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Veteranos de guerra plantam pela paz no Sudão do Sul

Wilson Abisai Lodingareng, de 65 anos, é um agricultor periurbano, ex-soldado do Exército para a Libertação do Povo do Sudão, que criou uma cooperativa de veteranos em Juba, no Sudão do Sul. Foto: Adam Bemma/IPS
Wilson Abisai Lodingareng, de 65 anos, é um agricultor periurbano, ex-soldado do Exército para a Libertação do Povo do Sudão, que criou uma cooperativa de veteranos em Juba, no Sudão do Sul. Foto: Adam Bemma/IPS

 

Juba, Sudão do Sul, 29/8/2014 – Nas férteis margens do rio Nilo Branco, um dos principais afluentes do rio Nilo na África subsaariana, uma cooperativa agrícola de veteranos de guerra tenta garantir seu futuro alimentar quando o perigo de fome paira sobre o atribulado Sudão do Sul. Wilson Abisai Lodingareng, de 65 anos, é um agricultor periurbano e fundador da Associação de Veteranos Werithior (WVA), com sede nesta cidade, capital do Sudão do Sul.

A organização está integrada por 15 agricultores de diferentes idades. O mais jovem, de apenas 25 anos, é filho de um deles. A cooperativa tem uma horta de 1,5 hectare na periferia de Juba, onde cultiva verduras. “Vi membros ativos no grupo, todos ex-soldados do ELPS (Exército para a Libertação do Povo do Sudão). Os chamo quando é preciso tirar o mato da horta. Também vou uma vez por dia, todas as manhãs, examinar os cultivos e ver o que está pronto para venda”, contou Lodingareng à IPS.

Alguns dos membros da WVA tiveram de abandonar suas casas e vivem nesta cidade em um acampamento pertencente à Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (Unmiss). Desde o começo do enfrentamento, em 15 de dezembro de 2013, entre as forças do presidente Salva Kiir e as rebeldes do vice-presidente, Riek Machar, 1,5 milhão de pessoas abandonaram suas casas.

Atualmente, 3,5 milhões de sul-sudaneses sofrem insegurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Lodingareng contou como foi difícil conseguir um terreno perto do rio Nilo, pois muitos investidores internacionais competem pelas boas terras agrícolas. Demorou quase três anos para conseguir um arrendamento com a comunidade dona do terreno.

Em seguida, transformou a pastagem cheia de mato em uma horta com verduras e ervas. A WVA cultiva quiabo, couve, folhas de juta e coentro. “São cultivos de curto impacto que crescem rápido, em um ou dois meses. O quiabo se colhe a cada três ou quatro dias”, disse Lodingareng.

A ideia da horta da WVA é que a terra seja um recurso que não se desperdice. Lodingareng observa sua horta e pensa na possibilidade de expandi-la para o terreno vizinho, que está desocupado. “Penso em ampliar os cultivos de milho, batata, cenoura e berinjela”, afirmou. “O primeiro ano foi muito difícil, mas o próximo deve ser muito melhor” acrescentou.

Simon Agustino, oficial de programa do Comitê Central Menonita (MCC) no Sudão do Sul, contou que Lodingareng “veio ao nosso escritório com uma proposta e pedindo ajuda. Os veteranos não tinham esperanças nem forma de manterem suas famílias. As pessoas acreditavam que ele perdia o tempo cavando. Mas não se entregou”, afirmou.

A MCC lhe forneceu capital para arrendar o terreno, capacitar os beneficiários e para a produção de frutas e verduras, bem como para compra de implementos para a horta e ferramentas. Também monitorou o progresso da WVA. “Por fim, conseguiu o terreno e agora produz e seus cultivos são vendidos no mercado. Um sinal de seu sucesso é que mais veteranos pensam em se unir ao grupo”, detalhou Agustino.

Segundo Agustino, a maioria dos veteranos do ELPS se volta à criminalidade após darem baixa. Mas Lodingareng não se voltaria ao furto de gado nem a usar armas para roubar. Ele tem uma visão de futuro para o Sudão do Sul. “Fiz minha parte para pôr meu país no caminho da autodeterminação. Agora me proponho a trabalhar duro. Farei tudo o que puder para sair da pobreza e melhorar minha situação econômica”, assegurou.

Lodingareng lutou com o ELPS entre 1985 e 2008. Quando, há seis anos, deixou o exército, começou a pensar na época em que era estudante de economia na Universidade de Makerere, em Kampala, Uganda. “Fiz um curso e escrevi um informe sobre economia agrícola. Aprendi que a terra é alimento e que os cultivos compartilham sinais de comportamento com os humanos”, explicou.

Lodingareng pertence ao povo de pastores toposa, do sudeste do país, mas sua esposa é nuer, um dos principais grupos étnicos do Sudão do Sul, junto com os dinkas. “Nos perseguiam. Escondi minha mulher no povoado e, com ajuda do MCC, a levei para Uganda. Voltei e descobri que haviam entrado em minha casa e levaram tudo”, contou.

Os veteranos da WVA são de diferentes grupos étnicos do Sudão do Sul. Seu trabalho demonstra que a agricultura é uma forma de reunir os sul-sudaneses, deixar de lado o pertencer tribal e plantar juntos na estação chuvosa. Lodingareng acredita que nunca é tarde para abraçar a causa da agricultura, ainda que haja milhões de refugiados e o país esteja à beira da fome.

“O ambiente político desanimou muitos a cultivarem nesta temporada. Mas, se todos trabalharem em sua horta, as coisas melhorarão”, afirmou Lodingareng. O MCC planeja começar um programa de reconciliação e paz com a ajuda da WVA. “Há tantas ideias sobre como acabar com o conflito”, destacou, maravilhado, Agustino. Envolverde/IPS