TERRAMÉRICA - Invasão benigna

As espécies exóticas ameaçam a diversidade biológica local em muitos lugares do mundo. No entanto, a invasão de uma ostra que, vinda do Pacífico oriental, chegou ao Mar Báltico tem características excepcionais.

Berlim, Alemanha, 4 de abril de 2011 (Terramérica).- Na década de 1970 os criadores franceses de ostras introduziram a asiática Crassostrea gigas no Golfo de Vizcaya, com a intenção de diversificar as espécies da área e cultivá-la com fins comerciais. Mais de 30 anos depois, e com as águas do Atlântico Norte mais quentes devido à mudança climática, o exótico molusco está fincado ao longo das costas setentrionais da Europa, até a Alemanha e a Irlanda.

Conhecido como ostra do Pacífico, este molusco se diferencia da ostra europeia comum (Ostrea edulis) por suas conchas serem mais estreitas e curvadas e seu sabor mais acentuado. Graças à sua forte constituição, se estabeleceu nos mares do Norte da Europa, competindo e deslocando espécies locais. Porém, ao contrário de outras invasões exóticas, a da ostra do Pacífico parece ter criado novas oportunidades para mais espécies, contribuindo para diversificar a fauna e a flora do Atlântico Norte e do Mar Báltico.

“A ostra do Pacífico se aclimatou perfeitamente à nossa região”, disse o geólogo Achim Wehrmann, do Departamento de Investigação Marinha Senckenberg de Wilhelmshaven, 300 quilômetros a noroeste de Berlim, na costa alemã do Mar de Frisia (Wattenmeer, em alemão). O Wattenmeer, situado entre as Ilhas Frisias, o Mar do Norte e as costas holandesa, alemã e dinamarquesa, é um pântano costeiro tão raso que pode ser cruzado a pé durante a maré baixa. Seu leito, visível durante várias horas por dia, é uma planície lamacenta, rica em nutrientes e hábitat único de milhares de espécies.

Segundo Achim, em 1998 foi identificada a primeira ostra do Pacífico no Mar de Frisia. Doze anos mais tarde, a colheita anual é de aproximadamente 15 mil toneladas. A migração da Crassostrea revolucionou os hábitats regionais. “No começo da invasão, a ostra asiática se contentava em ocupar as zonas do Wattenmeer temporariamente submersas”, explicou o biólogo Christian Buschbaum, que trabalhou para o Instituto Alfred Wegener para a Pesquisa Marinha e Polar em Bremerhaven, bem perto de Wilhelmshaven.

Com o passar do tempo, deslocou-se para regiões constantemente debaixo d’água, hábitat do mexilhão atlântico (Mytilus edulis). Como a ostra forma cachos de centenas de indivíduos, cresce mais rápido e fica maior do que o mexilhão local, acabou impondo-se a este. Entretanto, “curiosamente, esta invasão não provocou maiores efeitos danosos”, disse Christian ao Terramérica. “As espécies locais a aceitaram. Embora tanto a ostra quanto o mexilhão se alimentem de plâncton, e agora compitam por ele, coexistem bem. O mexilhão local é um pouco menor do que antes da chegada da Crassostrea gigas, mas, no restante, não houve nenhum outro efeito nocivo”, afirmou.

Além disso, o molusco asiático trouxe consigo uma alga chamada sargaço japonês (Sargassum muticum), que também se espalhou no Atlântico Norte e no Báltico. Desta alga “se beneficia o Haliichthys taeniophorus – um peixe da mesma família dos hipocampos – que durante muitos anos foi considerado em extinção”, acrescentou Christian. Contudo Achim alertou que “a velocidade de reprodução da ostra é um problema. Outro é que pode ser perigosa para os humanos”, disse ao Terramérica.

A concha é muito afiada e pode causar feridas dolorosas em turistas que praticam o tradicional passeio descalço durante a maré baixa, bem como em consumidores não habituados. “No Instituto analisamos os conteúdos de metais pesados e outros riscos patogênicos da ostra, sobretudo de cólera, para dispormos de parâmetros de comparação com relação a outras espécies”, disse Achim.

As análises feitas até hoje não indicam risco algum, embora as autoridades sanitárias europeias ainda não tenham autorizado seu consumo como alimento, acrescentou. O crescimento da ostra do Pacífico contrasta com a sorte de seu parente comum, que “está bem perto da extinção”, vítima de doenças, pesca excessiva e da própria expansão da Crassostrea gigas, explicou Karin Dubsky, da organização ecológica Coastwatch Europe.

Embora a Ostrea edulis não tenha maior importância ambiental, sua proteção “é uma questão moral”, afirmou Karin. “Da mesma forma que todo o mundo se preocupa com o destino do panda, assim deveria ser com a ostra europeia”, acrescentou. O destino da edulis é o de centenas de irmãs de sua família.

Uma pesquisa dirigida pelo biólogo marinho Michael Beck, publicada em fevereiro pela revista BioScience, mostra o desaparecimento de 85% dos arrecifes e leitos de ostras do mundo. A equipe de Michael, que trabalha para a norte-americana Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, analisou 144 baías e enseadas e 44 ecorregiões em todo o mundo e concluiu que em 66% destas áreas sobrevivem apenas 10% dos moluscos inventariados há 130 anos.

*O autor é correspondente da IPS.

LINKS

Peixe invasor e com má fama, mas produtivo

Proteção comum contra praga do mexilhão – 2004, em espanhol

Moluscos invasores chegaram para ficar

Forragem africana invade pampas no Brasil – 2003, em espanhol

Departamento de Pesquisa Marinha Senckenberg de Wilhelmshaven, em inglês e alemão

Instituto Alfred Wegener para a Pesquisa Marinha e Polar, em inglês e alemão

Coastwatch Europe, em inglês

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.