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Vinte anos após o genocídio, Ruanda impulsiona economia com reconciliação

 Kigali, a capital de Ruanda, é descrita como uma das cidades mais seguras e limpas da África, enquanto o governo tenta atrair mais investimentos e turistas. Foto: Aimable Twahirwa/IPS

Kigali, a capital de Ruanda, é descrita como uma das cidades mais seguras e limpas da África, enquanto o governo tenta atrair mais investimentos e turistas. Foto: Aimable Twahirwa/IPS

 

Kigali, Ruanda, 31/3/2014 – Há quase 20 anos, o hutu Sylidio Gashirabake participou do genocídio de Ruanda. E há também quase duas décadas seu vizinho, o tutsi Augustin Kabogo, perdeu a irmã e outros familiares naquela violência sectária. Mas agora ambos trabalham lado a lado em um empreendimento, no distrito de Kirehe.

Estima-se que 800 mil membros da minoria tutsi e moderados hutus morreram no massacre que começou após a morte dos então presidentes de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e de Burundi, Cyprien Ntaryamira, quando em 6 de abril de 1994 o avião em que viajavam foi derrubado por um míssil perto de Kigali, para impedir que assinassem um acordo de paz. A autoria dessa ação ainda é desconhecida.

Gashirabake saiu da prisão em 2006, após confessar, dois anos antes, seus crimes e de revelar ao seu vizinho o paradeiro dos restos de sua família. Kabogo se salvou da matança ao se esconder em um pântano próximo. Mas Gashirabake nega ter participado da morte dos familiares de Kabogo. “Confessei deliberadamente para tirar esse peso da minha consciência, já não o suportava depois de vários anos”, contou Gashirabake à IPS.

Há dois anos, Kabogo o perdoou, e desde então os dois são sócios empresariais. Ambos integram um grupo de 30 pessoas que participam de um projeto de criação de porcos em Kireche, impulsionado por um voluntário japonês em 2012, com a finalidade de reconciliar vítimas e algozes do genocídio de Ruanda. Tanto Gashirabake quanto Kabogo estão convencidos de que para ter êxito é imperativo que a reconciliação seja uma realidade em Ruanda.

Atualmente, com seu negócio ganham em média US$ 200 mensais. Kabogo está convencido de que já não importa se Gashirabake matou ou não sua família. O importante, disse, é que ele se desculpou pelos crimes que cometeu. “Devo admitir que a reconciliação mediante a redução da pobreza está lentamente se tornando uma realidade em Ruanda 20 anos depois do genocídio”, afirmou à IPS.

Nos 30 distritos desse país do centro da África há vários projetos, apoiados pelo governo ou por organizações não governamentais, destinados à redução da pobreza. Isso inclui o projeto Girinka (podes ter uma vaca). Criado em 2006, distribui vacas entre famílias pobres de áreas rurais afastadas. Até 2013, cerca de 350 mil pessoas se beneficiaram do programa, segundo seus responsáveis.

Quase 90% dos ruandeses dependem da agricultura para sobreviver e o governo adotou uma série de reformas para garantir o apoio às famílias pobres e aos sobreviventes do genocídio. Entre essas reformas, há um Fundo Governamental de Assistência para Sobreviventes do Genocídio, que criou, em 1998, com orçamento total de US$ 117 milhões para dar educação, com programas de cuidados com a saúde e moradia para sobreviventes do genocídio em situação de vulnerabilidade.

Desde que assumiu o poder, após derrubar o regime genocida em julho de 1994, o ex-grupo rebelde e atual governante Frente Patriótica de Ruanda (RPF) vem impulsionando reformas importantes, entre elas algumas econômicas.

O informe do Banco Mundial Ruanda: Reconstruindo uma Sociedade Equitativa. Pobreza e Redução da Pobreza Depois do Genocídio mostra que, em 1993, cerca de 70% dos 11,5 milhões de ruandeses viviam abaixo da linha de pobreza. Quatro anos depois, a porcentagem caiu para 53%. Segundo os últimos dados divulgados na terceira Pesquisa Integral sobre Condições de Vida nas Famílias 2011, entre 2006 e 2011, outro milhão de pessoas saiu da pobreza.

Ruanda é elogiada por seus sócios para o desenvolvimento – Banco Mundial, União Europeia e Fundo Monetário Internacional – por esses êxitos e pelo sucesso das reformas econômicas. Contudo, também há consenso de que persistem os desafios para o crescimento econômico e o desenvolvimento do país.

Pascal Nshizirungu, especialista em ciências socioeconômicas da Universidade de Kigali, pontuou à IPS que os esforços nacionais para atrair investimentos deveriam estar acompanhados de planos para reduzir as brechas sociais. O governo, com a segunda fase de sua Estratégia de Desenvolvimento Econômico e Redução da Pobreza, está investindo em áreas estratégicas para que Ruanda seja reclassificado em 2020 como país de renda média, com renda por pessoa de US$ 1.240. Atualmente, à renda por habitante da classe média do país é estimada em US$ 693.

O governo também promoveu os investimentos estrangeiros, mediante privatização de empresas e setores que estavam sob controle estatal. “Além da estabilidade política, o país conta com um bem do qual carecem outras nações da região: infraestrutura, o que atrai muito mais investimentos privados”, ressaltou Robert Mathu, diretor-executivo da governamental Autoridade do Mercado de Capitais de Ruanda. “O país busca estimular o crescimento nacional e criar um clima que incentive a participação do setor privado”, afirmou à IPS.

Em 2013, a economia de Ruanda cresceu 4,6%. “Acreditamos que, ao termos sócios fortes no setor privado, reduziremos a pobreza, e que, ao mesmo tempo, isso pode contribuir para o crescimento econômico”, declarou à IPS o ministro de Finanças e Planejamento Econômico, Claver Gatete.

Atul Ajela, gerente-geral da Dodoma, fabricante de colchões que iniciou suas atividades há dois anos em Ruanda, acredita que, 20 anos depois do genocídio, o país é um lugar seguro e o melhor para iniciar uma empresa. “Ruanda tem um entorno empresarial claro, que está dando incentivos e facilidades, o que torna fácil nossa tarefa de atender países vizinhos”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS