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Refugiados não têm como escapar do frio no Paquistão

Refugiados que fogem do Talibã e das operações militares se esforçam para preparar uma comida quente e assim manter o frio sob controle. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Refugiados que fogem do Talibã e das operações militares se esforçam para preparar uma comida quente e assim manter o frio sob controle. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPSfugia

 

Peshawar, Paquistão, 31/1/2014 – Enquanto a temperatura cai a zero grau, um arrepio percorre as costas de gente como Rasool Kan, no acampamento de refugiados de Jalozai, no Paquistão. Amontoados em barracas diminutas, com apenas uma cobertura de plástico sobre suas cabeças, sem nada que lhes dê calor, passam noites sem dormir no amargo frio. “Meus dois filhos estão doentes do peito”, contou à IPS este homem de 44 anos, que vive no acampamento com dez familiares. “Já estávamos rodeados de muitos problemas, mas o tempo gelado tornou tudo mais precário”, afirmou.

O acampamento de Jalozai, com crescimento descontrolado, fica perto de Peshawar, em Jyber Pajtunjwa, onde vivem refugiados das vizinhas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), no norte do país. “As crianças e os idosos estão ficando doentes”, disse Kan, que deixou sua casa na agência de Jyber em agosto de 2012. “Permanecemos em barracas muito desgastadas, que não nos protegem do frio”, acrescentou.

Em abril de 2012 o governo lançou uma operação militar contra o movimento extremista talibã na agência de Jyber, e cerca de 200 mil residentes fugiram e se refugiaram em Jalozai. O acampamento abriga 60.765 pessoas, de 12.580 famílias. Como se deixar suas casas e raízes para trás não bastasse, agora o inverno torna suas vidas ainda mais miseráveis.

Os médicos afirmam que 90% dos habitantes do acampamento sofrem doenças relacionadas com o frio, como congestão respiratória, dor de garganta e febre. “Sua contínua exposição ao tempo seco e gelado, junto com a falta de gás e lenha para se aquecer, os deixa à mercê de um clima implacável. Não tem como usar a água gelada”, disse o médico Samiullah Kan. “As mulheres e as crianças são os mais prejudicados. Entre 1º e 22 de janeiro examinamos 7.548 crianças e 6.587 mulheres. O inverno rigoroso é responsável por essa situação”, enfatizou

As condições meteorológicas ficaram particularmente adversas logo no início de 2014. Nos dias mais frios, 11 e 12 deste mês, foram registradas temperaturas de dois graus abaixo de zero. Dificilmente as barracas cobertas com plástico poderiam oferecer proteção contra semelhante inclemência.

O médico Mahmood Ali, que trabalha no distrito de Bannu, perto do Waziristão do Norte, cita dados dessa agência para dizer que, “além, de tosse, gripe e outras doenças geradas pelo inverno, as pessoas também contraíram enfermidades causadas pela má qualidade da água, com diarreia e disenteria”. O frio faz cair a imunidade das pessoas, deixando-as mais vulneráveis às doenças.

“A população de refugiados não tem uma proteção adequada”, pontuou Ali Akbar, que chegou a Jalozai depois que as forças armadas começaram as operações contra o Talibã em sua agência natal, Bajaur, em 2008. No acampamento vivem 2.351 famílias de Bajaur, uma das sete agências das Fata. O Comitê Nacional para Manejo de Desastres disse que 2,1 milhões de pessoas abandonaram suas casas por causa da violência do Talibã e das posteriores operações militares nas Fata. Vivem em acampamentos ou casas alugadas em Jyber Pajtunjwa.

Ghufrana Bibi, da agência do Waziristão do Sul, que chegou ao acampamento há dois anos, disse que seus sete filhos ficaram doentes. “Têm febre. Nos faltam cobertas e roupas adequadas, e não há eletricidade”, detalhou Bibi, de 52 anos. Ela contou que perdeu o marido durante o bombardeio de 2011 e que então seus filhos eram muito pequenos para trabalhar. “Dependemos das escassas instalações de saúde do acampamento, porque não podemos pagar tratamentos privados”, disse a mulher.

Para a maioria, o alívio só chegará quando acabar o inverno boreal. “Não há esperança de assistência médica. Nossa única esperança é que o tempo fique mais quente”, disse Abdul Wadood, que está no acampamento desde 2011. Wadood, de 55 anos, diz que as pessoas vão em grupos ver os médicos do acampamento a cada manhã.

Os refugiados do distrito de Dera Ismail Kan, perto do Waziristão do Sul, enfrentam problemas semelhantes. “As pessoas chegam em grande número ao nosso hospital por causa do frio severo. Prescrevemos medicamentos e pedimos para se manterem quentes, mas eles simplesmente não têm como”, explicou o médico Abdul Malik, que trabalha no hospital distrital de Dera Ismail Kan. Os residentes do acampamento querem desesperadamente que a insurgência acabe para poderem voltar às suas aldeias ancestrais.

“A única maneira de pôr fim aos nossos sofrimentos é a repatriação para nossas aldeias. Precisamos de paz para voltarmos o mais rápido possível”, disse à IPS Shafique Afridi, que vive no acampamento de Jalozai. Ele tem 54 anos e era comerciante em Jyber, e conta que tinha uma precária moradia de barro, mas ao menos protegia sua família do frio. “Aqui não temos nada. Enfrentamos o inverno e o verão sem eletricidade. Na aldeia usávamos lenha para nos aquecer, mas aqui não podemos fazer isso”, lamentou.

Faisal Kan, funcionário do acampamento, disse que foram distribuídos suprimentos de inverno. “Demos a cada família cinco mantas, duas colchas e cinco colchões”, afirmou. Entretanto, admite que, simplesmente, isso não foi suficiente. Envolverde/IPS