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Refugiados centro-africanos conflitam com a população local em Camarões

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Uma família da República Centro-Africana que se refugiou na região Leste, em Camarões, depois do golpe de Estado que derrubou o presidente François Bozizé. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS

 

Guiwa, Camarões, 27/6/2014 – Os refugiados da República Centro-Africana que vivem na região Leste de Camarões se sentem cada vez mais frustrados com a deterioração de suas condições de vida e sua incapacidade para se sustentar, devido ao conflito que mantêm com a população local pelos limitados recursos. Eles denunciam que são impedidos de ter acesso a ferramentas agrícolas porque as agências humanitárias temem que as usem como armas contra a população local.

Clay-Man Youkoute, diretor do acampamento de Guiwa, contou à IPS que essas agências mostraram a eles áreas onde podem cultivar. “Antes de começar a trabalhar, as agências se negaram a nos dar as ferramentas adequadas. Disseram que se nos dessem facões iríamos usá-los contra a população local. É muito insultante”, acrescentou. “Fomos trabalhar no morro sem ferramentas adequadas, só para que não nos impedissem de usar a terra. O chefe local e seu povo nos mandaram embora dizendo que não tínhamos o direito de estar em seu território”, acrescentou.

Rosaline Kusangi, com três filhos, teve que colher frutas silvestres para ganhar a vida. Ela caminha todos os dias cinco quilômetros até um morro próximo para colher mangas. Depois as vende no mercado de Guiwa. “Não posso ter terras, então dependo das frutas silvestres para sobreviver, mas a população local continua pensando que não tenho direito a elas porque sou refugiada”, afirmou à IPS.

Cerca de 1,5 mil refugiados se assentaram em Guiwa, no leste de Camarões, como parte do primeiro fluxo de pessoas que fugiram da República Centro-Africana após o golpe de Estado de abril de 2013, quando foi derrubado o presidente François Bozizé. Mas, em maio, vários refugiados começaram a abandonar os acampamentos por causa das péssimas condições de vida. Estima-se que cerca de 200 mil pessoas das República Centro-Africana estão refugiadas em Camarões. Mas, inclusive em Guiwa, vivem em más condições com barracas de campanha que se desgastam rapidamente. Faltam água e instalações adequadas para tratar a água.

“Há mais de um ano estamos aqui e ainda vivemos em abrigos tão precários quanto desgastados. Na estação seca faz muito calor dentro e quando chove entra água. Além disso, insetos e cobras entram com facilidade nas barracas”, disse à IPS o refugiado Jodel Tanga. Como se não bastasse, as infecções e a malária aumentaram nos dois primeiros meses da estação chuvosa.

“Todos os dias, cerca de dez pessoas ficam doentes por malária ou do estômago desde que começaram as chuvas. Todos os poços cavados pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) secaram ou estão contaminados, por isso temos de andar dois quilômetros em busca de água”, explicou à IPS a refugiada Juliana Manga, que trabalha como assistente de saúde no acampamento de Guiwa.

Segundo Manga, é difícil receber atendimento médico. “Quando vamos à clínica sempre somos os últimos a atenderem. Dizem que temos de esperar que a população local seja atendida antes. As enfermeiras dos hospitais fazem comentários e gestos insultantes”, acrescentou. Ela também se queixou junto às autoridades escolares porque não deixavam que seus filhos fossem à escola alegando que havia pouco espaço nas salas.

A quantidade de refugiados que cruza a fronteira da República Centro-Africana para Camarões diminuiu de mais de dez mil, uma semana antes de março, para cerca de mil por semana, atualmente. Mas a onda já mudou a configuração da maioria dos povoados da região Leste.

Segundo o conselheiro local de Guiwa, Joseph Kwette, a comunidade local se preocupa com sua própria segurança e seu sustento desde o começo do fluxo de refugiados. “Estes eram um grupo de pessoas contrariadas, que abriram caminho até Guiwa, apesar das tentativas da população local para que ficassem na fronteira. Isso gerou tensão que ainda persiste”, detalhou à IPS.

As fontes de água locais foram seriamente comprometidas. As crianças são obrigadas a andar longas distâncias para encontrar água e madeira. A mandioca, o alimento mais consumido na região, também ficou escasso e é vendido pelo dobro do preço no mercado.

“A falta de água no acampamento e o desmatamento causado pelos refugiados ameaçou a segurança alimentar da população de Guwia, que também depende dos produtos da selva e da água para sobreviver. Os preços dos produtos aumentaram e os roubos menores são comuns”, pontuou Kwette.

Segundo o comandante da polícia de Guiwa, os crimes aumentaram no ano passado. Atribui-se aos refugiados os últimos episódios de roubos com armas e o aumento do comércio sexual. Em janeiro, refugiados da República Centro-Africana fizeram reféns dois trabalhadores humanitários das Nações Unidas em protesto pela falta de assistência básica. No começo de maio, um grupo de homens armados desse país sequestrou 18 civis que viajavam pelo leste de Camarões.

Mas os refugiados afirmam que apenas são vítimas das circunstâncias e não gozam de direitos humanos básicos, como a liberdade de movimento. “Nos consideram criminosos por não termos documentos de identidade. A polícia nos incrimina e muitos refugiados vão para a prisão de Bertoua só porque tentaram se locomover e buscar trabalho na cidade”, queixou-se Youkoute. “Não há documentos que nos identifiquem como refugiados da República Centro-Africana registrados pelo Acnur”, acrescentou.

As agências humanitárias em Camarões declararam a atual situação como sendo de emergência e pediram mais ajuda. A Organização Mundial da Saúde denunciou que as instalações sanitárias têm uma terrível carência de pessoal e falta água e eletricidade. Os trabalhadores humanitários estão sobrecarregados e os suprimentos médicos também se esgotam.

Os armazéns do Programa Mundial de Alimentos vão ficando vazios e são necessários fundos urgentes para comprar mais comida e complementos nutricionais para as crianças mal nutridas. “As necessidades dos refugiados são descomunais. As necessidades mais urgentes são de moradia, alimentos e tratamento médico. Foram identificados muitos outros locais para alojá-los”, declarou Faustian Tchmi, diretor da região Leste da Cruz Vermelha de Camarões. Envolverde/IPS