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Trabalhadores italianos rezam para São Precário

Um retrato de São Precário no escritório do movimento na cidade de Milão. Foto: Silvia Giannelli/IPS
Um retrato de São Precário no escritório do movimento na cidade de Milão. Foto: Silvia Giannelli/IPS

 

Milão, Itália, 12/7/2013 – Não foi a crise financeira que levou centenas de milhares de trabalhadores europeus a protestarem contra a nova praga do mercado de trabalho: a precariedade. Ela, isto sim, agravou a situação. A luta contra a precariedade trabalhista é bandeira do movimento Não Global, na Itália, desde 2001, quando uma nova geração de trabalhadores e trabalhadoras começava a não ter opção que não fosse aceitar empregos instáveis e de curto prazo. Agora que o desemprego disparou em todo o continente europeu, a busca por melhores condições de trabalho e de uma estratégia comum para eliminar o emprego precário parece mais urgente do que nunca.

“Quando começamos a falar a respeito, dirigentes políticos e sindicatos consideravam que a precariedade era uma condição transitória, que não estava destinada a se tornar crônica”, recordou Alessandro Marca, do Movimento São Precário, em entrevista à IPS. “Mas esta crise demonstrou que estavam errados. Os jovens que na época tinham um emprego precário continua da mesma forma, só que já não são mais jovens”, ressaltou. São Precário, declarado por ativistas como patrono dos trabalhadores em situação instável, é um ícone que recorda os santos católicos, aos quais os fiéis invocam diante de dificuldades.

O “santo”, que fez sua primeira aparição pública em outubro de 2004 nos protestos contra redes multinacionais, foi criado por uma “organização ativa desde 2001, quando convocou a primeira marcha por ocasião do 1º de Maio”, Dia Internacional dos Trabalhadores, explicou Marca. Mobilizações internacionais como as manifestações contra o Grupo dos Oito países mais ricos do mundo e as sucessivas edições do Fórum Social Europeu permitiram que organizações civis se conectassem e propusessem iniciativas transfronteiriças. O mundo dos trabalhadores precários foi uma das preocupações principais.

Em 2004, a mobilização pelo 1º de Maio na cidade italiana de Milão passou a ser o Euro May Day, uma ação política contra o trabalho instável. Mas as conexões internacionais não duraram mais do que dois anos. “Durante um tempo houve uma rede de diferentes organizações na Europa, uma lista de emails, uma estrutura organizacional e um manifesto e uma plataforma comuns para convocar mobilizações”, pontuou Marca. Atualmente existe o May Day, que foi apropriado pelo movimento Ocupe, nos Estados Unidos, mas “já não há uma conexão direta, os conteúdos e as modalidades de cada edição são totalmente independentes e baseados em um território pontual”, acrescentou.

Segundo Sandro Gobetti, presidente da organização Basic Income Network Italia (BIN), a brecha entre os sistemas de bem-estar da União Europeia (UE) poderia ser uma das razões do fracasso do movimento internacional de trabalhadores precários. “Em muitos países europeus as pessoas desempregadas recebem subsídios e uma renda mínima”, observou. “Nesse sentido, a Itália é uma anomalia. Milhões de trabalhadores em situação precária não têm direitos nem subsídios por maternidade nem férias pagas, sem mencionar seguro-desemprego. Os movimentos italianos são mais fortes porque há uma grande necessidade de que existam”, explicou à IPS.

A exigência de um salário mínimo é, por certo, um dos aspectos centrais das lutas do São Precário. “O movimento de trabalhadores precários é o protagonista indiscutível da luta pela criação de uma renda mínima”, detalhou Gobetti. “O principal problema da precariedade é que os trabalhadores são propensos a chantagens, e acreditamos que um salário mínimo é a única solução real”, disse Marca à IPS. “Estamos conscientes de que o atual sistema de produção exige flexibilidade; o que pedimos é que essa flexibilidade seja remunerada de forma adequada”, ressaltou.

A BIN se mobiliza junto com outras 170 organizações para coletar assinaturas e apresentar uma proposta legislativa para estabelecer o salário mínimo na Itália. Os pioneiros da primeira rede de trabalhadores precários europeus decidiram voltar às mobilizações em nível nacional, mas outros seguem buscando um contexto mais amplo. Stanislas Jourdan, ativista francês da rede Renda Básica Incondicional (RBI), busca um projeto europeu. “A Iniciativa Cidadã Europeia (ICE) é uma ferramenta que permite aos cidadãos se expressarem”, disse Jourdan à IPS.

Como explica o site da Comissão Europeia, a ICE permite que a cidadania, por meio da coleta de um milhão de assinaturas procedentes de pelo menos sete dos 28 Estados membros, participe de forma direta no desenvolvimento das políticas do bloco, pedindo ao órgão executivo da UE que elabore uma proposta legislativa. A RBI visa a pressionar Bruxelas, sede da Comissão Europeia, para adotar um sistema unificado de renda mínima para todos os cidadãos da União Europeia, independente de sua situação econômica e trabalhista.

“Todos teriam uma renda básica, universal e incondicional vinculada à pessoa, mais do que à família, e suficientemente alta para garantir suas necessidades básicas e a participação social”, opinou Jourdan. O benefício substituiria as medidas atuais vigentes em muitos países, mediante a criação de um sistema unificado e mais eficiente. “Nos propomos a simplificar o sistema, tornando-o muito mais justo e compreensível para todos, bem como desmantelar o problema que representa o atual esquema de bem-estar na Europa”, acrescentou.

Os céticos, inevitavelmente, apresentam o problema do apoio econômico para tais medidas. Jourdan explicou que a renda básica proposta seria bastante baixa e só funcionaria como um piso para que cada Estado a aumente segundo seus próprios recursos. Gobetti, que lidera o lobby junto ao Parlamento Europeu para que adote uma renda mínima semelhante à já existente na maioria dos países do bloco, disse que é só uma questão de vontade política. “Nunca há problema sobre de onde sai o dinheiro para o gasto militar. De onde saem os fundos? O sistema educacional também é muito caro, mas ninguém pensaria em eliminá-lo”, ressaltou.

Segundo Marca, iniciativas como a ICE são bem-vindas porque geram consciência sobre este assunto, mas é preciso ser realista. “Quando começamos, discutimos a ideia de uma renda básica incondicional para todos. Em condições ideais estaríamos de acordo, mas atualmente criar um limite de pobreza para ter acesso a benefícios parece mais realista”, ponderou.

Marca acredita que os esforços internacionais chocam-se com outros problemas. Refletindo sobre a experiência do Euro May Day, declarou: “A razão de o projeto ter acabado foi a falta de um interlocutor europeu. Sempre se deve voltar ao âmbito nacional. Com a crise, vemos apenas o lado negativo do fortalecimento da governança europeia, mas ainda não há ninguém em Bruxelas disposto a ouvir as reclamações da sociedade civil”. Envolverde/IPS