graças à iniciativa da Norte Energia em convocar uma agenda positiva com os diversos atores locais, dentre eles a Prefeitura de Senador José Porfírio, na qual se estabeleceu um programa de ações (custeadas pela Norte Energia), sendo a empresa Biota Consultoria e Projetos Ambientais Ltda. sua executora.
O Plano Básico Ambiental do empreendimento, aprovado pelo Ibama, endereça todos os efeitos possíveis levantados nos Estudos de Impacto Ambiental e estão em implementação.
A Norte Energia, por meio das empresas executoras de projetos, como a Biota, está gerando empregos na medida em que contrata funcionários locais para atuação nos projetos de conservação das tartarugas, incluindo o próprio Sr. Luiz Cardoso da Costa, citado no artigo. A Norte Energia mantém, em grande medida, a base utilizada pela Prefeitura a qual em breve será reformada para melhor atender os projetos. É, portanto, descabida a informação de que a Norte Energia não informa os parceiros locais, como a Sra. Saloma Mendes de Oliveira. A Norte Energia promove reuniões periódicas com esses parceiros, em função da agenda positiva estabelecida por sua iniciativa e as reuniões estão sendo realizadas com todas as Prefeituras dos Municípios afetados para expor e discutir o Plano Básico Ambiental do empreendimento, cuja cópia, os mesmos possuem na íntegra. Registre-se que o próprio Professor Juarez, com base nas observações pós-proteção implementadas com recursos da Norte Energia, afirmou que este será um dos anos com maior produtividade de tartarugas.
Finalmente, e não menos importante, mencionar que é, no mínimo, impróprio, colocar em pé de igualdade as afirmações do Sr. Luiz Cardoso da Costa e da Sra. Saloma Mendes de Oliveira, em que pese, tenham grande conhecimento empírico sobre tartarugas, um como ex-predador, e a outra como nativa e apaixonada pelas tartarugas, com estudos realizados pelos maiores especialistas em hidrosedimentologia, qualidade d água e tartarugas no Brasil. Classificar os estudos feitos pela Norte Energia de pouco sérios foi totalmente leviano da parte de quem fez tal afirmação e se seu artigo fosse imparcial, como deveria ser um bom jornalismo, deveria ter refletido a realidade dos fatos, em vez de deturpá-los em busca da fórmula simples do chamariz para leitura.
Seu artigo, assim como outros que têm sido veiculados, não se presta a informar o público como deveria ser sua função, mas visa obviamente a atender um interesse menos nobre.
Assessoria de Imprensa da Norte Energia
Resposta do jornalista Mario Osava
À Assessoria de Imprensa da Norte Energia
Em geral sou partidário de apenas publicar os protestos, críticas ou comentários sobre nossas matérias, sem respostas. Mas os juízos desabonadores e preconceitos dessa carta da Assessoria de Imprensa da Norte Energia (Aine) me obrigam a respondê-la.
1 – No dia 14 de novembro, pedi, por e-mail, uma entrevista com algum dirigente da Norte Energia, exatamente para esclarecer impactos sobre o Tabuleiro do Embaubal. Três dias depois recebi resposta da assessora de comunicação, Andressa Lanzellotti, prometendo resposta após conversar com a diretoria. Ainda aguardo a entrevista que poderia ter acrescentado a visão da Norte Energia na matéria já publicada.
2 – A IPS, minha agência, se define como especializada em temas do desenvolvimento. Não fazemos ativismo ambiental, nem oposição pré-concebida a nenhum projeto. Procuramos ouvir todos os lados, incluir várias visões sobre o tema tratado, explicar os fatos e processos envolvidos. Mas não podemos esperar indefinidamente que os diversos atores se disponham a falar.
3 – Aprendi desde criança que as ideias e convicções são governadas pelos interesses, pessoais ou de grupo. Sou filho de japoneses e vi muitas vezes o filme Rashomon, de Akira Kurosawa. Não sou remunerado por defender certas ideias, nem esta ou aquela posição sobre os temas que abordo nas reportagens e artigos. Não se pode afirmar o mesmo de assessorias de empresas, nem de empresas especializadas que fazem EIA-Rima por encomenda, muito menos quando são dependentes de grupos econômicos interessados no projeto.
