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Um chamado à responsabilidade, tempo de ação

Carregando o desenvolvimento. Foto: Claudius/IPS

 

Barcelona, Espanha, 31/5/2012 – Vivemos tempos de grande confusão e de enormes incertezas. Uma parte do mundo se vê ferozmente afetada pelas consequências do Estado de total submissão em que se encontram os governos com relação aos mercados financeiros.

Esses mercados, supostamente anônimos, em uma situação de total descontrole, em razão das políticas desreguladoras das últimas décadas, se veem inclusive com força para fazer caírem governos eleitos democraticamente e substituí-los por outros “tecnocráticos”.

Por outro lado, vemos como a natureza especulativa de grande parte destes mercados também se mostra cruel com as matérias-primas, incluindo os alimentos, o que leva mais milhões de pessoas à fome e à desnutrição. Este fato, somado ao crônico descumprimento dos acordos internacionais referentes à cooperação para o desenvolvimento, se vê agravado pela atual crise econômico-financeira.

Paralelamente, o mundo encontra-se imerso em outra crise que ameaça sua própria sobrevivência.

Os desafios que representam o aquecimento global e a degradação ambiental, agravados por padrões de produção e consumo insustentáveis, crescem de forma alarmante sem que as atuais estruturas de governança mundial sejam capazes de enfrentá-los, tal como demonstram os reiterados fracassos das reuniões da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.

É neste contexto que, entre 20 e 22 de junho, se reunirá no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, duas décadas depois da realização da Cúpula da Terra, também nessa cidade.

Trata-se de um momento muito importante na agenda internacional ao qual todos – e, sem dúvida, também a cidadania – temos que prestar uma atenção muito especial.

São vários os temas que fazem parte da agenda deste encontro que ainda são objeto de intensas negociações. Contudo, a partir do Ubuntu – Fórum Mundial de Redes da Sociedade Civil, queremos destacar o seguinte em relação aos dois temas centrais: economia verde e o contexto institucional.

O conceito de economia verde deve se referir, necessariamente, a um modelo de desenvolvimento sustentável que incorpore uma visão holística com uma base profundamente social e de respeito ambiental. Não é aceitável, e rechaçaremos qualquer promoção de um modelo que, com subterfúgios, esconda uma simples aposta por uma maior mercantilização da natureza.

A reforma do contexto institucional é evidente e mais urgente do que nunca. Além dos detalhes organizacionais deste novo marco – que também são importantes –, o que é realmente relevante é assegurar que a nova estrutura conte com os recursos, a independência e os poderes reais necessários para garantir a aplicação e o respeito dos acordos sobre meio ambiente, incluindo a capacidade de impor sanções.

Isto deve estar paralelo à promoção de um sistema de multilateralismo democrático, a única opção possível se realmente cremos no processo para um verdadeiro modelo de governança mundial democrático, participativo e justo.

A respeito dos outros dois temas da Cúpula, um dos elementos essenciais é avançar em tudo o que diz respeito ao conceito de justiça climática, com base no princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Nesse sentido, a questão do financiamento também é fundamental, o que evidencia – uma vez mais – a necessidade de progredir em questões como os mecanismos inovadores de financiamento para o desenvolvimento, e em especial a proposta de uma taxa sobre as transações financeiras.

No contexto de uma proposta integral do conceito de desenvolvimento humano sustentável, também é imperioso o estabelecimento de um marco jurídico que evite a especulação que afeta os preços dos alimentos.

Além disso, o debate sobre novas fórmulas de medição do desenvolvimento e da sustentabilidade deve nos ajudar a superar – na linha do que propõe o Índice de Desenvolvimento Humano – o atual modelo baseado no produto interno bruto (PIB), que deixa de lado elementos básicos como a igualdade, a sustentabilidade ou o respeito aos direitos humanos.

Nesse sentido, a proposta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pode ser positiva desde que esteja na direção mencionada e seja complementar aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com os quais, em nenhum caso, deve haver competição.

Também é de extraordinária importância que a cúpula renove e relance acordos tão fundamentais como a Agenda 21, que inclui temas de especial significado como os compromissos de redução das emissões de gases-estufa, ou as convenções sobre mudança climática, diversidade biológica e desertificação.

Portanto, fazemos um chamado à mobilização de todos os atores implicados, mas especialmente da cidadania e da sociedade civil – em todos os níveis: local, regional e mundial – para conseguir que a nova Cúpula da Terra esteja à altura das circunstâncias, tão sérias, que vivemos.

O mundo não pode se permitir outro fiasco no Rio. É tempo de responsabilidade. E é tempo, sobretudo, de ação. Envolverde/IPS

* Federico Mayor Zaragoza é ex-diretor-geral da Unesco, presidente da Fundação Cultura de Paz e ex-presidente da agência IPS. Mario Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal. Ubuntu – Fórum Mundial de Redes da Sociedade Civil. Veja o texto completo do chamado e das adesões.