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A segurança alimentar também em pequenos vasilhames

Dorothy Chisa vende lagartas, um popular manjar de alto conteúdo proteico, em Zâmbia. Foto: Amy Fallon/IPS
Dorothy Chisa vende lagartas, um popular manjar de alto conteúdo proteico, em Zâmbia. Foto: Amy Fallon/IPS

 

Lusaka, Zâmbia, 20/12/2013 – O mundo conhece Zâmbia como a terra do cobre, por ser um dos principais produtores mundiais deste mineral. Mas agora o país também desenvolve um negócio mais suculento: as lagartas. Em uma esquina de Lusaka, a capital, em um dia de calor abrasador, Dorothy Chisa, de 49 anos, vende estas lagartas, na realidade larvas de insetos, que constituem uma cada vez mais procurada esquisitice de alto conteúdo proteico neste país da África austral, com 13 milhões de habitantes.

São vendidas cruas, em recipientes de diferentes tamanhos, cujos preços partem de cinco kwachas (US$ 0,0009). Os clientes “gostam muito. Têm um sabor bastante agradável, como carne de peixe, e têm vitaminas. Se forem amassadas pode-se fazer purê para bebês”, disse à IPS esta mãe de sete filhos que ganha até 600 kwachas (US$ 0,10) por dia vendendo lagartas.

Essas larvas, que costumam ser encontradas nas árvores de mopane, ou árvore de bálsamo, no norte do país, se chamam ifishimu, em idioma bemba, ou ifinkubala, em chewa, falado no leste. A variedade negra tem espinhas mais visíveis do que a marrom, e as duas têm tamanhos diferentes. Os camponeses pegam as lagartas vivas das árvores com as mãos. Depois as apertam para liberarem as folhas que consumiram e as colocam para tostar em fogo baixo. Com ajuda do calor sufocante de Zâmbia, costumam secar em dois dias.

Geralmente são misturadas com nshima, uma sopa grossa à base de milho, que é um alimento básico nacional e à qual se acrescenta tomate, cebola e carne refogada. Um restaurante de Lusaka serve essas lagartas e pelo menos uma pousada que recebe quem realiza safári nas cataratas de Victoria, na fronteira com o Zimbábue. São oferecidas para tentar os mzungus (brancos), explicam os proprietários.

As pessoas chegam em grupos durante todo o ano ao norte, procedentes de Lusaka, no centro sul do país, e de outras partes de Zâmbia, para comprá-las a granel. Em 2013, a presença nas escolas da Província do Norte caiu mais de 70%, pois os estudantes deixaram as salas de aula para caçar lagartas, informou um jornal local.

A demanda por parte dos empresários urbanos elevou seu preço. Moradores da cidade de Kitwe, no centro do país, e de Lusaka acamparam nas aldeias do norte para se dedicarem a coletar essas larvas, e também houve denúncias de que alguns pais obrigavam seus filhos a vendê-las.

Segundo estudo divulgado em maio pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a entomofagia, ou consumo de insetos pelos seres humanos, complementa a dieta de aproximadamente dois bilhões de pessoas no mundo. Mais de 1.900 espécies, encontradas principalmente em países tropicais, são comestíveis, segundo a FAO.

Graças ao seu alto valor nutricional e às baixas emissões de gases-estufa, a pouca necessidade de terra e a grande eficiência em que convertem ração em alimento, os insetos podem contribuir com a segurança alimentar e ajudar a superar a escassez de proteínas, diz o informe da FAO. Na África ocidental se consome a lagarta do butirospermo, ou árvore manteigueira, enquanto a variedade sapelli se degusta no centro do continente. As espécies são as mesmas que as do mopane, mas se alimentam de diferentes árvores.

“Compram as lagartas e depois as distribuem por outras províncias”, contou à IPS o atacadista Chris Siame, cercado por altos sacos cheios das que adquiriu em outubro e que agora vende o vibrante mercado de Soweto, na capital. “Alguns vêm de outros países, como Malawi, Zimbábue e até da África do Sul para comprá-las”, acrescentou.

Na África do Sul esses animais são parte do cardápio de um restaurante em Johannesburgo. Siame, de 32 anos, viaja anualmente cerca de 90 quilômetros com destino ao norte, por três semanas, para comprar as lagartas. “Usamos o sistema de troca. Oferecemos roupas aos comerciantes. Se não as querem, pagamos em dinheiro”, explicou. Ele comprou sacos de dois quilos de lagartas por 40 kwachas cada um. Após trazê-las de caminhão até Lusaka, vende cada um a 60 kwachas.

O valor nutricional é um benefício extra. Segundo a FAO, cem gramas de lagartas dessecadas contêm cerca de 53 gramas de proteína, 15% de gordura e 17% de carboidratos. Acredita-se que os insetos possuam uma proporção maior de proteína e gordura do que a carne bovina e o pescado. Também são ricas em potássio, cálcio, magnésio, zinco, fósforo e ferro, entre outras vitaminas e minerais. “Quando vamos às consultas pré-natais nos aconselham a comê-las”, disse à IPS uma compradora, enquanto amamentava seu bebê no mercado de Soweto.

Francis Mupeta, secretário-geral da organização Médicos Residentes em Zâmbia, disse que costuma ver seus compatriotas comendo lagartas em sua vida profissional e pessoal. “Minha mulher está grávida, e tem desejos por ifinkubala. Por isso tivemos que comprar quantidade para três meses”, contou à IPS. “Aconselho as grávidas a comerem ifinkubala. Melhora o apetite, reduz os enjoos e melhora sua nutrição em geral”, ressaltou Mupeta, destacando que são relativamente baratas e fáceis de conseguir em áreas rurais.

Segundo Paul Vantomme, alto funcionário florestal da FAO, há três medidas que os políticos de Zâmbia podem adotar em matéria de alimentação e saúde para garantir que as futuras gerações tenham acesso a alimentos. “Primeiro, reconhecer que os insetos são parte da dieta e ajudam a enriquecê-la com proteínas valiosas”, disse à IPS.

“Em segundo lugar, dar apoio institucional e legal para garantir que as lagartas que chegam ao mercado são seguras para os consumidores e que as inspeções bromatológicas cubram a qualidade dos insetos, do mesmo modo como se faz com a carne, o pescado, o leite, etc. E, por fim, promover um fornecimento sustentável”, detalhou Vantomme.

Segundo a FAO, a comercialização da lagarta do mopane promove uma colheita excessiva e insustentável. Desde a década de 1990, as populações dessa variedade diminuíram, enquanto a pobreza, a insegurança alimentar e os desastres ambientais pioram a situação. Vantomme considera que se deveria pôr controles em sua coleta e, ao mesmo tempo, plantar novas árvores de mopane para aumentar sua quantidade. Envolverde/IPS