4 – Meus interesses são de fato mais “plebeus” que os da Norte Energia. Jamais concordaria com o preconceito que deixa transparecer a carta da Aine em relação a representantes da população local. Os próprios pesquisadores científicos, especialmente das áreas ligadas à ecologia, reconhecem a contribuição do “conhecimento empírico” de nativos e “ex-predadores”. Muito do que consta no EIA-Rima de Belo Monte, especialmente no que se refere aos quelônios, se deve ao saber de “nativos”. Ademais, já que são eles que sofrerão ou desfrutarão os impactos e benefícios das obras, têm legitimidade para manifestar seus temores e cobrar respostas. Acho que a Norte Energia tem mais a ganhar ouvindo-os mais e melhor, do que menosprezando-os.
5 – O EIA-Rima está longe de ter a autoridade que vocês pretendem atribuir-lhe. O Painel de Especialistas, uma análise de 2009 que reuniu 40 pesquisadores, entre os quais pelo menos 28 doutores, considerou haver numerosas “falhas, omissões e lacunas” no EIA-Rima de Belo Monte. Reconheço ali uma predisposição à rejeição, mas fica claro que a autoridade científica é relativa nessa questão. Além disto, as interpretações do EIA podem ser completamente diferentes, de acordo com o interesse de cada um. Há resultados do estudo que, para muitos, inviabilizariam o empreendimento. As divergências, demissões e pressões dentro e sobre o Ibama evidenciaram tais discrepâncias, assim como as 40 condicionantes impostas pela autoridade ambiental, ao conceder a licença prévia à usina de Belo Monte em fevereiro de 2010. Condicionantes que em boa parte não foram cumpridas, especificamente algumas sobre impactos e a necessidade de estudos sobre as populações de quelônios, sequer iniciadas antes da concessão da licença de instalação emitida pelo presidente do Ibama, o que contraria a legislação vigente e denota a falta de independência do órgão licenciador.
6 – A Norte Energia se contradiz ao descartar impactos no Tabuleiro do Embaubal, por estar a jusante de Belo Monte, mas se preocupar em proteger quelônios no Baixo Xingu, custeando a vigilância local, embora seja um arranjo institucional débil, porque a Biota é uma empresa privada e seus funcionários não têm poder de polícia nem autoridade pública.
7 – As declarações de Luiz Cardoso da Costa e Saloma Mendes de Oliveira manifestam temores ante o desconhecido, diante de um projeto gigantesco como a UHE de Belo Monte que certamente abalará a região. Em nenhum momento são afirmações taxativas e aparecem relativizadas por outras visões. Por isso, me parece desproporcional a reação da Norte Energia, que só se explica pela multiplicidade de protestos que enfrenta, dentro e fora do país.
8 – A construção da UHE deve aumentar a pressão demográfica sobre os recursos naturais locais, incluindo os ovos e a carne de tartaruga. Evitei a questão porque, tendo percorrido o Brasil, duvido das previsões de migração maciça. Hoje proliferam empregos por todo o país, há demanda insatisfeita de mão de obra inclusive no Nordeste. Migração há e haverá, mas não tão intensa como em décadas passadas. De qualquer modo, não será desprezível a pressão adicional sobre a fauna no Baixo e Médio Xingu.
9 – É sintomático que sua carta termine queixando-se de que meu artigo, “assim como outros que têm sido veiculados”, não cumpre a função de informar como deveria. Vocês pretendem se arvorar em juízes dos jornalistas, a partir da visão norteada pelos interesses do empreendimento. E parecem ver inimigos em qualquer informação que aborde aspectos do projeto, que não necessariamente condena sua execução, como acho ser o caso do meu texto, cujo foco são as tartarugas do Embaubal e não a usina.
Só espero que não adotem “retaliações” contra minhas fontes, por declarações que nada tinham de hostis.
Atenciosamente,
Mario Osava
Correspondente da agência IPS (Inter Press Service, www.ips.org)